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A OAB e a Advocacia Pública

segunda-feira, 2 de dezembro de 2002 às 14h02

Brasília, 02/12/2002 - O presidente dnacional da OAB, Rubens Approbato Machado, proferiu palestra hoje na abertura do “Seminário Nacional de Advocacia Pública nos Tribunais Superiores”, no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A iniciativa do seminário é do grupo de Procuradores de Estado lotados em Brasília (DF), que se reúne mensalmente há quatro anos para tratar das questões comuns aos Estados, trabalhando junto aos Tribunais Superiores nos leading cases que interessam a todos. A idéia do evento surgiu da percepção de interesses e teses comuns a da necessidade da troca de experiências.

Também participam da abertura do evento o presidente do STJ, Nilson Naves, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ilmar Galvão, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Francisco Fausto, o procurador-geral do Distrito Federal, Miguel Farage de Carvalho, e a procuradora-chefe do Estado do Rio de Janeiro em Brasília, Christina Aires Lima.

A seguir, na íntegra, o pronunciamento do presidente Rubens Approbato Machado:

ADVOCACIA PÚBLICA

Nesta hora, neste momento, no evento que marca a presença de advogados públicos das diversas esferas administrativas de todos os níveis governamentais, permito-me recorrer a manifestações públicas que tenho feito a respeito desse importante e nobre segmento da advocacia, repetindo e repisando considerações que reputo necessárias a fazer justiça a tão dedicados obreiros do direito e da justiça. Permito-me abordar algumas questões que me parecem atuais e que permitirão, sob minha visão, um debate de algumas facetas da advocacia pública, como o controle interno da administração; a responsabilidade dos advogados públicos ante os pareceres elaborados e a recente alteração da norma processual, responsabilizando, civil e criminalmente, as violações de preceitos éticos-processuais.

CONTROLE INTERNO

Não tenho a intenção de matizar o panorama brasileiro com cores cinzentas. O traçado do Estado brasileiro só tem sentido para nós, advogados, caso assumamos o compromisso de procurar, por todos os meios ao nosso alcance, cores mais alegres para adicionar à tela do convívio nacional, o que significa o compromisso de ampliar o nosso rol de responsabilidades e funções para o aperfeiçoamento da administração pública em todos os seus níveis.

Cabe, nesse aspecto, papel de extraordinária significação ao advogado público.

Como todos sabemos, o advogado público, no exercício de suas relevantes funções, representa a face mais exposta da Advocacia, à medida que sua atuação está aberta à sociedade, por envolver a defesa dos interesses públicos, ficando seus sucessos ou insucessos submetidos, em maior intensidade e grau, à crítica da sociedade.

Afinal , qual a missão do advogado público?.

Ouso sugerir a resposta: dar-lhe poderes para estabelecer o controle interno da administração, assumindo o advogado público a defesa intransigente do interesse coletivo, definindo o seu papel de advogado do povo.

Esse controle interno, aliás, é um postulado já consagrado por eminentes juristas, como Celso Antônio Bandeira de Melo, que prega:

“a administração pública, direta, indireta ou fundacional, sujeita-se a controles internos e externos. Interno é o controle exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo. Externo é o efetuado por órgãos alheios à Administração”.

Proponho a maximização desse princípio. E a lógica que o justifica é simples: evitar o mau uso do dinheiro público, eliminar qualquer vestígio do poder invisível, melhorar o fim da administração pública- o bem comum da coletividade.

Não mais se tolera a subjugação do interesse coletivo aos interesses de grupos ou ao subjetivismo dos governantes, particularmente quando alguns daqueles se vêem envolvidos em escândalos e denúncias de malversação do dinheiro público.

Se os mecanismos de controle interno a serviço da Administração Pública não têm sido tão eficazes quanto deles se espera, devemos buscar meios de aprimoramento dos mecanismos e instrumentos alocados para impedir a criação das malhas corruptivas, de desmandos e de desestruturação da máquina burocrática. Desnecessária a criação de novos instrumentos ou novas fontes de despesas para esse fim. Basta ser reforçado o papel do Advogado Público, cuja missão é velar pelo cumprimento dos princípios que lhe são inerentes, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e particularmente o princípio da legalidade, que é a mais sólida barreira contra as tendências de desvios e distorções por parte dos governantes.

