“Nem ditadura dificultou tanto”, diz advogado sobre Furacão
Brasília, 16/04/2007 - O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo Rio de Janeiro, Nélio Machado, fez há pouco na sessão plenária do Conselho Federal da OAB um relato sobre as dificuldades que os advogados dos investigados pela “Operação Furacão” da Polícia Federal estão enfrentando, no acesso a seus clientes e aos processos. O conselheiro pediu providências enérgicas contra o cerceamento ao direito de defesa e às diversas restrições impostas pelas autoridades policiais ao trabalho dos advogados, inclusive ao ministro da Justiça, Tarso Genro. “Nunca vi nada como o que está acontecendo, nem mesmo na ditadura militar”, afirmou Machado, que foi advogado de presos políticos. Após sua exposição, os conselheiros federais da entidade estão debatendo as providências e medidas judiciais que poderão encaminhar em relação ao caso.
A seguir, a íntegra da fala do conselheiro Nélio Machado (RJ), a respeito das restrições enfrentadas por advogados e de cerceamento à defesa na “Operação Furacão”:
“A situação vivenciada pela advocacia brasileira merece efetivamente a atenção do nosso colegiado. Sou do tempo em que o advogado era considerado, senão como herói, alguém que desfrutava da simpatia quando nada dos meios de comunicação. A imprensa se rebelava contra a violação ao Estado de Direito. Hoje, o que ocorre, sobretudo nessas operações aparatosas, é o total desprezo, o total desrespeito à figura do advogado. A advocacia brasileira sossobra nesse contexto. A própria imprensa fica em parceria inescondível com os representantes do Ministério Público e com os agentes e policiais em geral, sendo que a defesa na realidade é tratada como se fosse algo que está ali parda atrapalhar, para incomodar, para impedir o grande show, o grande espetáculo, não raro circense, outras vezes dramáticos mas a rigor sempre à margem da lei. Como a imprensa de alguma forma manipula a informação, as violações à lei são inomináveis. Veja-se, em primeiro lugar nesse episódio que houve uma prisão decretada contra 25 pessoas e nenhum advogado teve conhecimento do teor da decisão que determinava a prisão, porque o próprio Supremo Tribunal Federal, em despacho do ministro Cezar Peluso, fazia remissão a uma cota do Ministério Público na qual ele próprio se fundava para deferir sobre a prisão. O que significa dizer, na prática, que com a supressão desse documento, ninguém sabe até hoje porque razão está preso. Não bastasse, na Polícia Federal - e aí entra a presença do nosso presidente da Seccional da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous -, o que ocorre é que no Rio de Janeiro começaram restrições de toda ordem, a iniciar pela exigência de que cada réu - ou cada investigado, melhor dizendo - tivesse um único advogado. Como se fosse possível a autoridade designar o número de defensores. Esse procedimento se repetiu ontem (15), pela manhã, na sede da Polícia Federal em Brasília, quando se determinou que os trabalhos investigatórios recomeçariam às 8h30 da manhã - mas as portas ficaram fechadas e os advogados ao sol até 9h20 quando veio a ordem de que seriam chamados dois advogados de cada vez, na conformidade dos respectivos clientes. Nesse momento, eu invoquei minha condição não só de advogado, como também de conselheiro federal da OAB, dizendo que dali iríamos todos ao Supremo Tribunal Federal porque a advocacia estava sendo atingida duramente por uma impostura, por uma violação inaceitável e que, daquele momento em diante não haveria mais advogado presente na sede da Polícia Federal. Não demorou mais que dois minutos, e imediatamente o telefonema do porteiro - que não era sequer uma autoridade, porque a Polícia Federal terceiriza os serviços no acesso às dependências - dizendo que poderíamos entrar todos. Mas isso não modificou substancialmente e absolutamente em nada em relação aos desmandos e às violências à lei.
