OAB: Adin contra vantagens que Estado concede a comissionados
Brasília, 07/05/2007 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou hoje (07) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 3893, contra dispositivos das leis estaduais de Sergipe n° 3617/95 e 3763/96. Elas estabelecem que o tempo de serviço exercido em cargo em comissão ou função de confiança por pessoas não-vinculadas à administração pública será computado para efeitos de incorporação de vantagem pessoal se, posteriormente, a pessoa comissionada “addquirir a titularidade de cargo efetivo em qualquer das esferas administrativas”.
Para o presidente Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, que apresentou a Adin por proposição da Seccional da OAB de Sergipe, o disposto nas leis sergipanas nesse caso é inteiramente inconstitucional. “A previsão normativa de incorporação e vantagem pessoal em razão de cargo em comissão ou função de confiança exercidos antes de deter o servidor cargo efetivo afronta o princípio da igualdade, da impessoalidade e da moralidade”, sustenta a ação da OAB, que tem pedido de liminar.
Para destacar aberração contida nas duas leis contestatas junto ao STF, o texto da Adin cita o exemplo de uma pessoa que, sem qualquer vínculo efetivo, tenha passado um período de dez anos exercendo cargo em comissão, pelo qual recebia uma polpuda remuneração. “Ao ser aprovado, por hipótese, em concurso público para o cargo de agente administrativo, de remuneração equivalente a R$ 380,00, e entrar em exercício nesse cargo sem qualquer interrupção em relação ao exercício do cargo em comissão, ela já inmcorporará à remuneração do cargo de agente administrativo, imediatamente, a integralidade do valor recebido pelo cargo em comissão durante os dez anos anteriores”, observa.
A seguir, a íntegra da Adin ajuizada pela OAB contra dispositivos das leis sergipanas 3617 e 3763, de 1996:
"EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, por meio de seu Presidente (doc. 01), vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, ajuizar
ação direta de inconstitucionalidade,
com pedido de liminar,
contra o parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617, de 02 de junho de 1995 (doc. 02), bem como contra o artigo 1º da Lei sergipana 3.763, de 16 de junho de 1996, na parte em que conferiu nova redação ao parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617 (doc. 03).
Os preceitos impugnados, tanto na dicção da Lei sergipana 3617, como na dicção da Lei sergipana 3763, estabelecem, em síntese, que o tempo de serviço exercido em cargo em comissão ou função de confiança por pessoas não vinculadas à administração pública será computado para efeitos de incorporação de vantagem pessoal, se, posteriormente, “essa pessoa adquirir a titularidade de cargo efetivo em qualquer das esferas administrativas” do Estado. Verbis:
LEI Nº 3.617
DE 02 DE JUNHO DE 1995
Fixa critérios e condições para incorporação da vantagem pessoal de que trata o art. 200 da Lei Complementar n§ 16, de 28 de dezembro de 1994.
“Art. 1º - A incorporação, à remuneração do servidor estatutário, da vantagem pessoal de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994, dar-se-á se atendidos os seguintes critérios e condições:
I - Após a data de início da vigência da Lei Complementar nº 16/94, o servidor que vier a completar os 5 (cinco) anos de exercício ininterrupto de cargo em comissão e, ou, função de confiança, fará jus a incorporação da respectiva parcela inicial da vantagem pessoal de que trata o art. 200 da mesma Lei Complementar;
II - Os períodos mínimos de 1 (um) ano ininterrupto para efeito de incorporação das demais parcelas da vantagem pessoal de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16/94 não serão necessariamente contínuos ao período aquisitivo inicial de 5 (cinco) anos ou a cada período anterior entre os mesmos períodos mínimos;
III - O servidor que tenha exercido cargo em comissão e, ou, função de confiança anteriormente à Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994, somente fará jus à incorporação da vantagem pessoal de que trata o seu art. 200 se estava no efetivo exercício de cargo em comissão ou função de confiança na data de início da vigência da referida Lei Complementar;
IV - Somente será considerado, para efeito da incorporação da vantagem pessoal, a que se refere o inciso III deste "caput" de artigo, o tempo anterior de cargo em comissão e, ou, função de confiança que tenha sido exercida ininterruptamente até a referida data de início da vigência da Lei Complementar nº 16/94;
V - Apenas o exercício de cargo em comissão e, ou, função de confiança da Pública administração Direta, Autárquica ou Fundacional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Estado de Sergipe será considerado para efeito da incorporação da vantagem pessoal prevista neste artigo, ressalvado o disposto no art. 2º desta Lei.
§ 1º - Atendidos os pressupostos dos incisos do "caput" deste artigo, a incorporação dar-se-á a razão de 1/5 (um quinto) pelo período ininterrupto de 5 (cinco) anos e por cada ano que exceder esse período, no exercício de cargo em comissão e, ou, função de confiança, até‚ o limite de 5/5 (cinco quintos), na forma do art. 200 e seu § 1º da Lei Complementar nº 16/94.