Precisamos colocar o Advogado Público no seu verdadeiro e elevado pedestal, um pedestal bem definido no leque das funções como Advogado da União, Procurador do Estado, Procurador do Município, atividades que, em essência, consubstanciam a missão de Advogado do Povo, o missionário que vela pelo interesse das comunidades, que zela pela aplicação e cumprimento da vontade geral corporificada na lei, que concretize os princípios básicos e constitucionais que devem reger a administração pública.

E, por ser tão nobre essa missão, jamais o advogado público pode se submeter ao império da subserviência, ao servilismo dócil, movido a interesses espúrios. Agindo, com a independência técnica necessária, apanágio do livre exercício da advocacia, com a consciência limpa do dever cumprido, o Advogado Público continuará sendo merecedor do verdadeiro brasão do Homem, que é o caráter, podendo figurar naquela galeria emoldurada pela máxima impressa por Napoleão: “A ordem social de uma Nação descansa sobre uma estirpe de homens que, à semelhança de rochedos, sobrevivem às intempéries e borrascas e elevam ao cume o ideal da grandeza e da dignidade”.

Identifico no Advogado Público mais que um cidadão que coloca seu civismo a serviço da coletividade. Trata-se de um dos mais avançados agente de transformação cultural. Porque, ao defender o princípio da legalidade, da submissão da Administração ao império das leis, o Advogado Público está, na verdade, consolidando a estrutura normativa e construindo muralhas éticas que se contrapõem à imoralidade, às mazelas e à corrupção, cujas raízes remontam à uma cultura semeada pelos tradicionais “ismos” que conspurcam a vida administrativa do país: o mandonismo, o compadrismo, o grupismo, o familismo, o caciquismo, o fisiologismo. E ao extirpar esses tumores, fazendo a prevenção contra a metástase da imoralidade generalizada, o Advogado Público planta, nos imensos campos da administração, sementes de uma nova cultura, uma cultura de zelo à coisa pública, uma cultura de respeito aos cidadãos, uma cultura de qualidade dos serviços, uma cultura de racionalização, uma cultura de ética e moral. Encarna, desta maneira, a missão do agente de transformação cultural.

Ao Advogado Público devem ser oferecidas todas as garantias para bem exercer o ofício, a partir da livre e democrática escolha de seus dirigentes, decorrente de manifestação direta dos componentes da carreira, sem a interferência política dos governantes, passando essa escolha pelo Legislativo. A direção dos quadros da carreira do Advogado Público, através de sua escolha democrática e sem apegos políticos, não pode ficar comprometida com interesses menores, sendo suas livres ações imprescindíveis para desafiar eventuais atos ilegais dos governantes. Cuida-se, desse modo, de serem asseguradas garantias funcionais que impliquem poder para desestimular pretensões ilícitas. E para que seu mister seja regrado pela mais absoluta transparência, há o Advogado Público de se submeter à constante fiscalização, pelos níveis hierárquicos naturais das estruturas de carreiras e pelos próprios organismos de correição, subordinando-se, no que tange ao exercício profissional da advocacia, exclusivamente aos preceitos da Lei 8.906/94 e das normas emanadas pela OAB, a quem, por seu turno, incumbe a defesa intransigente das prerrogativas de tais profissionais.

Ressalto que, em decorrência de tais regras, o advogado público está sempre submetido a um controle externo, na medida em que seus atos se sujeitam ao poder disciplinar e normativo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Esse acervo de compromissos e funções engrandece a figura do Advogado Público. Por isso mesmo, defendo a idéia de avançarmos ainda mais, alterando-se a estrutura prevista na Constituição Federal, com a finalidade de dotar a Advocacia Pública de instrumentos que lhe permitam estabelecer o controle interno da Administração, qualificando-se, desta maneira, como o grande advogado do povo.

RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PÚBLICO PELOS PARECERES DADOS

Para se analisar um ângulo desse tema, fiquemos na busca de resposta à seguinte indagação: o advogado público se sujeita, juntamente com o administrador, à fiscalização dos Tribunais de Contas, em decorrência de atos praticados, fundados em parecer jurídico ofertado pela respectiva consultoria?

Ressalte-se, desde logo, que o advogado público se sujeita, no que respeita ao exercício profissional, como todos os demais advogados, exlusivamente às normas estatuídas no artigo 133 da Constituição Federal e nas disposições da Lei 8.906/94.

