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A Insustentável Leveza da Democracia

5 de outubro de 2011 - LUIZ VIANA QUEIROZ



 

A insustentável leveza da democracia

 

O Colégio de Presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reunido em São Luís, no Maranhão, nesta última sexta-feira (23), deliberou orientar o Conselho Federal a rejeitar a proposta de plebiscito para consultar a classe sobre eleições diretas para presidente nacional da OAB.

 

Seja porque se trata de órgão político interno da mais alta significação para todos que, como eu, militam na OAB, integrado por alguns de nossos mais respeitáveis advogados, entre os quais muitos que são para mim especialmente importantes do ponto de vista pessoal, como é o caso de meu líder e presidente da Bahia, Saul Quadros, seja pelo quorum qualificado (só Minas Gerais votou pelo plebiscito), é preciso refletir sobre aquela decisão, buscando entender a profundidade de sua significação, bem como propor alternativas para a continuidade do debate sobre as diretas já.

 

O fundamento da opção política do Colégio de Presidentes estaria, nas palavras do querido presidente de Alagoas, Omar Coelho, coordenador daquele colegiado, na grandiosidade da Ordem e na soberania do Conselho Federal, que já deliberou e rejeitou a proposta de eleições diretas, não havendo razão para voltar ao tema já decidido.

 

Penso que os presidentes de nossas seccionais estão parcialmente certos, já que a grandiosidade da Ordem se construiu sob o modelo da eleição indireta para presidente nacional. Imagino que seria efetivamente muito difícil a opção por outro modo de escolha de nosso dirigente máximo, quando aqueles que decidiram sofrem o peso da responsabilidade de dirigir a instituição em cada um de seus estados e no Distrito Federal. Uma posição política conservadora pode nem sempre agradar, mas evita turbulências desnecessárias. Se estivesse lá talvez votasse da mesma forma.

 

Recebi o recado que nossos presidentes nos deram, a mim e a todos nós que abraçamos o Movimento Quero Votar – Diretas Já na OAB, e sobre aquela lição refleti com humildade.

 

De minha parte, talvez porque não sofra o peso da responsabilidade de dirigir a instituição, já que sou apenas Conselheiro Federal, prefiro o compromisso com a insustentável leveza da democracia.

 

A proposta de eleições diretas representa uma quebra de paradigma e por isso é natural e compreensível que sofra forte resistência, inclusive por legítimos democratas, mas, da maneira como vejo o processo político, ela é inexorável, e basta dar tempo ao tempo, mostrando a nossos irmãos que dirigem a OAB a força transformadora dessa ideia.

 

A democracia representativa está em crise no mundo todo. O brado de Stéphane Hessel - indignez-vous! - tem sido ouvido por toda a Europa ocidental. Os jovens franceses e espanhóis, por exemplo, acudiram ao chamado e encheram praças e ruas nos últimos meses. A primavera árabe que está se espalhando pela África e Oriente Médio é a insurgência cívica contra modelos formais de representação que se esgotaram.

 

No Brasil não é diferente. Vemos todos os dias reclamos contra deputados e senadores que uma vez eleitos viram as costas para seus eleitores. Não foi outra a razão pela qual o Conselho Federal da OAB passou a integrar o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral e, em 2010, apoiou abaixo assinado com mais de 1,5 milhão de assinaturas de projeto de iniciativa popular que se converteu rapidamente na Lei da Ficha Limpa, em épica demonstração de democracia participativa. Sem o brado das ruas a ficha continuaria suja!

 

No caso da OAB, neste momento, o debate sobre o plebiscito proposto deveria enfrentar a discussão sobre representatividade, legitimidade democrática e crise da democracia representativa. Não basta indignar-se com o país e deixar a OAB ser levada pela mesma corrente de desilusão e conservadorismo. É preciso agir e mudar para melhor!

 

O Conselho Federal da OAB é soberano, e legítimas são suas deliberações, mas talvez tenha chegado a hora de buscarmos ampliar sua legitimidade democrática, consultando a classe em matérias fundamentais. Os representantes de advogadas e advogados têm o dever político de estar sintonizados com seus representados.

 

A proposta de plebiscito que o Conselho Federal vai ainda decidir aponta para uma dentre várias formas de democracia participativa, ampliando a legitimidade da decisão a ser tomada. Negar o plebiscito não é o mesmo que rejeitar as diretas já, pois significa rejeitar a soberania da classe e o dever político do Conselho estar com ela sintonizado. Não é demais lembrar que acima do Conselho Federal sempre esteve na história da OAB a Assembleia Geral de Advogados.

 

Apesar do atual Estatuto da Advocacia e da OAB não mencionar expressamente a Assembleia Geral, ela está implícita na medida em que é chamada para eleger todos os representantes da Ordem, e resulta forte de uma tradição de mais de 80 anos! Acima do Conselho Federal está o conjunto de advogadas e advogados de todo o país – simples assim! A proposta de plebiscito é a modesta defesa do reconhecimento da soberania da classe e do dever político de consultá-la em matéria estruturante.

 

Se democracia é regime político difícil, democracia participativa é mais difícil ainda, porque exige debate público, participação de todos e convencimento majoritário da proposta vencedora.

 

Tenho a convicção de que advogadas e advogados nunca temeram dificuldades, porque a advocacia nos faz preparados para o embate de idéias e a contraposição leal de entendimentos.

 

Malgrado as dificuldades decorrentes de minhas falhas para conseguir convencer amigos e colegas que integram o Colégio de Presidentes, a bandeira do plebiscito pelas Diretas Já é fácil de carregar porque tem a leveza das grandes aspirações democráticas com as quais a OAB sempre esteve sintonizada.

 

 

Luiz Viana Queiroz

Conselheiro Federal da OAB

 

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