§ 2º - O tempo de exercício de cargo em comissão e, ou, função de confiança por pessoa não vinculada à administração Direta, Autarquias ou Fundações Públicas, será computado para os efeitos de incorporação da vantagem pessoal de que trata o "caput" deste artigo, se, posteriormente, sem interrupção do exercício do cargo em comissão e, ou, função de confiança, necessário para obtenção do período inicial de carência de 5 (cinco) anos, essa pessoa adquirir a titularidade de cargo efetivo em qualquer das esferas administrativas a que se refere o inciso V do "caput" deste artigo.
Art. 2º - O tempo de exercício em cargo em comissão de Diretor-Presidente ou demais Diretores membros de Diretoria Executiva de Sociedade de Economia Mista ou Empresa Pública, integrante da administração Indireta do Estado de Sergipe, será computado para os efeitos do art. 1º desta Lei.
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 29 de dezembro de 1994.
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.”
LEI Nº 3.763
DE 16 DE JULHO DE 1996
Altera, em decorrência da Lei Complementar nº 19/95, a Lei nº 3.617/95 que regula a incorporação da vantagem de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994.
“Art. 1º. O artigo 1º da Lei nº 3.617, de 02 de junho de 1995, que fixa critérios e condições para incorporação da vantagem de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 1º. A incorporação da vantagem de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994, à remuneração do servidor estatutário, dar-se-á se atendidos os seguintes critérios e condições:
I - Após a data de início da vigência da Lei Complementar nº 16/94, o servidor que vier a completar os 05 (cinco) anos de exercício ininterrupto de cargo em comissão e, ou, função de confiança, fará jus a incorporação da respectiva parcela inicial da vantagem de que trata o art. 200 da mesma Lei Complementar;
II - Os períodos mínimos de 1 (um) ano ininterrupto, para efeito de incorporação das demais parcelas da vantagem de que trata o art. 200 da Lei Complementar nº 16/94, não serão necessariamente contínuos ao período aquisitivo inicial de 5 (cinco) anos ou a cada período anterior entre os mesmos períodos mínimos;
III - O servidor que tenha exercido cargo em comissão e, ou, função de confiança anteriormente à Lei Complementar nº 16, de 28 de dezembro de 1994, somente fará jus à incorporação da vantagem de que trata o seu art. 200 se estava no efetivo exercício do cargo em comissão ou função de confiança até 30 (trinta) dias antes da data de início da vigência da referida Lei Complementar;
IV - Somente será considerado, para efeito da incorporação da vantagem a que se refere este artigo, o tempo anterior de cargo em comissão e, ou, função de confiança que tenham sido exercidos ininterruptamente até a referida data em que o servidor se encontrava no cargo ou função, conforme exigido no inciso III deste "caput" de artigo;
V - Apenas o exercício de cargo em comissão e, ou, função de confiança da Pública Administração Direta, Autárquica ou Fundacional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Estado de Sergipe será considerado para efeito da incorporação da vantagem prevista neste artigo, ressalvado o disposto no art. 2º desta Lei.
§ 1º ...
§ 2º. O tempo de exercício de cargo em comissão e, ou, função de confiança por pessoa não vinculada à Administração Direta, Autarquias ou Fundações Públicas, será computado para os efeitos de incorporação da vantagem de que trata o "caput" deste artigo, se, posteriormente, sem interrupção do exercício do cargo em comissão e, ou, função de confiança, necessário para obtenção do período inicial de carência de 5 (cinco) anos, essa pessoa adquirir a titularidade de cargo efetivo em qualquer das esferas administrativas a que se refere o inciso V do "caput" deste artigo.’
Art. 2º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário.”
A previsão normativa de incorporação de vantagem pessoal em razão de cargo em comissão ou função de confiança exercidos antes de deter o servidor cargo efetivo afronta o princípio da igualdade, da impessoalidade e da moralidade. Vulnera ainda o artigo 37, V, da CF.
Assim, por exemplo, uma pessoa que, sem qualquer vínculo efetivo, tenha passado um período de 10 (dez) anos exercendo cargo em comissão, pelo qual recebia uma polpuda remuneração. Ao ser aprovado, por hipótese, em concurso público para cargo de agente administrativo, de remuneração prevista como sendo equivalente a R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), e entrar em exercício nesse cargo sem qualquer interrupção em relação ao exercício do cargo em comissão, já incorporará à remuneração do seu cargo de agente administrativo, imediatamente, a integralidade do valor recebido pelo cargo em comissão durante os 10 (dez) anos anteriores, mesmo que, agora, como agente administrativo, não mais esteja exercendo o cargo em comissão.
É dizer: esse ex-desvinculado do serviço público, agora titular de cargo de provimento efetivo, terá um privilégio que lhe garantirá um desenvolvimento totalmente atípico na carreira do cargo efetivo para o qual prestou concurso público; enquanto os demais aprovados no mesmo concurso deverão fazer jus à remuneração prevista legalmente para o seu cargo, e progredir na carreira de acordo com o que prevê o estatuto regularmentador dessa carreira, aquele outro, pelo fato de que exerceu, sem qualquer vínculo efetivo, cargo em comissão por 10 (dez) anos anteriores, já inicia na nova carreira com uma remuneração incorporada que, quem sabe, nem sequer em fim de carreira no seu novo cargo poderia obter!
