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Carta à jornalista Dora Kramer

segunda-feira, 7 de junho de 2004 às 16h47

Brasília,07/06/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, enviou hoje (07) carta à jornalista Dora Kramer, colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S.Paulo. Eis a carta enviada:

Prezada Dora Kramer

"Leitor cotidiano de seus artigos, surpreendi-me com os conceitos emitidos a respeito de meu discurso na posse do ministro Nélson Jobim, na Presidência do STF. A surpresa não está na crítica em si, direito pelo qual a OAB sempre se bateu, sobretudo em relação à imprensa, em momentos em que isso era bem mais que um gesto retórico.

O que me surpreendeu foi a crítica ter se baseado em uma acusação infundada: a de que teria sido “descortês” e dito “desaforos” ao presidente da República. O que percebo é que a ilustre jornalista não leu o meu discurso e dele tomou conhecimento por terceiros. Desafio-a - e a quem se dispuser - a apontar os “desaforos” ou a transgressão à “linguagem civilizada”.

Engana-se quem imagina que o cerimonial de posse na presidência dos tribunais superiores resume-se a uma protocolar troca de gentilezas e saudações. Isso só ocorre ao tempo das ditaduras. O ritual reúne os três Poderes da República e dá voz aos chamados operadores do Direito: Ministério Público, Magistratura e OAB.

Esta manifesta-se em nome da sociedade civil, por ser, de todos os presentes, a única instituição pública não estatal. E não o faz apenas para cumprir uma etiqueta social, senão para exercer o papel que a sociedade lhe atribui desde sua fundação, há 74 anos, e que justifica sua presença naquele evento.

O Estatuto da OAB, em seu artigo 44, compromete a advocacia não apenas com suas demandas corporativas, mas também e sobretudo com a defesa da Constituição, do Estado democrático de Direito, dos direitos humanos e da boa aplicação das leis. Por isso, a OAB é sempre chamada a opinar (sobretudo pela mídia) sobre a conjuntura política e não apenas em tempo de ditadura.

Surpreende-me que, mesmo considerando que os temas que abordei “estão todos na pauta do debate nacional” e que o presidente da OAB tem “o perfeito direito de discuti-los”, tenha sido criticado por fazê-lo. Quer dizer que somente na ditadura é aceitável exercer a manifestação política? Num regime em que esse direito está em plena vigência não se pode usá-lo? Então, para que reivindicá-lo? E por que a impropriedade daquele momento? Alguém estabelece, por exemplo, o momento e a pessoa ou instituição a que a jornalista Dora Kramer deve dirigir suas avaliações críticas? Por que seria mais legítimo a OAB protestar “até na porta do Palácio da Alvorada” e não de uma tribuna legítima que lhe foi conferida não apenas pelo Poder Público, mas sobretudo pela sociedade civil (com destaque para a imprensa), que lhe atribuiu o prestígio que tem?

Se mencionar a inconstitucionalidade do salário mínimo é “descobrir a pólvora”, fica ainda mais fácil entender o escândalo jurídico que quis mencionar ao abordar a questão. Convivemos com uma inconstitucionalidade histórica e nos habituamos a ela, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não particularizei o salário mínimo do governo Lula, o que seria injusto. Mencionei que se trata de distorção histórica que precisa ser corrigida. Das 20 laudas do meu discurso, ocupado sobretudo por questões jurídicas e judiciárias (convido-a novamente a lê-lo), consumi apenas uma lauda e meia com o tema do salário mínimo.

O destaque diferenciado foi dado pela mídia. Tratei de diversas outras questões de igual relevo, como o uso desmedido das medidas provisórias e a inoperância estrutural do Poder Judiciário, que dificulta a produção de Justiça e estimula a impunidade.

Elogiei também e com ênfase o Governo Lula pela prioridade que deu à reforma do Judiciário e pela sua ação contra a derrama de cursos jurídicos desqualificados. Esses elogios, registrados pelo ministro da Justiça, e que consumiram espaço bem maior em meu discurso que as críticas ao salário mínimo, provocaram, no entanto, menor (ou mesmo nenhum) interesse por parte da mídia e do governo.

Receba estas manifestações como sinal de apreço ao seu trabalho, que acompanho e admiro.

Fraternalmente,

ROBERTO BUSATO
Presidente do Conselho Federal da OAB

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