OAB denuncia que população está refém da bandidagem
Brasília, 28/11/2004 – De Norte a Sul, dos Estados mais ricos aos mais pobres, a conclusão dos presidentes de Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reunidos neste fim de semana em São Luís (MA), é de que o País parece sucumbir a uma onda de violência sem precedentes em sua história. Se em algumas regiões o crime organizado infiltra-se com relativa facilidade no aparelho do Estado, como denunciaram alguns presidentes, em outras a violência assumiu características desesperadoras. “Voltamos ao tempo de Lampião”, resumiu o presidente da OAB do Rio Grande do Norte, Joanilson de Paula Rêgo.
Em todos os depoimentos colhidos durante a reunião do Colégio de Presidentes de OABs, realizada a cada ano em uma cidade brasileira, os dirigentes concluíram, também, que apesar de algumas iniciativas isoladas, o governo federal pouco está fazendo para mudar esse quadro. “Em vez de uma política de segurança, fazem política com a segurança, usando-a como um trampolim e não para o bem do povo”, denunciou o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Octávio Gomes, referindo-se, sem poupar, aos governos no âmbito federal e estadual. “A violência é um problema crônico da nação brasileira e tem que ser enfrentado com responsabilidade, coragem e determinação pelas autoridades”, disse.
Mesmo em Estados com forte tradição política, como é o caso do Rio Grande do Sul, a violência é tema dominante. “Temos aproximadamente 40 mil mandados de prisão a serem cumpridos porque não temos mais onde colocar apenados, já que o sistema prisional está falido”, afirmou o presidente da Seccional gaúcha, Valmir Batista. “Esperamos que o governo Lula, que veio ao poder com um grande respaldo da população e com legitimidade absoluta, apresente um projeto de segurança pública nacional para que a população brasileira saiba, pelo menos, que há um governo interessado na sua segurança”, disse.
Leia, a seguir, quais as opiniões dos presidentes das Seccionais da OAB sobre o problema da violência em seus Estados:
OAB de Alagoas, Everaldo Patriota (vice-presidente) – “A violência em Alagoas não destoa da violência do resto do País, salvo alguns contextos como o do Rio de Janeiro, mas ela tem uma matriz social muito grande porque, em Alagoas, temos um dos piores modelos de concentração de renda do Brasil. Então, temos a concentração da terra e a concentração do PIB quase toda no setor agroindustrial do açúcar e do álcool e temos vários jovens com curso superior falando duas, três línguas e que não conseguem um emprego de R$ 500,00. É uma realidade muito grave, gritante do ponto de vista de ordem social”.
OAB do Amazonas, Alberto Simonetti (presidente) – “Nesta semana, o governador nomeou um delegado aposentado da Polícia Federal o novo secretário de Segurança. É um homem que conhecemos pela sua tradição de competência e de seriedade. Também nomeou uma equipe composta de profissionais do Amazonas, principalmente no que diz respeito a um bom serviço de inteligência. Eles estão sendo treinados agora. Todos nós estamos colocando fé no novo secretário de Segurança, temos certeza de que ele fará um bom trabalho”.
OAB da Bahia, Dinailton Oliveira (presidente) – “A violência tem aumentado na Bahia exatamente porque tem aumentado a miséria. Aumentando a miséria, a violência cresce de forma contundente. Hoje, o Estado não oferece a mínima segurança porque não investe no social. Infelizmente, o Estado é hoje um dos grandes patrocinadores da miséria em que a grande maioria do povo vive”.
OAB do Ceará, Hélio Leitão (presidente) – “A violência é um problema crônico no nosso Estado e o Ceará é a síntese das contradições nacionais. Lá, nós temos uma das maiores concentrações de renda do país e todos sabemos que a matriz, o grande fator gerador de criminalidade, ainda é o drama social, a desesperança, a angústia social. Em contrapartida, apesar de termos um Estado desorganizado, nós temos uma criminalidade organizada. O Estado está esfacelado, o aparelho repressivo não tem nenhuma eficiência e a criminalidade no Ceará se organiza e se sofistica a cada momento. De modo que a violência é, sim, um problema crônico no nosso Estado”.
