Menu Mobile

Conteúdo da página

Ordem obtém liminar contra curso de Direito relâmpago

quinta-feira, 12 de setembro de 2002 às 15h22

Brasília, 12/09/2002 – O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) obteve do Superior Tribunal de Justiça (STJ) liminar em mandado de segurança contra ato do ministro da Educação que permitia a redução do curso de Direito de cinco para três anos. Com a liminar concedida pelo ministro Franciulli Netto, da Primeira Seção do STJ, ficam suspensos os efeitos da homologação do Parecer nº 146/2002 da Câmara de Educação Superior do Conselho acional de Educação e das minutas de resolução que o acompanham.

Em despacho publicado no dia 13 de maio de 2002 no Diário Oficial da União, a ministra da Educação interina, Maria Helena Guimarães de Castro, homologou o Parecer n.º 146/2002, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, instituindo novas Diretrizes Curriculares Nacionais e aprovando as minutas de resolução que o acompanham, para revogar o currículo mínimo do curso de Direito e possibilitar a redução de sua duração para três anos.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil, o ato viola as determinações da Lei n.º 9.131/95, uma vez que o Parecer e o projeto de resolução a respeito das diretrizes curriculares para o curso de Direito, “são de tal modo vagos que permitem, em verdade, que os estabelecimentos de ensino definam, como quiserem, o conteúdo do curso de Direito, cada qual estabelecendo quais são suas matérias profissionalizantes, quais as matérias da dogmática que ministrarão”.

No mandado de segurança, a OAB ressaltou que o curso de Direito está incluído dentre aqueles que se submetem à avaliação nacional, com base nos conteúdos mínimos estabelecidos para o curso e, bem assim, que “no sentido de reunião dessas matérias consagradas até mesmo na Constituição, que se encontra, nas várias leis que tratam das carreiras jurídicas, a exigência de bacharelado de Direito para o fim de investidura em cargos públicos”.]

O ministro Franciulli Netto concedeu a liminar considerando que é evidente a plausibilidade do direito invocado pelo Conselho Federal da OAB, uma vez que tanto a legislação infraconstitucional como as determinações da Constituição Federal caminham no sentido de garantir a qualidade dos cursos jurídicos, diante da sua indispensabilidade para a proteção dos direitos individuais e sociais do povo brasileiro.

“Nunca se pode olvidar, pois, da importância da figura do advogado e dos demais profissionais da área jurídica na sociedade contemporânea, circunstância que acarreta, necessariamente, sensível aumento na demanda por cursos jurídicos, mas que não pode servir de mote para se prestigiar a quantidade em lugar da qualidade”, destacou Franciulli Netto.

Leia o mandado de segurança impetrado pela OAB


Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, por meio de seu advogado (doc. 01 e 02), vem, respeitosamente, impetrar

MANDADO DE SEGURANÇA,
com pedido de liminar,

contra ato do Ministro de Estado da Educação, agente da União Federal, com endereço no Ministério da Educação, na Esplanada dos Ministérios, bloco L, em Brasília, Distrito Federal, que, ao homologar o Parecer 146/2002 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação instituindo Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito e aprovar as minutas de resolução que o acompanham (doc. 03), revogou o currículo mínimo do curso de Direito e possibilitou que sua duração se limite a três anos.

Por meio do ato coator, consistente em despacho publicado em 13 de maio de 2002 no Diário Oficial, a Ministra de Estado da Educação interina homologou o Parecer nº 146/2002 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação e aprovou os projetos de resoluções (que são após a aprovação pelo Ministro expedidas pelo próprio Conselho Nacional de Educação) que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design.

O parecer da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (doc. 04), com o projeto de resolução relativo ao curso de Direito que o integra e normatiza suas orientações (doc. 05), pretendeu revogar a Portaria 1.886/94 (doc. 06) que estabelece o currículo mínimo para o curso de Direito. Parecer e projeto de resolução aprovados pelo ato atacado neste mandamus estabeleceram que, a partir de agora, o currículo do curso de Direito deverá ser elaborado pelas Instituições de Ensino Superior, universitárias e não-universitárias, o qual deverá observar apenas as Diretrizes Curriculares Nacionais que o parecer e o projeto de resolução pretenderam definir.

