OAB: Lula não pode ter influência negativa na reforma política
Salvador (BA), 31/10/2006 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, precisa ter a sabedoria política de não influir de forma negativa na reforma política que deverá ser conduzida no Congresso Nacional como uma das prioridades nacionais; até porque essa reforma passa necessariamente pela redução dos excessivos poderes do Executivo, comandado por ele. As ponderações foram feitas hoje (31), durante entrevista coletiva, pelo professor e jurista Fábio Konder Comparato, medalha Rui Barbosa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e coordenador do Fórum da Cidadania para a Reforma Política, do qual participam a OAB mais treze entidades representativas da sociedade civil. Ele participa da sessão do Conselho Federal da entidade, que está sendo realizada nesta capital paralelo ao 50º Congresso da União Internacional de Advogados (UIA).
Para Fábio Comparato, os poderes do Executivo são hoje abusivos, sobretudo em matéria orçamentária, e precisam ser limitados, com maior controle da cidadania. “É o Executivo que elabora os orçamentos, é o Executivo que consegue a aprovação dos orçamentos no Legislativo, por meio de manobras nem sempre muito limpas; e o Executivo aplica o orçamento se quiser, porque ele não é vinculante”, observou o jurista, que é também presidente da Comissão de Defesa da República e da Cidadania da OAB.
Ao lado da reforma política, Comparato avalia que outro ponto que o presidente Lula precisará enfrentar nessa segunda gestão está relacionado a mudanças na política econômica. Tal mudança, no seu entender, “deve estar centrada na redução drástica do endividamento público e, por conseguinte, a redução dos gastos orçamentários com o serviço da dívida pública”. Para o jurista, o País não pode mais continuar gastando 42,5% de seu orçamento com a dívida pública, quando há carência dramática de recursos para a infra-estrutura e a área social.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo professor e jurista Fábio Konder Comparato:
P – Com o presidente Lula agora reeleito, qual sua perspectiva para o segundo mandato? Será mais período de crise, como foi todo o governo Lula no primeiro mandato?
R – Minha perspectiva, que é mais um desejo, é que o presidente possa enfrentar dois problemas prioritários: primeiro, a mudança da política econômica; o segundo é a reforma política. A mudança da política econômica deve estar centrada na redução drástica do endividamento público e, por conseguinte, a redução dos gastos orçamentários com o serviço da dívida pública. Nenhum país, sobretudo os subdesenvolvidos, como o Brasil, pode se dar ao luxo de gastar 42,5% dos seus recursos orçamentários pagando credores do Estado. Em razão disso, não há recursos para investimento em infra-estrutura, em políticas sociais e é isto que nos mantém fora do processo de crescimento econômico. Quanto à reforma política, o presidente Busato disse muito bem que é inadiável e o presidente Lula deve ter a sabedoria de não influir negativamente na reforma política – porque grande parte da reforma política, no meu entender, passa por uma redução de poderes do Executivo, que são abusivos. Isto, notadamente em termos de matéria orçamentária. É o Executivo que elabora os orçamentos, é o Executivo que consegue a aprovação dos orçamentos no Legislativo, por meio de manobras nem sempre muito limpas, e o Executivo aplica o orçamento se quiser, porque ele não é vinculante.
P - Em relação à reforma política, que pontos em sua opinião precisam ser alterados e encaminhados urgentemente?
R - Há dois pontos principais, no meu entender: primeiro, reforçar a soberania popular, tornar o povo partícipe efetivo do processo político; segundo, criar na estrutura estatal um órgão encarregado exclusivamente de previsão e planejamento. Além disso, é preciso aperfeiçoar o sistema eleitoral e, nesse particular, o Fórum da Cidadania para a Reforma Política do Conselho Federal da OAB já começou a estudar propostas, no sentido de tornar o processo eleitoral menos ilegítimo como ele é atualmente.
P - O instituto da reeleição, na sua opinião, deve acabar?
R - Mesmo que se entenda que a reeleição deve permanecer é indispensável criar para o chefe do Poder Executivo a mesma incompatibilidade que existe para outros cargos, ou seja, ele precisa renunciar seis meses antes da eleição. Não faz sentido que o chefe do Poder Executivo possa mudar de boné conforme a ocasião. Numa ocasião, ele é chefe do poder Executivo; em outra é candidato. E todos sabem que o Executivo tem recursos muito fortes para influir nas eleições.
P – Qual sua opinião sobre o instituto da fidelidade partidária?
R – A fidelidade partidária é absolutamente necessária, e é uma das propostas que está sendo estudada no Fórum da Cidadania para a Reforma Política. Em caso de fechamento de questão pelo órgão mais elevado do partido, sobre determinada matéria, que o voto contrário do parlamentar filiado ao partido seja considerado nulo.
P – Em relação a toda crise que ocorreu na primeira gestão de Lula, o senhor acredita que as pessoas envolvidas serão punidas ou o Judiciário continuará lento e os acusados ficarão impunes?
R – Não; tenho fundada convicção que isso vai chegar a bom termo. Com isso, quero dizer que acredito num julgamento justo e célere. É preciso louvar a posição do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em todos esses episódios. Eles têm sido criticados, mas no meu entender, eles trabalharam muito melhor sob o governo Lula do que sob o governo FHC.
P - O sr. teme que Lula, depois de uma expressiva votação que o reelegeu, pode se animar e propor um terceiro mandato presidencial?
R – Seria a morte não só dele, mas também da democracia brasileira. Eu não acredito que essa idéia tresloucada possa ser aceita pelo atual presidente.
P – E o chavismo, o senhor avalia que essa corrente pode imperar também no Brasil?
R – Não há a menor possibilidade: o contexto é muito diferente e as personalidades políticas são muito diversas.
P – O sr. entra 2007 com esperança em um Brasil melhor ou pior do que foi até agora?
R – Eu acho que o povo começa a participar mais da vida política e tomar mais consciência das grandes questões nacionais. Nesse sentido, eu tenho esperança.