OAB do Distrito Federal, Estefânia Viveiros (presidente) – “Inicialmente, é preciso reconhecer que o quadro de violência no Brasil não será mudado da noite para o dia. É um empreendimento de toda uma geração. Precisamos buscar, ir fundo às raízes da violência, tentar interpretar as razões de seu crescimento. Temos de olhar, com particular atenção, para a juventude, principalmente para os jovens entre 18 e 25 anos, que se desviam de seu natural caminho de crescimento profissional. É necessário dar um basta à escalada da violência, sob pena de vermos o nosso País enveredar pela trilha da guerrilha urbana, como já está acontecendo em algumas cidades e assistimos quase que diariamente pela televisão. Para isso, precisamos acabar com o Estado delinqüencial que se sobrepõe ao Estado de direito, ao Estado constituído.”
OAB do Espírito Santo, Agesandro da Costa Pereira (presidente) – “A violência no Espírito Santo é marcada, sobretudo, pela atuação do crime organizado e está longe de ser contida. Na verdade, a reação do povo capixaba mudou a atividade, afastou aqueles bandidos do governo e da influência do governo. Mas eles estão vivos e estão ativos. Prova disso foram os atos de vandalismo que praticaram recentemente no Espírito Santo, com afronta às instituições e à coletividade, num atentado à paz”.
OAB de Goiás, Miguel Cançado (presidente) – “A violência preocupa muito, tanto é que a OAB de Goiás está envolvida na Campanha de Desarmamento. Temos tido episódios graves na capital do Estado, Goiânia. Ainda esta semana, em Goianésia, no interior, um advogado foi brutalmente assassinado. Há quinze dias, um advogado foi morto durante um assalto no centro de Goiânia. A violência é uma chaga que nos preocupa e temos cobrado providências das autoridades de Segurança Pública do Estado de Goiás”.
OAB do Maranhão, José Caldas Góis (presidente) – “O Maranhão é violento, mas em comparação com os Estados de São Paulo e Rio, estamos ainda dentro do padrão de tolerabilidade. Eu acredito que uma ação social mais forte deva ser deflagrada pelo governo e também pela população. É evidentemente que a segurança pública e ação da Justiça são necessárias, mas é urgente uma ação social e política no sentido de combater a pobreza. Isso porque o Maranhão é um dos Estados mais pobres da Federação. O povo está desempregado e sem esperança, o que contribui para o aumento da violência”.
OAB de Mato Grosso, Francisco Faiad (presidente) – “Vemos o problema da violência com muita gravidade. A capital de Mato Grosso, Cuiabá, é a terceira capital mais violenta do Brasil em termos proporcionais, perdendo apenas para o Recife e Vitória. Isso mostra que, de uma cidade pacata, pequena e com aproximadamente 800 mil habitantes, Cuiabá se tornou uma cidade violenta, onde há graves distorções econômicas e grande exclusão social. Isso é o que faz, inclusive, com que a violência aumente”.
OAB de Mato Grosso do Sul, Geraldo Escobar (presidente) – “A violência preocupa porque o Brasil vem crescendo muito, a população vem aumentando em todos os níveis. Com o pouco investimento social que vem ocorrendo, em todos os locais de grande crescimento ocorre a violência. A nossa política no Mato Grosso do Sul tem apresentado um bom desempenho. Lá, nós temos visto que há, por parte do Estado, um certo investimento. A Polícia vem ampliando o número de policiais, mas, mesmo assim, temos registrado crimes que têm deixado a população preocupada. São casos de seqüestro, que começam a acontecer, assaltos, assassinatos, enfim, todos os problemas que existem nos grandes centros, Campo Grande também já tem”.
OAB de Minas Gerais, Raimundo Cândido Júnior (presidente) – “A violência em Minas Gerais é grande, preocupa muito e, se não forem tomadas ações concretas contra ela, está próxima de se transformar em uma São Paulo, em um Rio de Janeiro. Tem que haver investimentos consistentes na política de segurança, embora o meu discurso seja um pouco diferente. Eu acredito que nós temos que procurar eliminar as causas dessa violência e, para isso, tem-se que eliminar a desigualdade social. Oitenta por cento da criminalidade são ligados à questão patrimonial, crimes cometidos por pessoas que querem ter alguma coisa e furtam, traficam drogas. Então, se não houver uma ação efetiva na área social, para melhor distribuir a riqueza, nós vamos passar a vida inteira questionando o aumento da violência”.
OAB do Pará, Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior (presidente) – “O Pará tem problemas urbanos e rurais muito grandes. As áreas que a União detém no Estado até hoje não foram estruturadas, o que tem proporcionado uma insegurança muito grande para todos. O Estado se diz dono de algumas terras e a União se diz dona de outras, o que causa um inconveniente já que não é possível fazer assentamentos e nem mexer nessas áreas. Com isso, o Incra está paralisado no Pará e é por isso que temos pedido uma atenção maior para essa questão. O grande motivo de conflito no Estado do Pará é a terra e as terras não têm sido bem distribuídas porque o governo não tem proporcionado essa distribuição como deveria fazer”.
