Horácio Neto alerta para concorrência desleal contra advogado
Natal (RN), 24/08/2004 - Há uma grande ameaça pairando sobre a advocacia tanto do Brasil quanto de Portugal e outros países: a profissão tem sido objeto de concorrência desleal, desautorizada e ilegal de diversos segmentos e precisa, em conseqüência, tomar uma posição diante desse quadro. A advertência foi lançada hoje (24) pelo membro efetivo da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Horácio Bernardes Neto, responsável por uma das palestras que mais chamou a atenção dos participantes do II Encontro de Advogados Portugueses e Brasileiros, realizado em Natal pela OAB e Ordem dos Advogados de Portugal.
Segundo afirmou Horácio Neto, que é também presidente do Centro de Estudos de Sociedade de Advogados (CESA), a advocacia deve fazer uma reflexão sobre o que pretende para os próximos anos. “O que nós queremos, o que imaginamos?”, indagou ele após o alerta em sua exposição no painel “Horizontes e Limites da Atuação Profissional de Advogados no Brasil e em Portugal”, que dividiu com a vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Portugal, Armênia Coimbra.
Ele observou que há profissões, como contadores e auditores, cujos princípios e formação são diametralmente opostos aos de advogados, dando consultorias jurídicas ou ocupando funções exclusivas dessa profissão. “Minha palestra foi justamente para chamar a atenção dos dirigentes da OAB e da Ordem de Portugal para essa problemática”, explicou o advogado.
A seguir, a íntegra da entrevista do advogado Horácio Bernardes Neto:
P - Qual o principal problema que o senhor vê nos horizontes e limites da atuação do advogado no Brasil e Portugal?
R - Minha palestra foi uma contribuição rápida ao tema. Nela, chamei a atenção dos dirigentes das duas Ordens - OAB e Ordem dos Advogados de Portugal - para uma problemática que ocorre no mundo, que é a grande ameaça que existe ao advogado. Esse profissional hoje, no Brasil, tem sido objeto de uma concorrência desleal, desautorizada e ilegal de diversos segmentos. Hoje em dia, por exemplo, tudo o que se refere à formulação de contratos sociais é feito por contadores. Não são mais feitos por advogados. A parte de planejamento tributário hoje não é mais formulada por advogados, mas por auditores. Ainda não há regulamentação no Brasil com relação à presença ou não do advogado nos processos de arbitragem quando, naturalmente, a lei aplicada foi a brasileira. Por isso falei da necessidade de se repensar a advocacia, de se definir o que a profissão quer hoje e para o futuro.
P - E o que deve ser feito diante desse quadro que o senhor pintou?
R - Tudo isso são questões para as quais não tenho resposta. Não posso dizer se sou favorável, se sou contra esta ou aquela linha. Só acho que a questão deve ser tratada. Eu lancei a discussão para a reflexão.
P - Mas o senhor falou em necessidade de repensar a advocacia.
R - A advocacia deve pensar onde ela quer estar nos próximos anos: o que nós queremos, o que imaginamos para a profissão? Vamos manter a nossa nos limites dos atos do advogado, ou seja, aqueles atos que são reservados para os advogados, que são exclusivos dos advogados. Se for este o caso, vamos definir como a Ordem vai se posicionar para controlar aqueles que agem como advogados, que praticam os atos exclusivos de advogados, sem ter formação exclusiva de advogado.
P - O senhor citou o caso de contadores, mas há outras categorias que invadem a área que deveria ser exclusiva de advogados?.
R - O que sempre digo é que nunca entendi certas questões envolvendo outras profissões, como é o caso dos auditores. Houve uma época em que eles davam consultoria jurídica - e até hoje fazem muita consultoria. Não sei como eles coadunam a ética do auditor - que é exatamente descobrir os problemas da empresa e revelá-los ao mercado - com a ética do advogado - que é exatamente a de receber o problema contado pelo cliente e não transmiti-lo a ninguém, mas representá-lo e orientá-lo em juízo e nos processos.
P - A globalização é uma tendência que influenciou nesse risco vivido hoje pela advocacia?
R - Eu acho, por exemplo, que o problema do sigilo profissional, e mesmo da liberdade do advogado, assim como da liberdade do Judiciário, deve ser muito bem posicionado. O Brasil está tardio nesse processo de globalização da economia no que diz respeito aos serviços jurídicos. Isto nos dá a oportunidade de pegar a experiência dos países que já passaram por isso e ver como nós queremos conduzir a nossa globalização. Pelo que ouvi aqui dos colegas portugueses, o resultado da globalização da profissão em Portugal foi danoso para os interesses da sociedade. A gente tem que lembrar que certas normas para a profissão do advogado - suas prerrogativas, o sigilo profissional, nossa liberdade e tudo isso -, não devem beneficiar o advogado, não foram criadas para benefício do advogado. Elas foram criadas para beneficiar o cidadão, o cliente, e no Brasil são matérias de ordem pública, ou seja, são inegociáveis. Segredo profissional é inegociável, liberdade profissional é inegociável. É nesse sentido que a gente tem que decidir o que quer fazer no futuro. Foram esses os desafios que lancei para voltarmos a conversar sobre eles.