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Busato: regulamentação de advocacia pro bono exigirá cuidados

sexta-feira, 3 de novembro de 2006 às 15h06

Salvador (BA), 03/11/2006 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, em pronunciamento no 50º Congresso da União Internacional dos Advogados (UIA), expôs hoje (03) a preocupação da entidade com a advocacia pro bono – advocacia gratuita – e o debate sobre sua regulamentação no Brasil. “O que se constata é que, enquanto assistencialismo jurídico, entre nós, a advocacia pro bono era informal, não gerava preocupação; hoje, porém, com a crescente tendência de institucionalização e o surgimento de entidades voltadas exclusivamente para sua prática, há cuidados com eventuais distorções”, afirmou Busato. Ele discursou na sessão especial do Senado Internacional da UIA de Presidentes de Ordens de Advogados.

Roberto Busato afirmou que a OAB – entidade que em diversas Seccionais presta assistência jurídica gratuita à população carente - examina a questão do pro bono com cuidado, diante da complexidade que o tema comporta para a advocacia. Frente a isso, informou ter constituído um grupo especial de trabalho, no Conselho Federal da OAB, “visando ao estudo da regulamentação da atividade, buscando concatenar a institucionalização do assistencialismo com os ditames legais regentes de nossa profissão”.

A seguir, a íntegra do pronunciamento do presidente nacional da OAB sobre a advocacia pro bono, no Senado Internacional da UIA de Presidentes de Ordens de Advogados:

"A questão da advocacia pro bono – a advocacia gratuita – desafia há tempos nossos analistas. É tema sempre atual, sobretudo num país como o nosso, em que a maioria da população não tem acesso à Justiça.

A muitos, à primeira vista, parece simples, mas, num exame mais acurado – e a OAB e a advocacia brasileira há tempos o vem fazendo –, apresenta algumas complexidades. Daí a polêmica em torno dele.

A começar pela legislação. A Constituição Federal, em seu artigo 5?, inciso LXXIV, estabelece que compete ao Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Há, pois, um aparente monopólio estatal dessa atividade, muito embora saibamos que o Estado brasileiro esteja longe de suprir as demandas sempre crescentes da sociedade.

A própria OAB, em diversas de suas seccionais, presta atendimento gratuito à população carente. Mas a missão constitucional de fazê-lo cabe às Defensorias Públicas, que precisam ser ampliadas e melhor instrumentalizadas para o cumprimento dessa missão.

Dispor de assistência jurídica é questão básica da cidadania. Por essa razão, é tema que nos diz respeito – a nós, OAB. No Brasil, a preocupação com essa questão é antiga. Breve análise histórica da advocacia brasileira demonstra, desde os seus primórdios, a existência de considerável parcela de voluntariado e gratuidade na sua prestação jurisdicional.

Nossa advocacia, mais que a de muitos países, envolve-se efetivamente com essa causa, e em relação a ela já acumula maior quantidade de massa crítica.

Tudo isso está em consonância com o juramento do advogado, que nos compromete não apenas com a defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado democrático de Direito, mas também com os direitos humanos, a justiça social e a rápida administração da justiça.

Da mesma forma, o Estatuto da OAB, em seu artigo 2, parágrafo 1?, respalda a advocacia pro bono, ao estabelecer que (abre aspas) “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social” (fecha aspas).

Advocacia pro bono, em essência, é isto: serviço social. Designa também o crescente desenvolvimento de trabalhos voluntários e gratuitos, no Brasil e no exterior, integrantes do chamado terceiro setor – as chamadas ONGs, organizações não-governamentais.

Empresas e profissionais liberais, das mais diferentes áreas, organizam mutirões em prol da assistência social aos menos favorecidos, disponibilizando gratuitamente tempo e conhecimento técnico. A nomenclatura varia: advocacia pro bono, advocacia dativa, advocacia social.

Há uma corrente de advogados que sustenta não ser necessário regulamentar a matéria. Argumenta que é preciso apenas que se cuide para que não se transforme em expediente para angariar clientes ou que não venha a ser pretexto para requerer regalias tributárias. Outra corrente contra-argumenta, alegando que já aí se faz necessária uma regulamentação. E cita casos que evidenciam a possibilidade de distorções na matéria.

Por exemplo: um grande escritório de advocacia coloca estagiários para exercer a pro bono e, com isso, busca obter junto ao Estado isenção de impostos e ampliar seus ganhos. Seria, claro, uma grave distorção do fundamento altruísta da advocacia pro bono. Há outras possibilidades.

Outro exemplo: seria eticamente aceitável usar a advocacia pro bono como instrumento de promoção publicitária pessoal e profissional do advogado&#
61503; E se for, pode o advogado pro bono cobrar honorários advocatícios em uma causa economicamente rentável que tenha vindo ao seu conhecimento por via do exercício da sua advocacia desinteressada?

Daí a complexidade da matéria, que mencionei no início. Daí a necessidade de melhor estudá-la.

O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, que estudou a matéria, diz que não é recomendável a fusão do assistencialismo social com a prestação de serviços jurídicos gratuitos, não importando a forma que se dê a ela. Diz que, apesar das boas intenções, tais iniciativas e procedimentos tendem a se institucionalizar, banalizando, massificando, dotando a advocacia de superficialismo, violando, assim, os princípios norteadores da profissão – e merecendo análise, caso a caso, por parte desse Tribunal, até que haja normatização em face do artigo 39 do Código de Ética e Disciplina.

O que se constata é que, enquanto o assistencialismo jurídico, entre nós, era informal, não gerava preocupações. Hoje, porém, com a crescente tendência de institucionalização e o surgimento de entidades voltadas exclusivamente para sua prática, há cuidados com eventuais distorções.

E é isso que a OAB examina. E é por essa razão, que determinei a criação de grupo especial de trabalho, visando ao estudo da regulamentação da atividade, buscando concatenar a institucionalização do assistencialismo com os ditames legais regentes de nossa profissão.

No entanto, é importante afirmar que no Brasil não há limitação para que o advogado preste assistência pro bono. É, aliás, inerente ao viés público da advocacia brasileira o exercício, de forma ilimitada, de forma gratuita, da defesa do necessitado.

Porém, em primeira instância, e por força de norma constitucional, cabe ao Estado prestar assistência ao hipo-suficiente, o que é prestado de forma absolutamente precária em todo o território nacional, o que aprofunda a desigualdade social no Brasil.

E é esse o debate que está posto e que aqui, neste painel de debates, aprofundaremos. É tema de grande relevância para a advocacia e para a cidadania brasileiras – e estou certo de que a participação dos senhores trará luzes a essa importante questão.”

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