OAB da Paraíba, Harrison Targino (vice-presidente) - “A violência na Paraíba é muito preocupante. Há uma angústia nacional em torno do problema da violência e o Estado da Paraíba lamentavelmente se enquadra nessa angústia. O desejo de todos é de que possamos trabalhar a sociedade, entidades sociais, governo, enfim, todos na busca de uma cultura de paz, minimização dos efeitos da violência para a busca da construção de um tempo novo”.
OAB do Paraná, José Tadeu Saliba (vice-presidente) – “O Paraná nunca teve índices de violência como vem tendo há algum tempo e eu tenho a impressão que essa é uma tendência que acompanha o Brasil. O Paraná, hoje, é um Estado em que as pessoas não saem mais às ruas tranqüilas. Têm medo de ser assaltadas, de sofrer ferimentos a faca e a bala. Em Curitiba, agora a moda é o assalto a Rolex, a relógios caros. No interior, que sempre foi tranqüilo, onde as famílias passeavam nas ruas, não é mais possível fazer isso porque o banditismo é tremendo. O governador tem anunciado que vai atuar de forma mais firme, mas eu vejo que quem mais se preocupa com o combate à violência não é o governo e sim a sociedade, os órgãos privados, as associações. Vejo, por exemplo, como a OAB está preocupada com o problema da violência. Nós estamos vivendo uma crise seríssima no que concerne à segurança, pois a violência tem dominado completamente”.
OAB de Pernambuco, Júlio Alcino de Oliveira Neto (presidente) – “As estatísticas têm mostrado que, infelizmente, Pernambuco é líder na questão da violência. Agora, além da violência à sociedade, e aí eu cito as minorias, os leigos, os menores, as mulheres, temos agora um novo fato marcante lá, que é a violência ao advogado. O conselheiro federal da OAB, Aluisio Xavier, teve, recentemente, o escritório metralhado com mais de 28 tiros. Essa semana tivemos um advogado morto no exercício profissional, quando se dirigia ao Fórum. Então, a violência é um fator marcante e reflete exatamente um quadro de desigualdades sociais, de falta de esperanças e também a impunidade”.
OAB do Piauí, Álvaro Mota (presidente) – “A violência tem crescido com certa intensidade no Piauí e, na minha avaliação, já virou questão de calamidade pública. Tem virado uma endemia porque tem consumido os recursos públicos da saúde, tempo e trabalho de outros setores. As estatísticas revelam o surgimento de novos tipos de crimes no Estado, como o seqüestro, que não tínhamos, furto a mão armada e falta de segurança nos estabelecimentos comerciais. Há uma deficiência grande no aparato policial, nas estruturas físicas das delegacias e uma ausência do poder público no combate à criminalidade. O que eu vejo com maior preocupação é que a violência tem que ser tratada na causa e não no efeito. O momento que estamos vivendo reflete a ausência de políticas públicas no passado. Então, há a necessidade de termos políticas públicas melhores voltadas para a segurança”.
OAB do Rio de Janeiro, Octávio Gomes (presidente) – “A violência não é um privilégio do Rio de Janeiro. Hoje, devido à incompetência das nossas autoridades, e aí vai uma responsabilidade muito grande por parte do governo federal, a violência tomou conta da nação. O crime organizado tem tentado entrar em todos os Estados e praticamente todos eles, inclusive o Distrito Federal, sofrem com a violência. Isso porque, infelizmente, não temos uma política eficiente de segurança pública, com um trabalho de inteligência integrado dos governos e órgãos de segurança. Fala-se muito, mas os governos não fazem nada, não se entendem e não se sentam à mesa. Em vez de uma política de segurança, fazem política com a segurança, usando-a como um trampolim e não para o bem do povo. Nós já somos reféns da bandidagem. Do jeito que a coisa está indo, vamos ficar aprisionados nas nossas casas. Eu não estou sendo cético e nem alarmante, é a realidade. A violência hoje é um problema crônico da nação brasileira e tem que ser enfrentado com responsabilidade, coragem e determinação pelas autoridades. O governo federal tem que se entender com os governos estaduais e estes com os municipais, buscando uma integração. Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Ministério Público, o Judiciário e o sistema penitenciário também têm que trabalhar em harmonia".
