Artigo: a política despolitizada
Campo Grande (MS), 27/11/2008 - O artigo "A política despolitizada" é de autoria do presidente da OAB de Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Fabio Trad:
"Devendo e podendo ser a mais nobre de todas as atividades humanas, a Política degenera-se e, muitas vezes, expõe a face mais cruel das misérias morais do ser humano.
Basta ver o Brasil de hoje: a política é a fonte mais generosa das páginas policiais. Afinal, o que está acontecendo com a Política?
De fato, a indiscutível mediocridade do diálogo entre os programas partidários aliada a superficialidade da mensagem discursiva da classe política brasileira robustecem a impressão de que a política deixou de ser um ideal, reduzindo-se a uma ocupação semi-profissionalizada cuja atração maior é o status e, eventualmente, a vantagem material.
Incapaz de produzir respostas satisfatórias aos anseios das maiorias e inepta para solucionar as angústias das minorias, a Política está com a imagem manchada perante a população que nela não crê.
A descrença na política é sintoma revelador de grave patologia social, pois ao tempo em que a política se distancia de sua essência para constituir-se em desejo dos pragmáticos e espertos, mais servirá ao utilitarismo rasteiro daqueles que a exercem pensando em si em detrimento do próximo.
A democracia brasileira é uma conquista que precisa ser vigiada com olhos de lince e devoção missionária. Ditadura eficiente e democracia ineficaz não é dilema que se possa levar a sério por quem professa a convicção nos ideais democráticos. No dia em que a maioria deliberar por aceitar a troca do pão pela liberdade, o retrocesso será inevitável e mais uma vez teremos que lutar pelo sagrado direito à liberdade.
Pesquisa publicada pelo jornal Folha de São Paulo há 4 (quatro) anos revela sinais preocupantes não apenas para a classe política, mas para todos aqueles que comungam a fé democrática:
58,1% |
Concordam que o presidente possa ir além das leis |
56,3% |
Crêem que o desenvolvimento econômico seja mais importante que a democracia |
54,7% |
Apoiariam um governo autoritário se resolvesse os problemas econômicos |
43,9% |
Não crêem que a democracia solucione os problemas do país |
40% |
Crêem que possa haver democracia sem partidos |
38,25% |
Crêem que possa haver democracia sem Congresso Nacional |
37,2% |
Concordam que o presidente ponha ordem pela força |
37,2% |
Concordam que o presidente controle os meios de comunicação |
36% |
Concordam que o presidente deixe de lado partidos e congresso |
25,1% |
Não crêem que a democracia seja indispensável para o desenvolvimento |
Dados publicados em: MAIORIA na AL apoiaria ditadura ‘eficiente". Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 abr. 2004. Caderno A p.14. Transcrição na íntegra dos dados recolhidos pelo respectivo jornal do relatório divulgado pelo PNUD/ONU intitulado A democracia na América Latina. Dados disponíveis em: www.pnud.org.br/index
Daí a importância de se propor uma urgente retomada da credibilidade da atividade política como a única autêntica via para o exercício civilizado do Poder.
A política, que deveria recordar o vôo das águias pelo idealismo sobranceiro de quem assume a árdua missão de trabalhar para o coletivo, impressiona pelo sentido contrário, porque à medida em que se distancia dos bons, dos idealistas, dos ingênuos de boa-fé, dos que desconhecem a complicada linguagem do tráfico de favores, dos que ignoram a engenharia das manobras ardilosas e dos frios cálculos das traições com hora marcada, mais e mais, o que era para recordar o vôo das águias, lembra o passo insinuante das raposas.
E neste compasso sincopado, o poder se fecha sobre si mesmo e repele os que o querem para fazer o bem, transformando-se em uma atividade melancólica, vingativa, cruel, triste e radicalmente desinteressante. Não é mera coincidência que a decantada pobreza dos quadros políticos brasileiros se processe justamente no contexto de recrudescimento da crise da própria política.
As saudades que choramos por ideais políticos verberados por Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Otávio Mangabeira, Juscelino Kubitschek, Teotônio Villella e tantos outros que elevaram a política a altitude de verdadeira ciência perderam-se nas brumas do tempo... e o que um dia foram lágrimas de esperança, hoje são lágrimas de desencanto e decepção.
É uma pena!"