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Combate ao crime: Colômbia não pode ser exemplo, diz Britto

sábado, 7 de abril de 2007 às 09h18

Rio de Janeiro, 07/04/2007 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, alerta que "a impunidade tem gerado e estimulado a corrupção", e diz ver com "grande preocupação e desilusão" a série de escândalos no País. "Os escândalos desestimulam o cidadão, fazendo com que a política seja compreendida como politicagem e não na sua função principal, que é de traçar as metas da nação", ressalta. Sobre a violência, Cezar Britto diz que a Colômbia não pode servir de exemplo para o Brasil no que se refere a uma correta política de combate ao crime. Para ele, "quando se diz que o Estado é o grande responsável pela criminalidade, está se dizendo claramente que o combate não está diretamente ligado ao aumento de penas ou ao número de vagas no sistema penitenciário".

"É o contrário. A violência decorre da ausência do Estado no fornecimento das necessidades sociais básicas, como a educação, saúde, transporte, segurança pública e as perspectivas de ascensão social. Quando o Estado tira do cidadão qualquer perspectiva de torná-lo um membro ativo de sua prole, da sua cidade, ele estimula a violência, marginaliza o seu cidadão e faz com que a violência se torne um produto da ausência de políticas sociais concretas".

Segue a entrevista concedida ao repórter Fernando Sampaio da Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro:

P- Como analisar a questão do crime organizado no Brasil?
R- Ele tem que ser analisado de forma organizada. O crime organizado se combate de forma organizada e não desorganizada. E é por isso que o Brasil vive essa crise de violência, por não ter combatido organizadamente esse tipo de crime. Para combatê-lo, é preciso uma série de ações conjuntas, tanto das polícias quanto dos estados e do governo federal. É preciso ter uma ação uniforme, que mobilize a todos, dentro de uma política nacional de segurança pública, em que os estados se comprometam, e não que se fique nas brigas, disputas eleitorais, impedindo uma ação conjunta. Essa briga eleitoral é que tem desorganizado a ação de combate ao crime organizado, favorecendo aqueles que deveriam estar sendo combatidos.

P-O que o senhor acha da importação de modelos de outros países, entre os quais a Colômbia, para o combate ao crime no Brasil?
R- Eu estive na Colômbia, recentemente, e a forma como se combate o crime na Colômbia é uma forma decorrente de um Estado com um viés populista muito forte, com a presença policial muito forte, com desrespeito, não raro, a direitos do cidadão. De um país que está em guerra civil há anos, que está em regime de exceção há anos. Não é um exemplo para ser aplicado no Brasil. A democracia colombiana não é a democracia brasileira. São realidades distintas que não podem ser interpretadas e aplicadas como se fossem coisas iguais.

P- O senhor é a favor ou contra o interrogatório por videoconferência?
R- O interrogatório via videoconferência traz alguns aspectos de redução de direitos e garantias do cidadão, conquistados ao longo do avançar da humanidade, especialmente aqueles que se referem ao direito de ser interrogado diretamente pelo Estado/juiz, para que tendo essa presença do Estado/juiz possa, sem nenhuma pressão, ver as razões que cometeram o fato ou porque não cometeram esse fato, sem a proteção do Estado, que priva a sua liberdade. Esse é um direito constitucional. Um outro aspecto, também de garantia de direito, é aquele de participar do depoimento da testemunha que o acusa de praticar determinados fatos. A presença do réu, historicamente, serve para evitar que a testemunha minta ou traga fatos desconhecidos do réu e do seu advogado, para que se possa imediatamente fazer uma contraprova do que é alegado. Então, são instrumentos que garantem o devido processo legal, o respeito à produção da prova, que o cidadão ao ser processado, seja processado de forma justa e que garanta efetivamente a defesa no mesmo patamar da acusação. Então, são princípios que a videoconferência quebra, trazendo instrumentos novos para o direito processual e de defesa como direito reconhecido do cidadão, da humanidade. Em sendo assim, ela somente poderia ser aplicada em casos excepcionalíssimos e não de forma genérica como se consta do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados e ainda em fase de apreciação pelo Senado Federal. A Ordem dos Advogados do Brasil admite a videoconferência em casos bastante reduzidos, excepcionais, e quando a segurança da população esteja claramente evidenciada, regra de exceção e não regra geral.

P- O número de foragidos da Justiça já é maior do que o de presos no País. Como analisar essa questão?
R- É uma demonstração clara de que a impunidade decorre de vários fatores: pela ausência da apuração dos crimes nessa fase inicial, na ausência de cumprimento dos mandados judiciais, da ausência de um controle do próprio Judiciário no que se refere ao cumprimento de suas decisões, da ausência de uma ação mais ativa do Ministério Público na fiscalização da atividade policial. É uma série de fatores que faz com que esse fenômeno ocorra. Um grande número de foragidos com condenações judiciais em curso, o grande número de mandados de prisão não cumpridos, demonstrando a ineficiência do Estado.

