Artigo: A Lei Seca e os números
Vitória (ES), 24/07/2008 - O artigo "A Lei Seca e os números" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Espírito Santo, Antonio Augusto Genelhu Junior, e foi publicado na edição de hoje (24) do jornal A Gazeta (ES):
"Não há dados sobre acidentes provocados por pessoas com ingestão mínima de álcool. Por que, portanto, "combatê-las" dessa maneira?
Quando o poder público não consegue implementar políticas preventivas e ações educativas eficazes costuma buscar soluções pífias para os problemas, com ações repressivas duras e isoladas e, muitas vezes, violando direitos e preceitos constitucionais. A recém-aprovada Lei Seca, como vem sendo chamada a legislação que proíbe qualquer ingestão de álcool para motoristas, parece estar incluída no rol dessas normas cujo rigor excessivo viola a constitucionalidade e direitos do cidadão.
Sabemos todos que consumo abusivo de álcool e direção não combinam. São recorrentes em nosso país casos de acidentes, muitos fatais, envolvendo motoristas alcoolizados. Mas para enfrentar o problema deveriam ser adotadas medidas mais sérias e efetivas, em vez de simplesmente vedar por completo a ingestão de álcool aos motoristas.
Da forma como está, a legislação não controla o motorista bêbado que insiste, irresponsavelmente, em dirigir, e para quem o rigor deve existir. Na verdade, as normas acabam por flagrar um pai de família que brindou uma nova promoção no trabalho, ou um jovem que comeu alguns bombons de licor. Isso apenas para citar alguns exemplos absurdos - até cômicos se não fossem sérios - que a lei pode ocasionar.
Ou seja, perdeu-se o foco: em vez de reprimir quem faz ingestão abusiva de álcool e dirige, trata-se todo e qualquer cidadão como um criminoso em potencial. E é preciso lembrar: não há dados sobre acidentes provocados por pessoas com ingestão mínima de álcool. Por que, portanto, "combatê-las" dessa maneira?
Os desavisados podem alegar que a mudança no quadro compensa eventuais erros na legislação e afirmam que, um mês após a vigência das novas normas, os números de acidente diminuíram, como se os índices fossem resultados da tolerância zero implementada. Mas há de se observar que, nesse período, a fiscalização policial foi muito mais intensa e freqüente do que em tempos anteriores. Logo, deve-se considerar que possa ter sido a ação preventiva de fiscalização e de orientação, feita nas blitze policiais, que tenha dado certo, e não propriamente a chamada Lei Seca.
Mas nas blitze surge outro problema: pela legislação brasileira, ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Logo, o que fazer se motoristas se recusarem a soprar o bafômetro? Afinal, esse é um direito constitucional que lhes assiste, e os agentes públicos, entre eles os policiais, não atuam para descumprir a lei, ao contrário, sua função é fazer com que ela seja respeitada. Assim, não podem forçar ninguém a usar o equipamento que comprovaria o uso de bebida, muito embora a recusa possa caracterizar culpabilidade.
São problemas como esses que levam a OAB, inclusive em nível nacional, a discutir a constitucionalidade da nova legislação. No entanto, além dessa discussão sobre o caráter inconstitucional da lei, é preciso fazer outro debate: quais as formas mais eficazes que poderiam ser implementadas para evitar o número de acidentes de trânsito provocados por motoristas alcoolizados? Talvez nas ações de caráter educativo e preventivo possa residir a solução."