Estabeleceu o projeto de resolução homologado pela Senhora Ministra da Educação interina:

Resolução

“Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências”

(...)

“Art. 1o O currículo do curso de graduação em Direito, a ser elaborado pelas Instituições de Ensino Superior, universitárias e não-universitárias, observará as Diretrizes Curriculares Nacionais, o disposto nesta Resolução e no Parecer CES/CNE n. 146/2002.”

“Art. 12 Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Portaria 1.886/94 e demais disposições em contrário.”

As Diretrizes Curriculares Nacionais, por sua vez, referidas no artigo 1º supra transcrito e que doravante servirão para a elaboração do currículo pelas instituições de ensino, foram definidas, pelo projeto de resolução aprovado, no que concerne ao conteúdo das matérias (copiando literalmente parte do Parecer CES/CNE n. 146/2002), nos seguintes termos:

“Art. 10 Os cursos de graduação em Direito deverão contemplar, em seus projetos pedagógicos e em sua organização curricular, conteúdos que atendam aos seguintes eixos interligados de formação:

I – Conteúdos de Formação Fundamental, que tem por objetivo integrar o estudante no campo do Direito, estabelecendo ainda as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo estudos que envolvam a Ciência Política (com Teoria Geral do Estado), a Economia, a Sociologia Jurídica, a Filosofia e a Psicologia Aplicada ao Direito e a Ética Geral e Profissional;

II – Conteúdos de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação do Direito, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência Jurídica e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais;

III – Conteúdos de Formação Prática, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o estágio curricular durante o qual a prática jurídica revele o desempenho do perfil profissional desejado, com a devida utilização da Ciência Jurídica e das normas técnico-jurídicas.”

Essa lacônica e omissa regulamentação, que não indica quais as matérias mínimas e elementares que o curso de Direito deverá ter, no que concerne a parte profissionalizante, limitando-se a fixar as matérias do básico, substituiu a Portaria 1.886/94, que definia, além de um período mínimo de cinco anos letivos para o curso de Direito, as matérias dogmáticas do curso; verbis:

Portaria nº 1.886

“Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico”

Art. 1º O curso jurídico será ministrado no mínimo de 3.300 horas de atividades, cuja integralização se fará em pelo menos cinco e no máximo oito anos letivos.

Art. 6º O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá as seguintes matérias, que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso:

I – Fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica). Ética (geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado);

II – Profissionalizantes: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional.

Parágrafo único. As demais matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o currículo pleno de cada curso, de acordo com as peculiaridades e com a observância de interdiciplinariedade.”

Não bastasse o fim do currículo mínimo e sua substituição por diretrizes lacônicas e omissas, o projeto de resolução homologado pela autoridade coatora entendeu por bem ainda prescrever que a duração mínima do curso de Direito deverá obedecer o teor do Parecer 100/2002 do Conselho Superior de Educação, o qual, por sua vez, a fixa em 3 anos, dos quais praticamente um deles (um dos anos) deverá ser destinado a atividades práticas e acadêmico-culturais extra-classe.

De fato. Por meio do artigo 11 do projeto de resolução homologado pelo Ministro da Educação, e ora fustigado, prescreveu-se a subordinação da carga horária e do tempo de integralização curricular ao Parecer 100/2002:

“Art. 11 A definição do curso de graduação, a carga horária e o tempo de integralização curricular, de acordo com os regimes acadêmicos previstos no art. 3o desta Resolução, serão estabelecidos no projeto pedagógico do curso e na organização curricular, de acordo com Resolução específica da Câmara de Educação Superior, na forma do parecer CES/CNE 583/2001, aprovado em 04/04/2001, e observados, pelo menos, os mínimos constantes do Parecer 100/2002, de 13/03/2002, respeitados os padrões internacionais, a experiência acumulada e os acordos internacionais de equivalência de cursos.”