Desse modo, a legislação em comento permite praticamente que um vínculo precário como é o do cargo em comissão – tratado como excepcional pelo art. 37, inciso II, parte final, da Constituição Federal (a regra é o provimento efetivo, mediante aprovação em concurso público) – possa se perpetuar no tempo, produzindo efeitos jurídicos privilegiados de uma situação pessoal que só poucos têm (aqueles que são livremente nomeados para o exercício de cargo em comissão, não se submetendo ao concurso público), bem como efeitos jurídicos danosos ao patrimônio público e ao erário.
Ressalta-se, ainda, que tais pessoas, após incorporação do valor de seu cargo em comissão à remuneração do novo cargo efetivo, farão jus à aposentadoria custeada pelo regime de previdência dos servidores públicos (tesouro estadual, portanto), tomando por base a remuneração do cargo em comissão, muito embora, durante o período em que exerceu o cargo em comissão, suas contribuições foram efetuadas para o INSS, por força do que dispõe o art. 40, § 13º da Carta Magna, com redação que lhe foi conferido pela emenda constitucional nº 20/98.
Portanto, o princípio da igualdade é afrontado, porque pessoas aprovadas no mesmo concurso público para cargos efetivos iguais terão, acaso uma delas já tenha detido cargo em comissão, remunerações diferenciadas. Há, desse modo, intolerável quebra da isonomia e, na realidade, também, do princípio da impessoalidade, na medida em que o servidor que já tiver detido cargo em comissão em razão de sua especial vinculação com a administração pública acabará beneficiado mais uma vez; num primeiro momento é beneficiado por já ter exercido cargo em comissão sem a realização de prévio concurso público; num segundo momento é beneficiado por perceber, após a aprovação em concurso público, maiores vencimentos que aqueles outros que antes não foram detentores de cargos em comissão. Sem dúvida alguma, há, pelas mesmas razões, atentado ao princípio da moralidade pública. A incorporação de cargo em comissão ou função tem como razão de ser o entendimento da administração pública de que quem exerce um cargo por muitos anos e, em razão desse exercício acaba por receber maiores vencimentos, não deve, caso venha a perder o cargo de confiança ou função, ter sensível diminuição remuneratória. Ora, o benefício, como concedido pelas normas impugnadas, em verdade, não tem tal escopo. Configura-se, simplesmente, como um aumento de remuneração para alguns beneficiados. Fratura-se, assim, a isonomia remuneratória sem qualquer justificativa plausível, atentando contra o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Resta também agredido pelas normas impugnadas o artigo 37, V, da CF. Com efeito, prescreve tal comando constitucional que as funções de confiança são exercidas exclusivamente “por servidores ocupantes de cargos efetivos”. Quando as prescrições legais impugnadas nessa ação direta de inconstitucionalidade permitem a incorporação de função por aqueles que não eram titulares de cargos efetivos, está a permitir que haja o exercício da função comissionada por quem não detém cargo em comissão, em completo desacordo com o que foi estabelecido no artigo 37, V da Lei Fundamental. Daí, acaso não se julgue inconstitucional, na íntegra, o § 2º do artigo 1º da Lei sergipana 3617, de 02 de junho de 1995, na anterior dicção legal e na atual, deverá ser julgada a ação parcialmente procedente, para o fim de se excluir da possibilidade de incorporação fustigada aquela (incorporação) relativa a função de confiança, deixando ainda a Corte consignado, em interpretação conforme, que não se faz possível o exercício de função de confiança por quem não é titular de cargo efetivo.
Liminar
Impõe-se a concessão de medida liminar para o fim de se afastar do ordenamento jurídico os preceitos legais atacados. Com efeito, a cada dia servidores que não detinham cargos efetivos quando exerceram função ou cargo de confiança vêem seus vencimentos majorados, indevidamente, no âmbito do Estado de Sergipe. Tal aumento ilegítimo vilipendia o erário em detrimento de todos aqueles que necessitam de assistência do Poder Público.
Por outro lado, a não concessão da medida liminar ensejará, quando julgada ao final procedente a presente ação, o ajuizamento de milhares de ações de repetição, em manifesto detrimento para a atividade judicante naquele Estado.
Pedido
Por todo o exposto, pede o autor seja suspensa liminarmente a produção de efeitos do parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617, de 02 de junho de 1995, bem como do artigo 1º da Lei sergipana 3.763, de 16 de junho de 1996, na parte em que conferiu nova redação ao parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617.
Pede, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade do parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617, de 02 de junho de 1995, bem como do artigo 1º da Lei sergipana 3.763, de 16 de junho de 1996, na parte em que conferiu nova redação ao parágrafo segundo do artigo 1º da Lei sergipana 3617.
Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado.
Requer, outrossim, sejam oficiados o Governador e o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe para prestarem informações no prazo legal.
Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).
Dá à causa o valor de mil reais.
Cezar Britto
Presidente do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil