Estilo discreto e pacificador de Britto dirigirá a OAB Nacional
São Paulo, 02/02/2007 - O sergipano Raimundo Cezar Britto Aragão tomou posse nesta quinta-feira (1º de fevereiro) como o novo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Eleito em chapa única, ele sucede o paranaense Roberto Busato e comandará nos próximos três anos a entidade que representa cerca de 600 mil advogados em todo o país. Ao seu lado, farão parte da nova diretoria da entidade o vice-presidente Vladimir Rossi Lourenço, a secretária-geral Cléa Anna Carpi da Rocha, o secretário-geral adjunto Alberto Zacharias Toron e ao diretor tesoureiro Ophir Cavalcante Junior.
Em entrevista exclusiva à reportagem de Última Instância, Britto, nascido em Propriá (interior de Sergipe), tem um perfil mais discreto e pacificador do que seu antecessor e aliado político, Roberto Busato. Britto demonstra, em suas primeiras declarações como presidente, que deverá iniciar uma trégua temporária entre a entidade e o governo federal, alvo constante de críticas da gestão anterior. Além disso, promete estabelecer um equilíbrio entre as iniciativas políticas e corporativas da entidade. “Vamos ter, efetivamente, uma ação muito mais próxima ao advogado”, afirmou Britto.
Cezar Britto é formado em direito pela Universidade Federal do Sergipe. Foi conselheiro da seccional sergipana em 1993 e 1994, conselheiro federal entre 1995 e 1997 e presidente da OAB-SE no triênio 1998-2000. É advogado de entidades sindicais, movimentos populares e ONGs. Defende a CUT sergipana desde 1985. Vice-presidente da ABRAT (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas) do Nordeste, foi professor permanente da ESA (Escola Superior de Advocacia) do Sergipe. Antes de ser escolhido presidente, foi secretário-geral da OAB nacional na gestão Busato.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Última Instância — Qual será a preocupação da Ordem em relação ao ensino jurídico no país? Na última gestão, foram publicadas diversas listas de cursos pautadas pela qualidade, críticas ao MEC pela autorização de cursos sem o aval da entidade. Qual deve ser o papel da Ordem na autorização dos cursos?
Cezar Britto — Em primeiro, gostaria de esclarecer que a atuação da Ordem na questão do ensino jurídico tem duas matrizes: a primeira é de ordem legal. A entidade, por ter competência em contribuir com o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e dos cursos de direito, tem que optar sobre a criação de um conhecimento das instituições. A segunda é de ordem social. A preocupação da Ordem, quando faz críticas às concessões de faculdades, é que o saber tem uma função social muito forte. É através do saber que se permite a ascensão social. No curso de direito, tem-se observado que a ascensão social pelo saber não tem atingido seu objetivo, porque o diploma de bacharel, diferentemente das demais profissões, é apenas um qualificador de passagem que, por si só, não permite o exercício profissional. Todas as carreiras jurídicas precisam de uma seleção pública. O advogado, através do Exame de Ordem, e as demais carreiras, no concurso público. Ora, o que se tem observado é que a má qualidade do ensino jurídico faz com que, no final, aquele que pensou que ia ascender tenha apenas um diploma d frustração, e não de ascensão.
Última Instância — O sr. considera que a OAB deveria propor um projeto de lei para que ela também tivesse o poder de permitir ou interferir de certa maneira, mais diretamente nessa concessão de cursos?
Cezar Britto — Claro que sim. A Ordem vai sempre, e é a bandeira dela, ter seu parecer com função vinculativa. Mas, independente da alteração legislativa, isso pode ser conseguido através de um estreitamento cada vez maior com o MEC (Ministério da Educação e Cultura). É preciso que o MEC converse mais com a Ordem e a Ordem com o MEC, porque os dois têm que ter o mesmo objetivo: o de não gerar frustrações para o cidadão. Até porque o ensino tem a função de ascensão e o governo, que tem preocupação social, não pode permitir a proliferação de “faculdades de final de semana” ou faculdades mercantilizadas, porque estaria mercantilizando os sonhos. Vamos, em nosso mandato, aperfeiçoar e profissionalizar a fiscalização da Ordem. Vamos intensificar essa fiscalização diretamente em função desse compromisso social que a Ordem tem e desse dever legal.
Última Instância — O sr. acredita que, atualmente, as faculdades de direito não estão defasadas em relação a seus currículos? Muitas matérias são ensinadas da mesma maneira que há 50 anos. Já áreas novas como direito ambiental, eletrônico, biodireito, ainda precisam ser melhor exploradas? Essas novas áreas também não desmistificam a impressão de que o mercado dos advogados está saturado?
Cezar Britto — O direito tem que evoluir ao mesmo passo que a sociedade. Ele necessariamente é uma ciência de evolução. Assim sendo, os currículos precisam se adaptar a essa nova realidade. Quando a Ordem participou do grupo de trabalho que apresentou ao MEC propostas de um novo currículo, propôs o surgimento de novos temas e cursos no currículo. É um trabalho excessivo e permanente. Nossa intenção, e da Comissão de Ensino Jurídico, terá dois focos: o primeiro é o aumento da fiscalização. O segundo é oferecer uma disponibilidade maior de profissionais que interajam com o MEC para aperfeiçoar os cursos de direito para que eles cumpram seu objetivo, o de promover a Justiça no Brasil.
Última Instância — Qual sua opinião sobre a constitucionalidade do PAC (Plano de Aceleração Externo)? É possível que a OAB entre questione judicialmente essa MP?
Cezar Britto — A Ordem tem o dever legal de analisar o arcabouço de toda a legislação que venha a surgir. Temos, por força da Constituição, a competência de ingressar com uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) na defesa da ordem jurídica, na defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático dos Direito. Medidas como o PAC precisam e serão analisadas pela Ordem. Se vai se entrar com uma Adin ou se concluir pela inconstitucionalidade de algum de seus dispositivos, as comissões da Ordem é que darão o parecer, sem nenhum pré-julgamento. A matéria será discutida e, a depender dos órgãos técnicos, vamos decidir a visão jurídica da Ordem sobre o PAC. Na questão política, a Ordem já se manifestou através de seu [ex-]presidente [Roberto Busato] e vai procurar contribuir com o governo para corrigir alguns erros e contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Mas a Ordem entende que o desenvolvimento econômico rima com o social.
Última Instância — Qual deve ser a relação da nova gestão da Ordem com o Poder Executivo? Nos últimos anos, ela foi tensa, e pautada por muitas críticas. Esta ainda seria uma tendência?
Cezar Britto — Não é a Ordem que dita o diálogo com o governo, é o governo que molda o diálogo com a Ordem. O primeiro mandato do presidente Lula recebeu tal tratamento da Ordem em função dos fatos que ocorreram durante os primeiros quatro anos. O segundo mandato ainda não começou, mas, se este for efetivamente um governo de coalizão como se pretende, de respeito às instituições democráticas, é claro que a Ordem vai participar dessa contribuição ao país. Entretanto, será uma participação independente e republicana. Vai depender, portanto, da ação que o governo terá nesse segundo mandato. A Ordem não é inimiga de governo nenhum, ela é uma colaboradora da sociedade.
Última Instância — Como o sr. se define politicamente?
Cezar Britto — Eu me defino como dirigente da Ordem, historicamente vinculado com a OAB e com o compromisso de manter a altivez e independência da entidade em relação a todo o governo. Com o dever de manter a responsabilidade legal que a Ordem tem de preservar o Estado Democrático de Direito, de defender a ordem jurídica e os direitos humanos.
Última Instância — Refiro-me à sua posição política pessoal. Por exemplo, de esquerda ou direita, liberal ou conservador...
Cezar Britto — A Ordem não é de esquerda nem de direita, ela é simplesmente a Ordem. O grande segredo é não ter vinculação nem coloração partidária. É um órgão absolutamente político, mas sem cor ou lado.
Última Instância — Na condição de presidente, o sr. seria apartidário?
Cezar Britto — Serei um presidente político de uma instituição política, mas sem nenhuma conotação partidária.
Última Instância — Há uma avaliação no meio jurídico de que a gestão atual concentrou muito de seus esforços em assuntos diretamente ligados à política nacional. Em contrapartida, deixando de lado as questões ligadas ao dia-a-dia da advocacia. Qual deverá ser o foco para o próximo triênio?
Cezar Britto — A Ordem tem duas funções que se interligam: ela é corporativa e institucional. Se ela for muito forte institucionalmente e não ligar para seu lado corporativo, ela estará cometendo um suicídio no futuro, porque o enfraquecimento do advogado significa, a médio prazo, a derrocada da Ordem. E vice-versa, se ela for extremamente corporativa e não coordenar a política institucional, a Ordem passa a ser um órgão extremamente burocrático. As duas ações têm que ser simultâneas, nenhuma mais importante que a outra. Em função dessa compreensão, o trabalho corporativo desse ser muito forte também. Por exemplo, vou tentar, em meu mandato, criminalizar a violação às prerrogativas e combater um dos maiores preconceitos que se tem contra o cidadão, que é o de permitir que ele busque o Judiciário sem um advogado, um profissional qualificado para exercer a defesa, o que ocorre com os Juizados Especiais. Se a maior parte da clientela do Juizado Especial é contra os bancos ou as concessionárias de serviços públicos, como as telefonias, que têm grandes escritórios, não se pode permitir que o cidadão, nessas contendas, não tenha um advogado. São coisas que vamos discutir muito, mas muito mesmo: garantir que todo o cidadão tenha o direto à defesa. E nos Juizados Especiais sempre funcionou muito bem a idéia, e os advogados têm essa compreensão de sua função social. Eles nunca se recusaram a advogar aos cidadãos necessitados. Eles têm um instrumento legal também para isso, que é a defensoria pública. Vamos ter, efetivamente, uma ação muito mais próxima ao advogado, e de uma compreensão maior da importância do direito de defesa.