OAB do Rio Grande do Norte, Joanilson de Paula Rêgo (presidente) – “O Rio Grande do Norte é um Estado violento como um todo. Natal é uma cidade linda, mas que tem sido prejudicada. Me faz lembrar do tempo de Lampião no Nordeste, acho que não exagero. Ou a sociedade e o governo tomam de novo aquela posição de, de fuzil na mão, defender a cidade e o Estado, isso de uma maneira figurada, de uma maneira simbólica, ou a violência tomará proporções, quase, de uma guerra civil”.
OAB do Rio Grande do Sul, Valmir Batista (presidente) – “O Rio Grande do Sul vive um dos piores momentos em termos de criminalidade. O Estado tem, aproximadamente, 40 mil mandados de prisão a serem cumpridos porque não temos mais onde colocar apenados, já que o sistema prisional está falido. Não há recursos e nenhum tipo de atitude da União no sentido de auxiliar os Estados a levar melhores condições sociais e, com isso, ir reduzindo a criminalidade. É fundamental a presença e a ação do Estado para reduzir essa criminalidade. As pessoas andam com medo, não saem mais às ruas à noite e o centro da cidade está, como em todas as grandes capitais, dominado pelos criminosos. Nós esperamos que o governo Lula, que veio ao poder com um grande respaldo da população e com legitimidade absoluta, apresente um projeto de segurança pública nacional para que a população brasileira saiba, pelo menos, que há um governo interessado na sua segurança”.
OAB de Rondônia, Orestes Muniz Filho (presidente) – "Nós estamos muito preocupados com essa questão, tanto que, em Rondônia, a OAB lançou um fórum permanente de combate à violência e pela paz. Esse fórum não tem o objetivo de discutir as questões doutrinárias, as origens da violência. O objetivo é exigir das autoridades o cumprimento da Constituição Federal, quando ela declara que é dever do poder público proporcionar segurança aos cidadãos. Então, nós temos reunido as entidades representativas da sociedade civil, Conselhos Regionais de Medicina, de Odontologia, de Contabilidade, a Comissão de Justiça e Paz, sindicatos e centrais de trabalhadores no desenvolvimento desse trabalho. No próximo dia 10, faremos uma grande passeata nas principais ruas de Porto Velho para colocar o nosso posicionamento contra a violência e exigir que as autoridades encarem a questão da segurança com prioridade”.
OAB de Roraima, Antonio Oneildo Ferreira (presidente) – “A questão da violência e do combate à corrupção em Roraima tem sido uma experiência diferente. Tivemos, inicialmente, uma operação rastreamento com relação à corrupção eleitoral, inclusive alguns políticos foram cassados por abuso de poder econômico. Já quanto à violência, é necessário implementar um plano mais eficiente no tocante à segurança pública. Não basta ficar só no discurso de desarmar o cidadão, o problema não é o cidadão. Temos sim é que ir a fundo e examinar os reais motivos da criminalidade no país. O problema é a concentração de renda, a questão da exclusão social? Eu acho que o importante é a implementação de políticas sociais, de saúde, educação, trabalho, com foco na inclusão social. Aí sim eu acredito que, no médio prazo, conseguiremos rever essa situação”.
OAB de Santa Catarina, Adriano Zanotto (presidente) – “A violência em Santa Catarina é algo que preocupa muito, como tem ocorrido em todo o País. A ilha de Florianópolis pode, proporcionalmente, quase ser comparada com o Rio de Janeiro devido a balas perdidas e seqüestros relâmpagos. Quanto a isso, nós estamos empenhados, juntamente com o governo do Estado e a Secretaria de Segurança, a dar toda a contribuição necessária para minimizar esse quadro”.
OAB de Sergipe, Henri Clay Andrade (presidente) – “Sergipe não é violento se comparado com outros Estados, mas, proporcionalmente, sim. Nós temos em Sergipe um povo pacato, mas em decorrência do fluxo de marginais, da falta aparelhamento da Secretaria de Segurança, da ausência de treinamento para os policiais e da baixa remuneração, tem se propiciado um paulatino avanço da violência urbana também em Sergipe”.
OAB de Tocantins, Luciano Ayres (presidente) – “A violência existe em todo lugar e no Tocantins não é diferente, embora lá ela ainda esteja em menor proporção. Eu acredito que deve haver uma conscientização generalizada de que o problema, para ser enfrentado, não tem que partir só de uma ação do governo. Tem que haver o envolvimento de toda a sociedade, sobretudo da sociedade civil organizada para que, por meio desse esforço conjunto, exista algum tipo de solução para conter a criminalidade”.