Uma das características fundamentais desse exercício é o da independência, da qual a relação de emprego, seja ele público ou privado, não pode sofrer qualquer tipo de exclusão ou de redução.

O artigo 133 da C.F., que institucionalizou a advocacia, preceitua ser o advogado indispensável à administração da Justiça e inviolável por seus atos e manifestações no exercício profissional, nos limites da lei.

A lei, por sua vez, estabelece, no mesmo sentido, ao dizer que o advogado, no exercício da profissão, é inviolável por seus atos e manifestações (parágrafo terceiro, artigo 2º da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994), constituindo-se direito inalienável exercê-la com liberdade (cf.artigo 7º, n. I, da Lei citada).

A Lei 8.906/94.ao cuidar do “advogado empregado”, não fazendo a distinção quanto à qualificação ou condição do empregador, determina no seu artigo 18 que “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica, nem reduz a independência profissional inerente à advocacia”. Isto significa dizer que o advogado-empregado, no que tange à relação empregatícia, se sujeita às normas da lei específica aplicável a essa relação, porém, no que se refere à atividade profissional jurídica, quer consultiva, quer contenciosa, o advogado-empregado, público ou privado, continua tendo a mesma isenção técnica e a independência profissional, não se sujeitando, nesse ponto, à vontade ou imposição hierárquica de seu empregador.

Estabelecidas essas premissas, é de ver-se que o advogado público, dentro de sua missão consultiva, tem independência técnica para opinar sobre a matéria que lhe é posta, sendo responsável, exclusivamente, sob o ponto de vista técnico-profissional, sujeitando-se, quando for o caso, às sanções disciplinares, na hipótese de inépcia, erro grosseiro, ou pela prática de qualquer violação do Código de Ética ou das disposições estatutárias, perante a Ordem dos Advogados do Brasil.

Não se sujeita o advogado público à fiscalização dos Tribunais de Contas, em razão de parecer jurídico embasador do ato do administrador, como bem ressaltado pelo Ministro Carlos Velloso, em recentíssimo voto dado no Mandado de Segurança n.24.073-3 – Distrito Federal, acolhido à unanimidade, em Sessão Plenária de 06 de novembro de 2.002.

Diz, em resumo, essa respeitável decisão, que o advogado público, chamado a opinar, ao oferecer parecer sugerindo contratação direta sem licitação, mediante interpretação da lei específica, não pode ser responsabilizado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação. Afirma-se, na “ementa” do Acórdão que “o advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód.Civil, art.159; Lei 8.906/94, art.32”.

Após exaustivo exame da matéria posta em juízo, o voto conclui, dizendo que “caberia à Ordem dos Advogados do Brasil apenar as infrações cometidas por advogado, decorrentes de culpa grave, que hajam causado prejuízo a seu constituinte (Lei 8.906/94, art.34, IX). O mesmo deve ser dito quanto a prática de erro que evidencie inépcia profissional (Lei 8.906/94, art.34, XXIV).”.

Resta claro, pela manifestação plenária do Supremo Tribunal Federal, que a sujeição do advogado-empregado, público ou privado, se restringe às regras estatuídas no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), regras essas que preservam a independência técnica do profissional, que deverá exercer seu mister, com toda a liberdade, não se sujeitando a qualquer tipo de restrição ou de sanção, em face desse mesmo exercício, por quem quer que seja, inclusive por parte dos Tribunais de Contas. Só à exceção da OAB é dada competência para apreciar a conduta profissional do advogado.

RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO NOS ATOS PROCESSUAIS

Pelo que se pode compreender do até aqui exposto, extrai-se que houve uma interpretação errônea, para não dizer falaciosa, às disposições do texto do parágrafo único, artigo 14, do Código de Processo Civil, nos termos da nova redação dada pela Lei 10.358, de 27.12.2001.

Por essa nova redação, ao juiz foi dado o poder de aplicar ao responsável pelo descumprimento do inciso V, artigo 14, do CPC, multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa, sem prejuízo de eventuais sanções criminais, civis e processuais cabíveis.

Ao ser elaborado o projeto que resultou na lei mencionada, a Comissão que o elaborou fez incluir como responsáveis, além dos atores da relação processual, os advogados.