P- O senhor é a favor do endurecimento da lei penal?
R- Eu sou a favor do cumprimento da lei penal, e que as normas que estejam postas sejam fixamente cumpridas, não gerando essa sensação de impunidade estimuladora do crime. O número de mandados não cumpridos demonstram que essa impunidade é que estimula o crime, e não a dureza da pena. A certeza de que vai ser punido é muito mais eficaz do que o número fixado maior para a pena, se esse número não é sequer observado, sequer cumprido.

P- E essa questão da progressão da pena, quando de uma condenação de 10, 15 anos ou mais, o indivíduo só cumpre três ou quatro anos de cadeia. Como o senhor vê isso?
R- A regressão de pena é um direito conquistado pela humanidade, na perspectiva de que o bom comportamento, estímulo para o trabalho, pode fazer com que o preso possa ter possibilidade de reassunção social. Serve como estimulador para que a pena cumpra também essa função educacional, ressocializante. Então, a regressão é importante. O percentual dessa regressão é que tem que ser discutido, porque quando caiu por decisão do Supremo Tribunal Federal, a regra da impossibilidade da regressão nos crimes hediondos, esses crimes ficaram com a mesma regressão dos crimes comuns e de pequeno potencial ofensivo. Então, por isso é que deveria - e a Ordem tem apoiado nesse sentido - ser modificado o critério de progressão para os crimes hediondos, mas não acabar com esse sistema, que é democrático e humano.

P- O que está faltando no País para se intensificar o combate à lavagem de dinheiro?
R- Acho que mais ação. Quem comete o crime de lavagem de dinheiro? Quem são os beneficiários? Quando você descobre quem são os beneficiários e se vê a influência política desses que cometem esse tipo de crime, alguns deles financiando campanhas eleitorais, você percebe que a dificuldade no combate à lavagem de dinheiro tem uma razão de origem, que é a vinculação clara desses personagens com alguns membros da política brasileira. É preciso, no combate à lavagem, termos mecanismos de repatriação do dinheiro, mecanismos claros de punição de quem pratica isso, até porque esse tipo de crime tem um poder ofensivo muito maior do que alguns crimes individuais. Os crimes individuais chocam mais do que os crimes coletivos, porque os crimes coletivos são invisíveis aos seus autores. Você não sente a destruição que eles causam à nação. Mas quero crer que para combater a lavagem de dinheiro tem que ter compromisso. Compromisso forte com o Brasil, com a República, e não com aqueles que financiam campanhas de forma clandestina, utilizando caixas dois.

P- Como o senhor vê essa série de escândalos no País?
R- Com preocupação, desilusão, mas ao mesmo tempo com sentimento de cidadania ativa na sua rejeição. Os escândalos desestimulam o cidadão, quando o faz desacreditar na política, fazendo com que a política seja compreendida como politicagem e não na sua função principal, que é de traçar as metas da nação. Eles geram desânimo quando criam a imagem de que a corrupção é algo normal, que não pode ser combatido, mas ao mesmo tempo estimulam a reação da sociedade. São várias as ações demonstradas pela sociedade de que não quer mais conviver com a corrupção, com a transformação em privado do patrimônio público. Tanto é assim que o primeiro e único projeto de iniciativa popular é exatamente aquele de combate à corrupção eleitoral, aquele que torna mais fácil a cassação do mandato do político eleito, com base na compra de voto ou no abuso do poder econômico.

P- Aí, o povo pergunta, e a ética?"
R- A ética foi parar onde não devia ter parado. Na distância do olhar do cidadão. A ética tem que ser algo visível, próximo das pessoas, vivenciada, respirada por todos. Quando a ética fica apenas distante, como algo inalcançável, perde o cidadão, por gerar desestímulo, perde a nação, porque não tem aquele cidadão ativo e que cobra que ela desça e se torne palpável. E perde o Brasil quando não tem a ética como a razão maior da ação dos seus dirigentes.

P - Corrupção e impunidade são coisas que caminham juntas no País?
R- Claro que sim, porque a impunidade tem estimulado a corrupção, porque fica aquela sensação de que tudo se pode fazer, porque nada se pode prender. Por isso é que há uma relação muito clara entre os dois institutos.