Por sua vez, o Parecer 100/2002 (doc. 07), tanto em seu próprio texto, como na resolução que o acompanha, estabeleceu:

“Art. 1o Na definição da carga horária dos cursos de graduação devem ser considerados padrões nacionais e internacionais consolidados para cada curso, a legislação brasileira incidente no ensino e acordos internacionais de equivalência de curso.

Art. 2o A carga horária dos cursos de graduação será efetivada, no mínimo, em 3 (três) anos letivos, distinguindo-se curso diurno e noturnos, respeitadas as condições explicitadas no Art. 1o .

Art. 3o A articulação teoria-prática realizada mediante pesquisa, estágio ou intervenção, supervisionada abrangerá o percentual máximo de 15 % da carga horária estabelecida para o curso, ressalvando-se as determinações legais específicas.

Art. 4o O projeto pedagógico de cada curso deverá prever o percentual máximo de 15% da carga horária estabelecida em atividades complementares de natureza acadêmico-culturais extra-classe.”

Toda essa radical alteração do ensino jurídico pátrio, segundo o parecer homologado pelo despacho fustigado no presente mandado de segurança, decorreria das Leis 9.131 e 9.394, as quais teriam atribuído à Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação competência para a elaboração do projeto de Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, cujo escopo seria orientar os cursos de graduação, afastando o modelo de currículo mínimo. Disse o parecer que o sistema de currículo mínimo até então vigente não se mostrava mais adequado e que deveria ser substituído; verbis:

“Por estas e outras razões, serviram os currículos mínimos para estabelecer um patamar uniforme entre cursos de instituições diferentes, inclusive quanto à carga horária obrigatória, que prevalecia sobre a complementar e optativa, além da inexigência, em alguns cursos, de implementação profissional através de estágio.

O modelo de currículos mínimos implicava elevado detalhamento de disciplinas e cargas horárias, a serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser reconhecido o curso, ou até não ser autorizado quando de sua proposição, o que inibia as instituições de inovar projetos pedagógicos, na concepção dos cursos existentes, para atenderem às exigências de diferentes ordens.

Desta forma, os currículos mínimos profissionalizantes, rigidamente concebidos na norma, para serem observados nas instituições, não mais permitiam o alcance da qualidade desejada segundo a sua contextualização no espaço e tempo. Ao contrário, inibiam a inovação e a diversificação na preparação ou formação do profissional apto para a adaptabilidade !...

Com a publicação da Lei 9.131, de 24/11/95, o art. 9o, § 2o , alínea “c”, conferiu à Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação a competência para ‘a elaboração do projeto de Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, que orientarão os cursos de graduação, a partir das propostas a serem enviadas pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação ao CNE’ , tal como viria a estabelecer o inciso VII do art. 9o da nova LDB 9.394/96, de 20/12/96, publicada em 23/12/96.”

Com suposto apoio em tais leis, e a partir de procedimento iniciado em 1997, com o Edital 004/97 (doc. 08), por meio do qual foram instadas as Instituições de Ensino Superior a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares, acabou por ser exarado o parecer e o projeto de resolução que foram homologados por despacho da Senhora Ministra da Educação interina, cuja invalidação se pede no presente writ.

Do cabimento do presente writ

A homologação do Parecer n. 146/2002, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, que aprova os projetos de resolução que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Direito, sujeita-se a controle jurisdicional por meio de mandado de segurança, uma vez que se trata de ato de efeitos concretos.

De fato, o ato não é normativo, mas verdadeira e declarada autorização concedida pelo Poder Público aos estabelecimentos de ensino para que elaborem seus currículos de Direito com apoio nas lacônicas e omissas “diretrizes”.

Sendo ato de efeitos concretos, enseja o despacho ataque por meio de mandado de segurança, como entende a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. Verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA 6107/DF
DJ 08/03/2000, PG:00039
Relator: Min. GARCIA VIEIRA
Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO

Ementa
“PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - DECADÊNCIA - PORTARIA. Irradiando efeitos concretos, a Portaria nº 820/98/MJ é passível de sofrer impugnação por via do mandado de segurança, respeitando-se o lapso decadencial de 120 dias, contados da data de sua publicação.”

RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA 21334 / DF
Relator Min. PAULO BROSSARD
Publicação DJ DATA-23-09-94 PP-25330
SEGUNDA TURMA

Ementa

“EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Artigo 102, inciso II, alínea "a", CF. Portaria do Ministro do Trabalho e da Previdência Social. Fixação de jornada de trabalho de servidores do INSS. Norma em tese. Desdobramento probatório incabível na via do "writ". Acórdão que não conheceu de mandado de segurança coletivo.

Alteração unilateral do contrato de trabalho. Artigos 5., inciso XXXVI, e 7., inciso VI, CF.

Cabimento do mandado de segurança. Ato administrativo de efeitos concretos. Desnecessidade de produção de provas.

Competência da Turma para julgamento dos recursos ordinários interpostos de decisões denegatórias de mandado de segurança impetrado originariamente perante Tribunal. Precedentes do STF: RMS 21.335, 21.355, 21.366, 21.300, 21.362, 21.421, 21.481, 21.387, 21.469, 21.364, 21.505.

Recurso conhecido e provido, para que prossiga o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Mandado de Segurança.”

Da legitimidade para o ajuizamento do presente mandamus

Patenteia-se a legitimidade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para mover o presente mandado de segurança, tendo em vista o contido nos artigos 8o, II; 44, I e 54, XV, da Lei 8.906, Estatuto da Ordem dos Advogados:

“Art. 44 A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”

“Art. 54 Compete ao Conselho Federal:

XV – colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos”

“Art. 8o Para inscrição como advogado é necessário:

II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;”

A Lei 8906, ao conferir à Ordem dos Advogados do Brasil o poder/dever de pugnar pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (art. 44, I), bem como ao lhe atribuir, através de seu Conselho Federal, a competência para colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos (art. 54, XV), permite-lhe impugnar, por meio do presente mandado de segurança, o ato ministerial que homologou o Parecer 146/2002 e o projeto de resolução que o acompanha, nas partes que tratam do curso de Direito. Isso porque tal ato atenta contra a cultura, as instituições jurídicas e os cursos de Direito.

A possibilidade, por outro lado, de as instituições superiores de ensino jurídico estabelecerem seus currículos, alterando-os, atenta contra o direito que a Ordem tem de opinar sobre a criação de cursos de Direito. Com efeito, quando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil opina previamente acerca da criação e reconhecimento dos cursos de Direito, ele o faz fundado, dentre outros fatores, no currículo apresentado, currículo que se lastreia no sistema até agora vigente de currículo mínimo estabelecido pelo MEC. Ora, aberta a possibilidade de que cada instituição elabore seu próprio currículo, todos os pareceres da Ordem dos Advogados do Brasil, exarados em face das prescrições do artigo 54, XV, da Lei 8906 restam sem sentido, na medida em que foram proferidos com apoio no exame de currículo não mais existente, de currículo que pode ser alterado ao bel-prazer da instituição de ensino. Seu direito de opinar resta, assim, esvaziado, denegrido e deturpado, ensejando, até mesmo, a causar prejuízo a terceiros, posto que, se porventura, manifestara-se favoravelmente a uma entidade, hoje, em face do novo quadro, tal orientação, que sem dúvida alguma serve aos estudantes na escolha de seus cursos, não reflete mais a situação do curso avaliado.

Sob outra vertente, a Lei 8906 (estatuto da Ordem), ao prescrever que a Ordem dos Advogados compõe-se de graduados em Direito (art. 8o , II), permite ao impetrante impugnar todos os atos tendentes a desnaturar o sentido e alcance dos termos “graduação em direito” empregados em sua lei de regência. Sendo direito seu compor-se de autênticos graduados em Direito, qualquer ato que venha a descaracterizar o sentido próprio de tal expressão vulnera-lhe direito e permite o manejo de mandado de segurança.

