Adriano Zanotto: “o pior analfabeto é o analfabeto político”
Florianópolis (SC), 26/09/2005 – “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos”. Com essa declaração o presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina, Adriano Zanotto, iniciou o discurso de boas-vindas aos participantes da XIX Conferência Nacional dos Advogados, cujos trabalhos se iniciam hoje, em Florianópolis. Zanotto deu prosseguimento ao discurso alertando que, na terra barriga-verde, a advocacia brasileira lançará, mais uma vez, o grito dos indignados, o grito do inconformismo.
“E exigirá postura que conduza a uma nova forma de fazer política neste País: com ética e profissionalismo, requerendo dos parlamentares compromissos com a democracia e permanente sintonia com os ideais da sociedade”, afirmou o presidente da OAB catarinense.
Zanotto disse aos participantes da Conferência que, apesar de vivermos sob a égide de uma Constituição intitulada cidadã e de termos em nossa Carta Magna uma série de direitos que invejam as nações mais civilizadas do globo, temos uma realidade social e política que põe o Brasil em condições piores do que muitos países subdesenvolvidos.
“Não é por outra inspiração que a advocacia brasileira se reúne para tratar da República, Poder e Cidadania, como preparando, mais uma vez, a mensagem atual dos advogados brasileiros, porta-vozes das exigências do povo brasileiro”, afirmou Adriano Zanotto, destacando aos presentes o tema central desta edição da Conferência – República, Poder e Cidadania.
Zanotto concluiu seu discurso garantindo que os advogados, que são “testemunhas oculares das injustiças que maculam a nossa sociedade” farão, uma vez mais, um alerta contra o pior dos pecados que um cidadão pode cometer: o da omissão. “Triste omissão cometida recentemente por aqueles que, mesmo sob seus olhos e comando, disseram que nada sabiam sobre os ilícitos que estavam sendo cometidos contra a nossa pátria”.
A XIX Conferência Nacional dos Advogados será realizada até a próxima quinta-feira (29) o Centro de Convenções Centro Sul, da capital catarinense.
A seguir, a íntegra do discurso proferido pelo presidente da OAB de Santa Catarina, Adriano Zanotto:
“Há pouco mais de vinte e três anos, a advocacia brasileira se reuniu em Santa Catarina, sob a presidência de Bernardo Cabral no Conselho Federal e do saudoso Evilásio Caon, na Seccional Catarinense, para realizar a IX Conferência Nacional da OAB, sob o tema Justiça Social.
Àquela época, havíamos iniciado o processo de redemocratização do País, fato que adveio após muita luta da OAB e da sociedade brasileira, e que havia sido objeto de discussões em Conferências anteriores, tornando-se então realidade.
Em 1982, o Ato Institucional n. 5 já havia sido revogado; abriu-se oportunidade para a formação de novos partidos; a censura à imprensa foi levantada; a anistia política já se consumara e eleições diretas para governadores estavam marcadas. Mas uma série de outras lutas persistia e necessitava de avanços em benefício de um verdadeiro estado democrático de direito, especialmente a elaboração de nova Carta Magna que tivesse origem em Assembléia Constituinte legitimamente convocada.
Desde aquela época até os dias atuais obtivemos muitos avanços, ainda que à custa de muita luta.
O Presidente Caon, no entanto, em seu pronunciamento de abertura do evento alertava dizendo: “partimos do pressuposto de que o ideário que acalentamos repousa num ordenamento jurídico positivo que, manejado adequadamente, constitui instrumento capaz de resolver o grave problema da má distribuição de riqueza do País e, portanto, converter sua estrutura social injusta em estrutura social justa.”.
Nesse ponto, podemos afirmar que muitos assuntos tratados na Conferência de 1982 continuam atuais, o que nos chama a atenção e merece detida reflexão.
Neste exato momento, estamos diante de problemas recorrentes da sociedade brasileira. Uma série de carências, aliada a profundas desigualdades sociais, e injustificável, revoltante e inaceitável onda de corrupção, nascida da falta de valores éticos e morais, atentam contra a cidadania brasileira e provocam lamentável crise política, estando a merecer a punição dos envolvidos comprovadamente culpados.
A população brasileira sob o regime democrático não aceita mais que os detentores do poder republicano usurpem, pelas deturpações apontadas, seus direitos como cidadãos.
Vivemos sob a égide de uma Constituição intitulada de cidadã. Temos nos artigos 5o e 7o da Carta Magna uma série de direitos individuais e sociais que invejam as nações mais civilizadas do globo. Mas temos uma realidade social e política que nos põe em condições piores do que muitos países subdesenvolvidos do planeta.
Não é por outra inspiração que a advocacia brasileira se reúne para tratar da República, Poder e Cidadania, como preparando, mais uma vez, a mensagem atual dos advogados brasileiros, porta-vozes das exigências do povo brasileiro, aos que exercem postos de poder para que respeitem a cidadania neste País.
E nos atrevemos mais uma vez a fazer este alerta, pois os advogados são, como disse Evilásio Caon: “testemunhas oculares das injustiças que maculam a nossa sociedade” e não podemos deixar passar às futuras gerações o pior dos pecados que um cidadão pode cometer: o da omissão. Triste omissão cometida recentemente por aqueles que, mesmo sob seus olhos e comando, disseram que nada sabiam sobre os ilícitos que estavam sendo cometidos contra nossa Pátria.
