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A contribuição da tecnologia para a transparência e performance democrática

20 de julho de 2020 - WILSON SALES BELCHIOR

Transparência institucional e participação cidadã são instrumentos capazes de melhorar a performance democrática de um país. A aplicação de inovações tecnológicas no espaço governamental tem o potencial de proporcionar efeitos positivos nessas variáveis.

Existe arcabouço normativo e axiológico que apresenta consenso mínimo em torno do âmago da democracia, a despeito das divergências na literatura especializada no que toca aos elementos estruturais e variações dos conceitos em virtude das formas de participação disponíveis e problemáticas associadas a representatividade. 

É sabido, pois, que os governos devem ser formados por um processo eleitoral sedimentado na liberdade de escolha dos cidadãos que adquirem legitimidade para decidirem em nome da sociedade; existirá o reconhecimento aos direitos humanos e fundamentais, liberdades políticas, separação dos poderes, diversidade, livre iniciativa e valores plurais; juntamente a canais constitucionais para externar reivindicações, espaços de deliberação, com diferentes níveis de autonomia e ferramentas para fiscalização dos governos.

A transparência se posiciona, então, enquanto instrumento apto a aperfeiçoar a performance democrática, englobando os dados disponibilizados em acesso público pela Administração e as respostas às solicitações de acesso feitas pelas pessoas. Para concretizar esse escopo é indispensável que os dados sejam, no mínimo, razoavelmente completos, compreensíveis, localizados facilmente, verificados por terceiros independentes, identifiquem fontes e métodos de coleta, e permitam conclusões precisas quando examinados2.

Não é novidade que a tecnologia promove desafios aos setores públicos e privado. As inovações são múltiplas e a rapidez pela qual se modificam é exponencial. Nessa interseção são discutidas as necessidades de adaptação e aperfeiçoamento, as quais alcançam diretamente as exigências por transparência e aperfeiçoamento da performance democrática dos Estados nacionais.

A Inteligência Artificial (IA) já é utilizada, por exemplo, no setor público da Holanda para detectar fraudes na concessão de benefícios sociais, sinalizando a possibilidade de inadequação e aprendendo autonomamente com o feedback da equipe de funcionários públicos3; na Ucrânia, “DOZORRO” aprende a identificar propostas com alto risco de violação legal em contratos públicos4; o Banco Mundial enxerga na IA oportunidade para ampliar a transparência utilizando variáveis diversas (rede de relações, sedes, uso de pessoas jurídicas, jurisdições off-shore) para esmiuçar os riscos potenciais antes de um contrato ser firmado nas compras financiadas pela instituição5.

No Brasil, a Controladoria-Geral da União possui solução que realiza análise automática das prestações de contas em convênios e contratos de repasse, baseando-se em nota de risco para mensurar a probabilidade de aprovação ou reprovação das contas, além de identificar indícios de impropriedades ou irregularidades (e.g. descumprimento de norma, conflito de interesse, falhas na execução financeira)6; no Tribunal de Contas da União, o Sistema de Análise de Licitações e Contratos (Alice) faz a leitura de editais de licitações, planilhas orçamentárias e atas de registros de preços, elaborando relatório com indicações de eventuais inadequações7.

Na legislação brasileira, existe incentivo normativo à aplicação dessas novas tecnologias reconhecido na disponibilidade de grande quantidade de dados sobre o agir da Administração Pública. Isto decorre das determinações acrescentadas ao ordenamento jurídico pela Lei Complementar nº 131/2009 quanto à gestão fiscal e acompanhamento em tempo real das informações sobre a execução orçamentária e financeira por parte da sociedade em meio eletrônico. Igualmente, a Lei nº 12.527/2011 relativamente à garantia de acesso à informação que elevou a publicidade a preceito geral, objetivando fomentar a cultura de transparência no setor público.

Além disso, na consulta pública a respeito da Estratégia Brasileira de IA8, lançada no início de 2020 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, foram destacadas questões importantes relacionadas a performance democrática e a transparência, como criação de conselhos, redes e comunidades; abertura dos dados governamentais; integração da IA com a Administração para melhorar a eficiência e reduzir os custos dos serviços públicos.

Em última instância, o conjunto dessas transformações anuncia benesses diretas para a performance democrática: aperfeiçoamento nos controles interno e externo, prestação dos serviços públicos, eficiência e transparência; redução de custos e do tempo dedicado a tarefas repetitivas; obtenção de insights para tomada de decisões estratégicas.

A concretização desses benefícios é acompanhada pela organização dialogada de uma agenda que oriente as áreas e problemas prioritários, estruture governança de dados, capacite pessoas e instituições, analise os riscos, fixe princípios éticos e parâmetros de condutas (respeito aos direitos fundamentais, valores democráticos, proteção à privacidade e aos dados pessoais, equidade, transparência, autonomia, intervenção do ser humano, entre outros), desenvolva mecanismos de conformidade, reflita acerca da necessidade de ajustes na legislação e nos regulamentos, a fim de que essas novas tecnologias sejam utilizadas de forma confiável e ética para fazer crescer a performance democrática.

 

 

 

1 Advogado. Atualmente é Conselheiro Federal da OAB e Presidente da Comissão Nacional de Direito Bancário. Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Direito e Gestão de Conflitos. MBA em Gestão Empresarial. Especialista em Processo Civil e Energia Elétrica.

 

2 MICHENER, Greg; BERSCH, Katherine. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, p. 233-242, 2013.

 

3 Disponível em: https://www2.deloitte.com/tz/en/pages/about-deloitte/articles/greenhouse-case-study-netherlands.html

 

4 Disponível em: https://ti-ukraine.org/en/news/dozorro-artificial-intelligence-to-find-violations-in-prozorro-how-it-works/

 

5 Disponível em: https://blogs.worldbank.org/governance/can-artificial-intelligence-stop-corruption-its-tracks

 

6 Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2018/10/inteligencia-artificial-analisara-prestacao-de-contas-em-transferencias-da-uniao

 

7 Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-ministerio-da-infraestrutura-e-dnit-firmam-acordo-para-aperfeicoar-fiscalizacao-e-prevenir-fraudes-em-licitacoes.htm

 

8 Disponível em: http://participa.br/profile/estrategia-brasileira-de-inteligencia-artificial

Autor(es):

Curriculum:

Advogado. Atualmente é Conselheiro Federal da OAB e Presidente da Comissão Nacional de Direito Bancário. Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Direito e Gestão de Conflitos. MBA em Gestão Empresarial. Especialista em Processo Civil e Energia Elétrica.


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