Do mérito

O despacho da Senhora Ministra da Educação interina que homologou o Parecer 146/2002 e o projeto de resolução relativo ao curso de Direito padece de vícios que estão a exigir seja ele declarado inválido.

O ato impugnado não tem apoio legal. O parecer e a resolução por ele aprovados atentam contra os ditames das normas legais nas quais supostamente se baseiam.

A Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995, referida no parecer como fundamento do decidido, ao dar nova redação ao artigo 9o da Lei 4.024, de forma alguma permitiu fosse editado o ato nos termos em que restou prolatado. Com efeito, prescreve a norma citada, acerca dos órgãos que compõem o Conselho Nacional de Educação:

“As Câmaras emitirão pareceres e decidirão, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno.

§ 2o São atribuições da Câmara de Educação Superior:
...
c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação”

Ora, diretriz, definem os léxicos, é “um esboço, em linhas gerais, de um plano, projeto”, isto é, uma “diretiva” ou “uma norma de procedimento, conduta” (Cf. “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, verbete diretriz); “é um conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio , etc” (Cf. “Dicionário Aurélio”, verbete diretriz).

O parecer e projeto de resolução homologados não se constituem, data venia, como uma diretriz. São de tal modo vagos que permitem, em verdade, que os estabelecimentos de ensino definam, como quiserem, o conteúdo do curso de Direito, cada qual estabelecendo quais são suas matérias profissionalizantes, quais as matérias da dogmática que ministrarão. Não dá nenhum rumo a previsão de elaboração de currículo segundo “Conteúdos de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação do Direito, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência Jurídica e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais.” A indeterminação do conteúdo, a lacunosidade manifesta do parecer e do projeto de resolução com ele aprovado pela Senhora Ministra interina da Educação evidenciam que o ato distanciou-se da lei, ao contrário de a ela dar cumprimento.

A ilegalidade evidencia-se, aduza-se, quando se atenta para o que estabelece o artigo 9o da Lei 9.394, norma posterior à Lei 9131, citada no parecer como sendo também seu fundamento legal; verbis:

“Art. 9o A União incumbir-se-á de:#
...
#
#VII – baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação”##

Há imposição normativa no sentido de que cabe à União editar normas gerais acerca dos cursos de graduação, o que, a toda evidência, afasta a possibilidade de atribuição às instituições de ensino do conteúdo dos currículos, especialmente sem qualquer diretriz. Exige a lei uma orientação geral, a qual não é, evidentemente, aquela vaga e lacônica contida no parecer e na resolução.

A bem da verdade, a delegação às Instituições de Ensino Superior que o ato coator perpetrou, a atribuição a tais estabelecimentos do poder de definir as matérias profissionalizantes do curso, atentou contra o caráter nacional que os cursos superiores detêm no país, dentre eles o curso de direito.

Com efeito, ao prescrever o artigo 17 do Decreto 3.860 (doc. 09) da lavra de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República (acerca do chamado “provão” dos cursos superiores), que há uma “avaliação dos cursos superiores, mediante a análise dos resultados do Exame Nacional de Cursos...”, estabeleceu-se a virtual impossibilidade de que cada curso superior possa fixar seu currículo, definindo as matérias que o integram. É curial. Sendo nacional a avaliação, resta patente que não poderá cada curso examinado por meio da aplicação de provas aos seus alunos deter um currículo diferente. A unidade da avaliação impõe a unidade do conteúdo daquilo que é avaliado.

A propósito, aduza-se, a Lei 9.131 (doc. 10), de 24 de novembro de 1995, cuja vigência foi mantida pela Lei 9.394, em seu artigo 92, estabeleceu, em seu artigo 3o que os procedimentos de avaliação dos cursos “incluirão, necessariamente, a realização, a cada ano, de exames nacionais com base nos conteúdos mínimos estabelecidos para cada curso, previamente divulgados e destinados a aferir os conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de graduação”, o que está a indicar, sem margem para dúvidas, que há, do ponto de vista legal um currículo mínimo, que não pode ser substituídos pelas tais “diretrizes”.

