Editorial: A restrição às escutas telefônicas
Brasília, 13/06/2007 - O editorial "A restrição às escutas telefônicas" foi publicado na edição de hoje (13)do jornal "O Estado de S. Paulo":
"Este jornal - nem seria preciso dizê-lo - jamais transigiu na defesa dos direitos individuais inscritos na Constituição e nas leis. Tais franquias o poder estatal não pode desconsiderar mesmo quando, coberto de legitimidade, sai em defesa do interesse e do patrimônio público. Os valores em que se fundamentam os Estados democráticos submetem os seus agentes, em todas as instâncias e esferas, ao desafio de empregar o melhor de seus recursos na salvaguarda da coletividade, sem, para isso, enveredar pelo atalho do descarte dos princípios essenciais da cidadania. Precisamente por ser este um desafio difícil como poucos de ser vencido, a atitude das autoridades diante dele é um dos mais valiosos indicadores de que se dispõe para medir a integridade da democracia em um país.
Coerentemente com essa ordem de idéias, o Estado chamou a atenção, em editorial publicado no dia 24 de maio, para o que entendeu serem “as exorbitâncias da Polícia Federal (PF)”, nas suas sucessivas e vistosas operações de combate à corrupção - com nomes obviamente concebidos para produzir impacto junto à opinião pública. Por exemplo, a pirotecnia das suas razzias, também calculada para gerar eventos de mídia em benefício próprio, “é de todo dispensável, tanto quanto reprovável”, apontou o editorial.
Há muito, efetivamente, que a PF pode e deve fazer, sem prejuízo da eficácia de seu meritório trabalho, para adequar cada vez mais a sua conduta à ordem jurídica - da qual, pela própria natureza de suas funções, toda agência do gênero, em qualquer país, corre o permanente risco de se distanciar.
Nesse sentido, é uma boa notícia a decisão dos federais de preparar um manual para orientar as suas grandes operações, definindo procedimentos de investigação, conforme a natureza de cada caso; fixando parâmetros em relação ao controvertido uso de armas de fogo e algemas no cumprimento de mandados de prisão ou de busca e apreensão; e, por último, mas não menos importante, estabelecendo padrões claros no relacionamento com a imprensa, depois de desencadeadas as operações.
No mínimo discutível, em contrapartida, é a iniciativa do ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem a PF responde, de desengavetar o projeto do antecessor Márcio Thomaz Bastos, que pretende restringir as escutas telefônicas - autorizadas pela Justiça. Elas seriam abreviadas e sujeitas ainda à aprovação do Ministério Público.
Por mais que possa inquietar a amplitude da devassa da privacidade a pretexto de investigar grossos ilícitos quase sempre associados à corrupção - e por imperativo que seja reafirmar a incolumidade do devido processo legal, que se inicia em âmbito policial -, a intenção do ministro parece tão equivocada quanto, no outro extremo, a idéia de conceder autonomia à Polícia Federal. Além de sugerir que juízes agem açodadamente quando atendem aos pedidos dos federais para o grampeamento de suspeitos - o que falta provar -, o pretendido envolvimento do Ministério Público soa como uma aplicação irrefletida do princípio dos freios e contrapesos na ação do Estado. Afinal, o retrospecto não deixa dúvida de que, até em razão do ofício, um procurador tenderá a cooperar com a polícia mais do que um juiz.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto - insuspeito de simpatia com eventuais excessos nos métodos da Polícia Federal e embora favorável à regulamentação da escuta telefônica -, afirma que o Ministério Público não pode ser “avalista do grampo”.
De seu lado, o presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), Walter Nunes, teme que, ao limitar a escuta a 60 dias e apenas a certas investigações, o projeto “comprometa a eficiência da autoridade policial”. E o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço, considera o projeto desnecessário. “O problema não é a escuta. É o vazamento da escuta. Mas isso não requer uma nova lei. Já é crime.” Será injusto, aliás, dizer que só policiais vazam à imprensa trechos de inquéritos sob sigilo de Justiça: advogados também o fazem.
O problema, no fundo, é o vezo brasileiro de criar leis para enfrentar problemas que as leis existentes resolveriam, se aplicadas com o necessário rigor."