P- Qual o seu alerta diante de tanta corrupção?
R- Que o brasileiro não pode desanimar e combata a corrupção diariamente. A corrupção tem o poder de transformação. Você combate de uma forma, ela vem de outra, você prende um e logo outro surge, descobre um esquema e logo ele é substituído. O que exige uma ação alerta e versátil da cidadania. E não desanimar. Temos que ficar o tempo todo atentos, combatendo, denunciando, exigindo punições, porque a corrupção é uma praga muito destrutiva. E você não pode permitir que a praga fique impune e proliferando, porque aí pode ser tarde demais.

P- A pobreza, aliada à violência, corrói o tecido social. Como reverter isso?
R- Quando se diz que o Estado é o grande responsável pela violência, está se dizendo claramente que o combate à violência não está diretamente ligado ao aumento de penas ou ao número de vagas no sistema penitenciário. Ao contrário, se diz que a violência decorre da ausência do Estado no fornecimento das necessidades sociais básicas, como educação, saúde, transporte, segurança pública e as perspectivas de ascensão social. Quando o Estado permite e retira do cidadão qualquer perspectiva de torná-lo um membro ativo da sua prole, da sua cidade, ele estimula a violência, marginaliza o seu cidadão. E faz com que a violência se torne um produto da ausência de políticas sociais concretas. É bem verdade que a violência é também praticada por aqueles nascidos em berços esplêndidos, mas, nesse caso, o grande estimulador é a impunidade claramente vista no Brasil. Há uma diferença muito forte quando se pune aquele que é oriundo das camadas sociais menos favorecidas e aqueles que nascem em berços esplêndidos.

P- Como o senhor analisa essa Justiça morosa no País?
R- É uma série de razões que permitem a morosidade do Judiciário. São várias, desde a ausência de investimentos em magistrados - porque há poucos magistrados para o grande número de processos -, de estruturas físicas nos pontos mais pobres do País, até o abuso do próprio Estado, quando se torna o grande cliente da Justiça ao não honrar os seus compromissos, abarrotando o Judiciário de vários processos.

P- Como o senhor classifica o Conselho Nacional de Justiça?
R- Ele cumpriu, logo no seu início, a sua função de traçar políticas macros para o Poder Judiciário, tanto assim que foi do Conselho Nacional de Justiça que resultaram decisões importantes, como o combate ao nepotismo, a questão da discussão do teto salarial. Porém, ele tem nos últimos tempos perdido um pouco do seu foco, talvez em função da demanda contida, administrativa, em relação ao Poder Judiciário. Hoje, ele tem se dedicado muito mais ao julgamento de questões pontuais do que a questões macros de aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Essa é uma correção de rumo, que tem que ser constantemente discutida e que é objeto de preocupação dentro do próprio Conselho Nacional de Justiça, mas espera-se que ele, depois de ultrapassada essa fase de demanda, volte a cumprir a sua função de praticar essas políticas macros para o Poder Judiciário.

P- O que o senhor acha dos gastos de R$ 335 milhões com a nova sede do Tribunal Superior Eleitoral?
R- Confesso que não conheço sobre a nova sede do Tribunal Superior Eleitoral, mas os tribunais precisam de estruturas físicas, mas não de prédios suntuosos. Não sei qual é a delimitação, portanto, não posso opinar especificamente sobre essa sede.

P- Quais são os grandes objetivos da OAB na sua gestão?
R- Uma instituição que representa 600 mil advogados, está presente em todos os estados da federação, em mais de 1.200 municípios, ela tem que ter múltipla ação. Ela tem que traduzir em trabalho toda essa capilaridade, toda essa diversidade de projetos, de sonhos, de quereres exigidos pela advocacia e pela cidadania. Ainda mais uma entidade que tem duas funções legais. Uma função institucional em defesa do estado democrático de direito, de aperfeiçoamento das instituições jurídicas, da defesa da República, dos direitos humanos, na contribuição que os cursos de Direito cumpram a sua finalidade de ascensão social. E a outra vertente, que é a vertente corporativa de uma classe que cresceu demasiadamente e que já sente fortemente a presença da proletarização e desesperança de vários de seus profissionais, que não têm perspectiva de trabalho, de ascensão. Então, precisa a Ordem trabalhar conjuntamente, observando essas duas atribuições legais. Ela tem que aprender a conviver com todas essas demandas e ir transformando essas demandas em ações. E como fazer isso? Descentralizando as ações administrativas, políticas, profissionalizando a Ordem, fazendo com que ela esteja presente em várias atividades, participando dos Conselhos de Fiscalização de Políticas Públicas, trazendo projetos de defesa da classe e que esteja mais presente no Congresso Nacional, discutindo e propondo projetos de lei. Uma série de ações que exige dos dirigentes um trabalho constante.

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