A psicóloga Giselle Manica, em recente evento em comemoração ao dia do Psicólogo, alertou em seu pronunciamento que: “a população está muitas vezes, relegada às ações sutis, mas eficientes, de pequenas e difusas relações de poder – sejam elas representadas pelas minúcias do capitalismo que impõem uma competição extremada, uma cultura de exploração ritmada, uma sociedade repleta de peritos e especialistas que anseiam hipocritamente por abarcar a realidade, ditando verdades e esquecendo-se das humanidades.”. E cita uma poesia de Bertolt Brecht, intitulada “O analfabeto político” que diz o seguinte:
“O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende de decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos; que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.”
Diante da crise política que assola a nação, no país do “mensalão”, do “mensalinho”, do “valerioduto”, do “janenoduto”, da compra de partidos de aluguel, da falta de ética e valores morais, da falta de verdadeira vergonha na cara de políticos que se apresentam à nação mentindo e que, após mentirem, renunciam para salvar futuros mandatos, cabe aos advogados, não só porque imprescindíveis à administração da justiça, como preconiza o artigo 133 da Constituição da República, mas também pela sua formação humanística, o papel fundamental na estratégia de mobilização social para construção de um país melhor e mais solidário.
Superar a crise com maturidade nos encaminhará para uma perspectiva diferenciada de soberania popular.
Na terra Barriga-verde a advocacia brasileira, mais uma vez, lançará o grito dos indignados, o grito do inconformismo e exigirá postura que conduza a uma nova forma de fazer política neste País: com ética e profissionalismo, requerendo dos parlamentares, compromissos com a democracia e permanente sintonia com os ideais da sociedade.
A administração moderna exige que o administrador público tenha foco em resultados positivos que atendam às necessidades da população, especialmente a mais carente. A profissionalização da administração pública indicará o caminho a ser percorrido, cujos objetivos não se modificam com a alternância no poder. E, para isso ocorrer, os cargos públicos, ainda que de livre nomeação, devem, obrigatoriamente, ser ocupados por pessoas que reúnam as condições técnicas e culturais adequadas para seu preenchimento.
Observando a atual conjuntura mundial, podemos apreender algumas tendências nos aspectos político, econômico, social, tecnológico e administrativo, como a formação de mercados comuns, surgimento de blocos regionais, aparecimento de novos serviços e desaparecimento dos tradicionais, desemprego estrutural, degradação ambiental com escassez da água potável como fator de disputas, utilização da biotecnologia para produção de alimentos, utilização de células tronco, internacionalização da produção, dentre outras. Tudo isso estará a exigir novas posturas e a construção de novos paradigmas, inclusive maior profissionalização e qualificação das pessoas, demandando um processo de contínuo aprimoramento profissional e aprendizado constante nas mais diversas áreas do conhecimento e especialmente no setor público, que será cada vez mais exigido para cumprimento de suas obrigações em prol do bem comum.
A República Brasileira merece respeito. Em pleno século XXI não se pode retirar dos cidadãos seus mais elementares direitos e garantias, e a Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo sua missão de intérprete dos apelos sociais e de vanguarda das ações de mudanças, manifesta aqui seu alerta e seu grito, exigindo das autoridades respeito e firmeza para prover as necessidades do povo e defender a moralidade de seus atos contra os abusos em todas as esferas da vida institucional.
Não posso deixar de mencionar o relevante papel da mídia na construção da cidadania, pois têm sido os meios de comunicação incansáveis guerreiros em prol das causas sociais, denunciando, na maioria das vezes, de forma fundamentada e amparada em provas concretas a corrupção que campeia os poderes.
Ensina-nos o Mestre Paulo Bonavides: “Vamos nos bater, pois, advogados do Brasil, pela causa da regeneração nacional, por uma democracia participativa, sob as luzes da Constituição, que clareiam com a normatividade dos princípios a estrada da justiça; por uma ordem internacional regida pelo humanismo (...); por um País onde o presente não há de propender ao passado, mas ao futuro, porquanto, na órbita da política exterior, o passado traz o FMI, a ALCA e o Consenso de Washington, ao passo que o futuro trará o Mercosul, a Comunidade Andina e a União Européia; o passado leva à recolonização, o futuro levará à libertação; o passado pertence às Ordenações Filipinas, o futuro pertencerá à Declaração Universal dos Direitos Humanos.”.
Aproveito a oportunidade para desejar boas vindas a todos os advogados e advogadas, magistrados, promotores de justiça, procuradores, delegados de polícia, estudantes, enfim, todos os operadores do direito, que deixaram momentaneamente seus lares e afazeres, tomados pelo desejo de unir forças em benefício da consolidação da cidadania e pela construção de um País mais ético e justo, pois este é o encontro dos intolerantes com a corrupção, dos porta-vozes da indignação, dos indignados, é o encontro dos que alertarão aos despreparados, aos corruptos, aos corruptores, aos omissos, aos opressores, aos demagogos, aos hipócritas, aos coniventes, que tomem cuidado e se preparem, pois se reúnem na Ilha de Santa Catarina, advogados brasileiros, arautos da cidadania, que não permitirão ataques à República e à Democracia, e que com a união demonstrarão o verdadeiro amor à Pátria Brasil. Muito Obrigado”.