A começar, eu defendo um magistrado que desfruta não só das garantias da Loman como também, como qualquer cidadão, das garantias da Constituição Federal e também das garantias processuais. Nada disso, porém, foram observadas no que lhe concerne como também em relação a vários dos outros acusados. Não posso transigir, no entanto, com as violações às prerrogativas que atingem a mim, pessoalmente, e aos demais advogados. Os presos foram transportados e algemados e colocados em celas de nove metros quadrados, onde têm quatro ou cinco presos. As condições são absolutamente inaceitáveis; Meu cliente quis consignar um protesto com relação às condições de prisão, de transporte, de divulgação - e quem viu o Fantástico ontem deve ter ficado envergonhado, inclusive do tom de chacota de autoridades policiais, com risadas inoportunas em procedimento sigiloso determinado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, num caso em que os advogados, até hoje, não viram uma linha sequer da apuração. São cinco volumes e ninguém viu sequer absolutamente nada; esses depoimentos são absolutamente simbólicos, não tem nenhuma prestabilidade, não tem nenhuma serventia, até porque quem é indagado não sabe do que é indagado. Quem sabe de alguma coisa é pela imprensa - ela acaba sendo o acervo de informação. Essas violências atingem também advogados, que estão presos. Se exerceram mal a profissão, vai ser apurado. Agora, desfrutam todos esses advogados - não me refiro apenas aos detentores de prerrogativas em face da profissão, mas mesmo os detidos - a nossa lei fala em sala de estado maior - a Lei Orgânica da Magistratura também. E até agora nós falamos com as pessoas que são meros suspeitos, até o momento, em parlatórios, não se tendo sequer a segurança quanto à confiabilidade do contato pessoal e reservado. O contato é feito três por vezes, um advogado por vez ao telefone, que mal funciona. E não se sabe há escuta, pois hoje em dia tudo se faz à base de escuta, á base de filmagem. Então, a segurança para o contato pessoal e reservado a que alude a lei, isso não ocorre. Então, não me recordo, ao longo dos meus mais de 50 anos de vida - que começou a carreira há mais de 30 anos e iniciou sua carreira defendendo presos políticos -, não me lembro de nada igual, nem na ditadura militar, de ter visto nada que se parecesse com o que está acontecendo- salvo nos porões da ditadura, onde nós advogados não entrávamos. Então, em razão da repercussão, da moralidade, a lei está sendo rasgada, a Constituição igualmente. Eu nunca tinha visto uma violência dessas promanar do Supremo Tribunal Federal, o que é muito preocupante. O ministro Cezar Peluso tem sua dose de responsabilidade no que está acontecendo, porque eu jamais vi alguém determinar uma medida constritiva e não se sabe qual é o supedâneo da medida violenta. Nunca vi também que impedisse que os advogados tivessem acesso aos autos do inquérito: as oitivas são feitas sem inquérito. O delegado tem um documento magnético, ao qual ninguém tem acesso. Ontem, com absoluta insensibilidade, um senhor delegado da Polícia Federal, mostra às escâncaras, um flagrante cometimento de crime pela Polícia Federal brasileira - porque ela revela e não esconde que ela própria divulgou várias informações, filmou várias imagens e nós, advogados, não vimos até hoje sequer o inquérito policial. Então, em nome dessa tradição da OAB, que sempre esteve de pé - e pouco importa qual seja a acusação, pois é uma acusação que reclama o devido processo legal, reclama o respeito á prerrogativa profissional, reclama a atenção ao princípio da não culpabilidade - e tudo isso não está valendo absolutamente nada neste País. E o lamentável é que, quando isso acontece, nós vamos a um tribunal contra um juiz, vamos a um tribunal contra um desembargador, mas contra o Supremo, só podemos ir a nosso Senhor Jesus Cristo. Nós não temos onde ir. Só a nossa voz, e a voz nesse sentido tem que ser institucional porque mesmo a minha, isolada, de nada valerá. A OAB deve tomar uma providência enérgica, inclusive reclamando ao ministro da Justiça, que deve se lembrar o quanto antes das lições que há de ter aprendido um dia na faculdade”.