Até mesmo da própria Constituição Federal decorre a impossibilidade de livre definição dos currículos pelos milhares de estabelecimentos de ensino de Direito. Direito tem sentido próprio, constitucional. O artigo 22, I, da Lei Fundamental ao referir-se à competência da União está a dizer que existe um direito civil, processual, penal, trabalhista etc, com sentido específico e imutável por vontade dos estabelecimentos de ensino, cujo conjunto define o curso de Direito. Não há liberdade para os cursos de Direito se estruturarem com essas, aquelas ou nenhuma daquelas matérias. Direito impõe o estudo de todas elas, pena de não haver curso Direito.

Aliás, é nesse sentido, no sentido de reunião dessas matérias consagradas até mesmo na Constituição, que se encontra, nas várias leis que tratam das carreiras jurídicas, a exigência de bacharelado em Direito para o fim de investidura em cargos públicos. Bacharel, para todas essas normas, sejam aquelas que regulam o ingresso nos quadros da magistratura, ministério público, procuradorias federais e estaduais ou OAB (dentre tantas outras), é apenas aquele que estudou as matérias que compõem o universo do Direito. Não são bacharéis aqueles que venham a estudar algumas ou nenhuma daquelas matérias, ainda que o Ministério da Educação entenda que são, porque cumpriram os tais currículos que os estabelecimentos de ensino definiram com apoio nas lacunosas diretrizes. Não forma bacharéis em Direito curso de três anos, no qual um dos anos é dedicado a atividades de “teoria-prática” e de “natureza acadêmico-culturais extra-classe” (artigos 3o e 4o da resolução que acompanha o Parecer 100 referido no Parecer 146/2002, fustigado neste mandado ao se impugnar o despacho que o homologou).

Assinale-se ainda. O parecer e a resolução, assim como o despacho que os homologou, fugiram à própria regulamentação a que se subordinaram. O Edital n. 04, de 10 de dezembro de 1997, previra que “a discussão das Diretrizes Curriculares” deveria “ser realizada de forma a integrar ampla parcela da comunidade interessada, legitimando o processo de discussão”. Estabelecera que seria “desejável a integração das IES com as sociedades científicas, ordens e associações profissionais, associações de classe, setor produtivo e outros setores envolvidos, por meio de seminários, encontros, workshops e reuniões”.

Em resposta porém a requerimento formulado pela Ordem dos Advogados do Brasil (doc. 11), no qual se pedira certidão especificando o modo de convocação desses tais amplos segmentos sociais e institucionais, mencionando-se “o ato específico dessa convocação, a pauta da discussão, as atas correspondentes ao debate das diretrizes dos cursos de direito”, o Senhor Secretário Executivo do Conselho Nacional de Educação deixou de certificar o requerido, limitando-se a pronunciar-se de modo, mais uma vez, vago e genérico sobre a tal participação (doc. 12). Isso porque não ocorreram as tais convocações ou reuniões. O processo de elaboração das Diretrizes transcorreu em ambiente notoriamente divorciado daquele preconizado pelo Edital. Foi, em verdade, um processo fechado, sem que se abrisse às instituições interessadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil, oportunidade para discutir as linhas gerais do projeto. Debalde, aguardou-se convocação para uma audiência pública, prevista no Edital 04, em que seriam sistematizadas as sugestões previamente oferecidas. O Conselho Nacional de Educação preferiu não realizar aquele ato, frustrando a expectativa dos interessados e a todos surpreendendo, de repente, com a publicação do malsinado parecer.

Ao desvincular-se o parecer e a resolução do Edital n. 04, exsurgiu a invalidade de ambos (do parecer e da resolução), assim como do ato do Ministro que os homologou, uma vez que estavam jungidos ao ato prévio que inaugurou o procedimento administrativo que culminou com o despacho ministerial. Maculou-se o devido processo legal.