A OAB se insurgiu contra essa proposta, mostrando que o advogado representa parte, mas não é a parte. Além disso, a competência para punir o advogado, em decorrência de seu exercício profissional, é exclusiva da OAB (como realçado na recente decisão plenária do STF, citada no item anterior).

A Comissão acolheu as razões expostas pela OAB, alterando o Projeto, para lhe dar a redação consubstanciada na lei ora vigente.

Diz o texto: “ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição...” (e aí prossegue fixando as sanções).

A norma em tela fala em “advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB”. Quais são esses advogados? A resposta é óbvia: SÃO TODOS OS ADVOGADO, PORQUE TODOS OS ADVOGADOS SE SUJEITAM, NO QUE PERTINE AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL, EXCLUSIVAMENTE AOS ESTATUTOS DA OAB (como ressaltado, recentemente, pelo STF, no Acórdão retro mencionado).

NENHUM ADVOGADO SE SUBMETE, POR SEUS ATOS E MANIFESTAÇÕES, NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL, A MEDIDAS PUNITIVAS POR PARTE DE JUÍZES.

O ato de o advogado, público ou privado, assalariado ou não, se sujeitar, para os efeitos de relação de trabalho, a regras específicas dessa vinculação obreira, não o desvincula e nem o desonera do cumprimento das normas relativas à profissão e ao seu exercício, inclusive disciplinar, perante a OAB.

A disposição da norma processual, ao falar em “advogados”, o fez pelo substantivo e não pelos adjetivos que possam qualificá-los. Todos são advogados, independentes de serem “trabalhistas”, “criminalistas”, “tributaristas”, “público”, “privado”, “liberal” ou “assalariado”.

Todos os advogados, público ou privado, inscritos na OAB, não são alcançados pelas medidas punitivas do parágrafo único, artigo 14, do C.P.C., mas sim, quando e se for o caso, às normas disciplinares e sancionatórias da Lei 8.906/94.

É evidente que, no que tange à relação de emprego, o advogado, quanto a essa relação, se submete aos efeitos da legislação a ela pertinente (CLT, Estatuto do Funcionário Público), mas isso não significa excluí-lo da sua submissão exclusiva ao Estatuto da OAB, no que se refere ao exercício técnico profissional. O advogado público tem dever funcional com o seu empregador, dentro das normas que regem essa relação de emprego. Mas, no que toca ao exercício profissional, repita-se, a sua sujeição é exclusiva ao Estatuto da OAB.

CONCLUSÃO

Para se por um ponto final a esta exposição, concito-os a, neste momento de reflexão, conclamar toda a sociedade civil organizada para alavancar os potenciais da Nação.

Urge darmo-nos as mãos no extraordinário esforço para que os entes governamentais ocupem a vanguarda na batalha pelas reformas imprescindíveis aos avanços:

- a reforma do Estado, com a indispensável reordenação das estruturas da Administração Pública, que deverão se inspirar nas metas de qualidade dos serviços essenciais, racionalização, requalificação dos quadros profissionais, eficiência e eficácia.

- a reforma do Poder Judiciário, com a maximização das estruturas funcionais e o aperfeiçoamento dos mecanismos administrativos, funcionais, tecnológicos, processuais, para a ágil e eficiente distribuição de Justiça.

- a reforma política, voltada para a moralização de costumes e práticas, com as inafastáveis decisões sobre fidelidade partidária, proibição de siglas de aluguel, regulamentos permanentes para moralização de campanhas eleitorais, aperfeiçoamento do sistema de representação e adensamento doutrinário dos partidos;

- O fortalecimento da Administração Pública, revertido a serviço da sociedade;

- A criação de novos mecanismos de controle interno da administração Pública, dentre os quais a Advocacia Pública há de ser a de maior consistência, em face de sua incontestada alta qualificação.

Ao cumprimentar a cada um, desejando pleno sucesso no Congresso que ora se inicia, transmito a minha mensagem de fé e esperança pelo conselho de James Dillet Fremen: “encare cada experiência com o pensamento que você vai sempre ao encontro de seu bem. Saiba que está sempre melhorando. Prossiga com o seu coração corajoso. Siga, sabendo que Deus está caminhando com você. Você está indo em direção do seu verdadeiro bem.

Brasília, 02 de dezembro de 2002

Rubens Approbato Machado
Presidente Nacional da OAB

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