Última Instância — Além da questão do ensino jurídico e da defesa das prerrogativas, quais os principais desafios e projetos para os próximos três anos?
Cezar Britto — A instituição que tem mais de 600 mil advogados e que está presente em todos os Estados da Federação não pode ter uma ação isolada. São um leque de ações que devem ocorrer simultaneamente. Temos um volume muito grande de profissionais querendo trabalhar e podemos transformar essa capilaridade da Ordem em ações de defesa da advocacia e da cidadania. Isso se faz com a descentralização da Ordem, essa também será uma tônica. Outra tônica forte é que temos o dever de contribuir com o fim da morosidade judicial. Logo no primeiro dia do mandato, vamos criar uma comissão para combatê-la, discutindo junto com o Judiciário e o Ministério Público medidas de combate à morosidade, e apresentando ao Congresso Nacional um projeto legislativo nesse sentido. Vamos fazer nossa parte enquanto advogados, integrantes do Judiciário, responsáveis pela apreciação da Justiça no combate à morosidade judicial.
Última Instância — O sr. já teria alguma idéia sobre como combater a morosidade?
Cezar Britto — Várias formas. A cooperação vai ser importante para combater junto aos demais entes do Judiciário. Mas, como não gosto de pré-julgamento, prefiro que, assim que instalar a comissão, externar o que iremos fazer. Prefiro não antecipar para não parecer que estamos com a presunção de sermos os detentores da verdade.
Última Instância — Qual sua opinião sobre o projeto do paralegal?
Cezar Britto — A OAB se manifestou contrária ao projeto, e corretamente. A atividade judiciária é exclusiva do advogado. Ele é o profissional qualificado para isso. A manifestação da Ordem foi correta e o dever da defesa, que é árduo, tem que ser feito pelo profissional qualificado, e fiscalizado por uma instituição séria, como é a OAB.
Última Instância — Entre os futuros projetos, existe a proposta de investir mais na transparência e nos sistemas de comunicação das seccionais? A uniformidade entre as seccionais não está muito longe de ser obtida por uma instituição como a Ordem?
Cezar Britto — A Ordem tem uma virtude que é simultaneamente um defeito: contar com o trabalho voluntário de seus dirigentes. Todos exercemos atividades voluntárias, que são importantes. Mas também comprometem nossa disponibilidade de tempo. Por isso é que, na minha gestão, vamos tentar um meio-termo. Deixar o voluntário na atividade política e o profissional nas ações administrativas da Ordem. Estamos preparando a Ordem nesse sentido para uma profissionalização mais forte, inclusive no sentido de que todas as seccionais tenham um certificado de qualidade.
Última Instância — O sr. acredita que a imagem do advogado é negativa junto à sociedade?
Cezar Britto — A tarefa de um presidente da Ordem é colar a boa imagem que a entidade tem à imagem do advogado. A Ordem só é avançada, progressista, preocupada com o social e com a cidadania porque os advogados também são. Se eles não fossem honestos, como o são em sua imensa maioria, não teríamos uma instituição com o poder que a Ordem tem. Nós seríamos considerados um Ali Babá. Mas não, a Ordem é respeitada porque os advogados são respeitados. Temos que mostrar que são poucos os que entram no delito. Esses que incorrem em crimes não são advogados, são delinqüentes travestidos de advogados. Um passo muito grande foi esse reconhecimento público que as comissões disciplinares da instituição e de suas seccionais deram, ou seja, de que não se age de forma corporativa quando alguém comete um crime. Outra forma de mudar essa imagem é divulgar mais os dados de punição, já que ela tem também um efeito terapêutico, provoca sensação de que não há impunidade. É muito bom quando você sente que está em um ambiente de respeito.
Última Instância —A eleição para a diretoria da OAB é indireta e, muitas vezes, como o caso atual, ocorre sem disputa. Esse formato é adequado? O que ocorreria se a eleição fosse direta, com os votos de todos os advogados no país interferindo na escolha do presidente do Conselho Federal? Não seria um avanço mais democrático?
Cezar Britto — O sistema brasileiro é federativo e tem dado certo para o Brasil, pois respeita as diversidades culturais e regionais. Temos todas as regiões representadas em nossa diretoria: são cinco diretores, um de cada região. A questão da eleição direta precisa evoluir um pouco mais, exatamente porque a atividade da Ordem é voluntária. Se nós tivéssemos uma eleição envolvendo 600 mil advogados, o voluntário teria que fazer campanha em um sistema eleitoral de grande volume de eleitores. Estaríamos deixando a direção da Ordem extremamente cara e os grandes grupos poderiam se aproveitar disso. E também não se observaria essa diversidade que estamos aproveitando. Acho que a Ordem é muito sábia quando faz um sistema federativo com revezamentos constantes, porque evita que os grandes grupos interfiram na eleição de uma instituição tão grande para a República. ( A entrevista foi concedida ao repórter João Novaes)