Dessa circunstância, aliás, qual seja, a circunstância de não ter havido em verdade a tal ampla participação da sociedade, decorre outra ilicitude. O Parecer n. 146/2002 declara e enfatiza que o estabelecimento das Diretrizes Curriculares fez-se com “ampla participação dos setores públicos e privados em seminários, fóruns e encontros de debates”. Na medida, porém, em que isso não ocorreu, especialmente com a amplitude mencionada, vicia-se o ato fustigado, uma vez que “a invocação de motivos de fato falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11a edição, p. 286), ante os ditames da teoria dos motivos determinantes.

A pretensão do parecer, do projeto de resolução e do despacho que os homologou, de revogar a Portaria 1886/94, acabando com o currículo mínimo nacional do curso de Direito não pode colher frutos. Trata-se de intento viciado e ilegal. Aspiração que agride o princípio da razoabilidade (afastado que se encontra o ato dos fatos que supostamente o motivam); padece até mesmo de vício de forma, na medida em que por meio da resolução do Conselho Nacional de Educação, ainda que aprovada e homologada por ato do Ministro, não se pode revogar ato anterior e próprio de Ministro, qual seja, a Portaria 1886/94.

O ato fustigado no presente writ agride o curso de Direito e a cultura e as instituições jurídicas. Por outro lado, atenta contra o sentido de bacharel em Direito, atingindo desse modo a qualificação de todos aqueles que pretendem ingressar nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ilegítimo, como é, está a merecer declaração de invalidade.

Da liminar

Impõe-se a concessão de medida liminar. A adoção pelos milhares de estabelecimentos de ensino superior de currículos de Direito segundo suas próprias conveniências acarretará prejuízos incalculáveis para o aperfeiçoamento da cultura, das instituições jurídicas e seu curso. Acaso não concedida a medida liminar, vestibulares poderão vir a ser realizados e alunos ingressarão em cursos com currículos que serão após invalidados. Há de se manter até decisão final do presente writ a regulamentação vigente até a homologação do Parecer 146/2002, bem como de seu projeto de resolução. A não concessão da liminar poderá ensejar, com a concessão final da segurança, na perda por parte dos estudantes dos cursos que se abrirão fundados nos novos currículos, das aulas cursadas e das mensalidades pagas; esse prejuízo, que se agravará a cada mês, urge ser evitado.

Mantido o despacho homologatório, os pareceres do Conselho Federal, assinale-se ainda, emitidos com apoio no artigo 54, XV, da Lei 8906, que orientam os estudantes, quando vão decidir acerca de qual curso realizar, serão esvaziados, tornados sem valor, e acabarão por conferir aos pretendentes aos cursos uma falsa opinião da Ordem acerca deles (dos cursos), podendo até mesmo causar prejuízos, uma vez que se referirão a uma realidade, a um curso com um determinado currículo, que não mais existe.

Tudo isso acarreta dano grave de impossível reparação ao ensino do Direito como um todo, bem como ao aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, os quais cabe à Ordem dos Advogados defender, nos termos do que estabelecem os artigos 44, I e 54, XV, da Lei 8.906.

Do pedido

Por todo o exposto, pede o impetrante seja concedida liminar para suspender os efeitos da homologação do Parecer 146/2002 CES/CNE, bem como do projeto de resolução que o acompanha, realizada por meio de despacho da Senhora Ministra de Estado da Educação, interina, publicado no Diário Oficial da União do dia 13 de maio de 2002, na parte que trata do curso de Direito.

Ao final, pede o impetrante seja concedida a ordem para declarar a nulidade do despacho da Senhora Ministra de Estado da Educação, interina, publicado no Diário Oficial da União do dia 13 de maio de 2002 que homologou o Parecer 146/2002 CES/CNE, bem como do projeto de resolução que o acompanha , na parte que trata do curso de Direito.

Requer seja oficiada a autoridade apontada como coatora para prestar informações no prazo legal no endereço supra citado.

Dá à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Brasília, 09 de setembro de 2002.

Paulo Roberto de Gouvêa Medina
OAB MG 7221

Marcelo Mello Martins
OAB DF 6541

Recomendar

Relatar erro

O objetivo desta funcionalidade e de reportar um defeito de funcionamento a equipe técnica de tecnologia da OAB, para tal preencha o formulário abaixo.

Máximo 1000 caracteres