Ophir: Pará vive clima de faroeste por omissão do governo
Brasília, 30/11/2007 - O diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente da Seccional da OAB do Pará, Ophir Cavalcante Junior, comparou hoje (30) a situação conturbada vivida por seu Estado, sempre às voltas com denúncias de desrespeito a direitos humanos de toda ordem - a última foi a da adolescente de 15 anos presa com 20 homens em Abaetetuba -, com a época da colonização do Oeste dos Estados Unidos. "O que acontece hoje no Estado do Pará, sobretudo em seu interior, é muito semelhante ao faroeste americano, onde o que impera é a lei da selva", afirma Ophir, apontando como principal responsável por essa situação o governo federal, "que tem sido o grande omisso, que não tem políticas públicas para um Estado de dimensão continental como o Pará".
O dirigente da OAB disse temer que, diante das freqüentes denúncias de desrespeito a direitos humanos, com repercussões inclusive na mídia internacional, cresçam movimentos pela internacionalização da Amazônia e pela redivisão do Estado do Pará. Na opinião dele, para fazer frente a essas pressões e ameaças, o governo brasileiro deve responder de forma articulada e organizada, "e não reagir retoricamente como sempre fez, mas com políticas públicas para assentamento do homem nessa região, para seu desbravamento de uma forma equilibrada e que preserve o meio ambiente".
A seguir, a íntegra da entrevista ao site do diretor tesoureiro do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior:
P - Na sua avaliação, por que é que o Estado do Pará está sempre no noticiário negativo, no noticiário policial País?
R - Não é verdade que o Estado do Pará esteja somente no noticiário negativo; ele também está no noticiário positivo do País. Geralmente, quando aparece no noticiário negativo isso diz respeito à questão de falta de respeito ou desrespeito a direitos humanos. Isso tem acontecido em função, em primeiro lugar, da extensão territorial do Estado do Pará que é muito grande. É um Estado que se for mantida a mesma forma de governar que vem ocorrendo, ele se torna uma estrutura ingovernável, porque a dimensão quase continental do Estado do Pará impede que se possa estar presente em todos os recantos do Estado. Outro aspecto é a falta de políticas públicas voltadas para assentamento dos inúmeros imigrantes que vem para o Estado do Pará, pelas inúmeras oportunidades que ele oferece. Portanto, o Estado do Pará apresenta uma situação geográfica complexa, há uma situação social também complexa, onde temos várias culturas, e isso gera conflito de toda ordem.Eu diria que o Estado do Pará é muito semelhante, sobretudo em seu interior, ao faroeste americano, lembra a época que se estava colonizando o interior dos Estados Unidos. A gente vê muitas situações semelhantes àquela época, justamente por conta da ausência do Estado nessas localidades. Nós temos aqui no Pará um local, por exemplo, um distrito de Altamira, mas que fica distante da sede e se chama Castelo dos Sonhos, cujo acesso só se dá através do avião. Há um destacamento policial de dois ou três soldados e o que impera lá é a lei da selva. Nós temos, portanto, verdadeiros grotões dentro do Estado do Pará que ainda não tiveram a presença do Estado, o que traz a ingovernabilidade de um modo geral e, sobretudo, sujeita o Pará a situações de desmandos como as que são narradas freqüentemente na imprensa, trazendo uma imagem negativa para o próprio Estado.
P- O senhor cita a extensão territorial do Pará como um dos problemas para se governar o estado. Na sua opinião é preciso se dividir o estado do Pará?
R- Se for mantida esse tipo de política onde tudo se concentra na capital do estado, onde o interior do estado é relativizado no ponto de vista político e de prioridades, como se as pessoas do interior do estado não pagassem os mesmos impostos que pagam as pessoas da capital – e olha que eu sou da capital – vai ser intensificado o movimento de redivisão do estado do Pará, o movimento separatista.
P- Diante de tantos fatos negativos o senhor não teme pela intensificação da campanha mundial de internacionalização da Amazônia?
R- A violência que se pratica no estado do Pará, principalmente no interior do estado, em relação a crianças, da irmã Dorothy, não é diferente da que se pratica nos morros do Rio de Janeiro, que se pratica na periferia de São Paulo, que se pratica nas periferias das grandes cidades desse país. Isso é uma questão social nacional. Não podemos deixar que situações como essas, que são situações pontuais em que o estado, sobretudo a União, que tem sido a grande omissa, que tem sido a grande ausente no Pará em termos de políticas públicas. É bom destacar que esse fato não ocorre apenas no governo atual mas,também, ocorreu em governos anteriores. Os governos prometem e não fazem nada em relação ao nosso estado. Isso acaba acendendo a chama pela internacionalização da Amazônia. Precisamos ter uma leitura muito mais ampla, a Amazônia é dos brasileiros e quem deve estabelecer as políticas em relação a floresta é o povo brasileiro. A nossa soberania não pode ficar entregue ao clamor internacional em função desse ou daquele crime envolvendo direitos humanos. Até porque fatos semelhantes ocorrem em todos os lugares do mundo. Cometem-se fatos semelhantes nos Estados Unidos, na Rússia, na África, agora no Irã. Não podemos deixar que esse tipo de discurso prevaleça. O governo brasileiro deve reagir de uma forma efetiva mas não reagir retoricamente. Tem que reagir sobretudo com políticas públicas para o assentamento do homem nessa região, para o desbravamento dessa região de uma forma equilibrada que preserve o meio ambiente.
P- O senhor foi presidente da Seccional da OAB do Pará por dois mandatos consecutivos. Qual é o papel da OAB para melhorar a situação do estado do Pará?
R- A Ordem dos Advogados do Brasil tem um papel histórico na redemocratização deste país. A OAB, com o presidente Cezar Britto à sua frente, continua respeitando a história da Ordem no sentido de tornar efetiva a nossa democracia. A OAB do Pará, por meio de sua presidente Ângela Sales, também está fazendo isso de uma forma efetiva colaborando para que a democracia se efetive. O que significa isso. Significa o respeito à dignidade do ser humano, implica na necessidade de uma redistribuição de renda, isso implica na melhor distribuição de terras nesse estado, implica na fiscalização efetiva do meio ambiente, implica em várias ações que a OAB vem fazendo, seja em colaboração com o setor público, seja em crítica ao poder público estadual ou federal, para que haja uma soma de esforços e alertar a sociedade a respeito de uma série de situações que possam acontecer em relação à Amazônia. Há uma questão que precisar ser denunciada que é em relação à biodiversidade. A questão dos fármacos, as plantas da Amazônia estão sendo roubadas do povo brasileiro para fazer remédio em outros países e o Brasil não ganha um centavo com isso. Portanto, é necessário que o governo brasileiro volte os seus olhos para a Amazônia, volte as suas políticas para a Amazônia. É uma grave falha do governo brasileiro. Dá-se muito mais importância para o aspecto financeiro, para os juros da dívida externa, do que para o próprio cidadão brasileiro. Esse episódio da adolescente que ficou presa junto com vários detentos, bem como os demais casos que também foram denunciados, é o reflexo da inexistência de uma política carcerária no Brasil. Constroem-se presídios e se depositam os presos. Os presídios são verdadeiros depósitos de homens e mulheres. Não se tem política de inserção social. Isso é algo que o governo brasileiro precisa pensar, não apenas lavando as mãos como Pilatos e deixar o problema para os governos locais.