CNDH: Estatuto faz 16 anos com pouco a comemorar
Rio de Janeiro, 14/07/2006 - Dezesseis anos após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), advogados e magistrados que atuam na área da infância e juventude dizem que a lei ainda não é aplicada. O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CNDH) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Edísio Souto, afirmou que não há motivos para comemorar o aniversário do ECA. Instituído pela Lei da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o conjunto normativo teve como objetivo estabelecer os mecanismos de proteção aos menores em situação de risco. Porém, na avaliação do advogado, a sensação é a de que nada do que a lei prevê foi realizado no período.
"O ECA é bom, mas sua implementação está distante. Atribuo isso à cultura da sociedade de tratar o menor infrator como bandido, mas o fato é que o Estado não assumiu o compromisso que tinha. É o aniversário do Estatuto, mas não temos o que comemorar", criticou Souto.
A presidente da comissão que trata dos assuntos da criança e do adolescente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Tânia da Silva Pereira, tem igual opinião. A advogada atacou o fato de medidas importantes não terem saído do papel, entre elas a implementação, pelos munIcípios, de conselhos tutelares e a criação, pelo Judiciário, de um sistema de apoio às crianças vítimas de violência sexual e doméstica. Tânia criticou ainda a falta de mecanismos de controle do trabalho infantil doméstico. "O problema não é a lei. Seria injusto dizer que o ECA é ineficiente. O problema é que ele ainda não foi implantado plenamente", disse.
Na avaliação do juiz auxIliar da corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), responsável pela área da infância e juventude da corte, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, o ECA não foi completamente implantado devido à incapacidade da sociedade em modificar os conceitos introduzidos pela legislação. "O Estatuto é muito avançado. Demanda uma mudança de mentalidade da sociedade no que diz respeito ao tratamento dispensado aos menores. E isso demora", explicou o magistrado, ressaltando, porém, que a norma conseguiu atingir, de certa forma, seus objetivos.
"O ECA, por ser uma legislação aberta, não ficará velha. É aplicável às situações atuais. Além disso, fez com que as pessoas que trabalham na área tentassem melhorar apesar das dificuldades. Em São Paulo, por exemplo, onde todos falam mal da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, existem unidades que prestam um bom serviço", destacou. De acordo com o magistrado, é preciso pôr o ECA em prática. Ele destacou que a medida esbarra na questão orçamentária. "É preciso criar mais varas especializadas, implantar equipes técnicas que possam auxIliar os juízes. Essas ações são fundamentais, mas, em muitos casos, esbarram na falta de orçamento", disse.
Para a presidente da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, Marta Tonin, apesar dos contratempos, o ECA conseguiu desempenhar seu papel. "O Estatuto conseguiu mobilizar as instituições de forma a promoverem a luta pelos direitos da infância e da juventude", destacou a advogada, reafirmando a necessidade de o estado desenvolver políticas públicas de apoio ao menor. Entre elas, as que proporcionem acesso à educação e à saúde.
Outro ponto destacado por Marta Tonin é a adoção de medidas que visam à reestruturação das unidades destinadas à internação de adolescentes infratores. Pesquisa feita pela OAB em parceria com o Conselho Federal de Psicologia em 30 estabelecimentos, de 22 estados brasileiros, mostrou que a grande maioria deles serve apenas para contenção e encarceramento de menores, fato, que na prática, comprova a redução da maioridade penal.
O levantamento comprovou a existência de espancamento em 17 unidades vistoriadas e a falta de assistência jurídica aos jovens internados. Quanto à escolarização, as visitas constataram a inexistência de qualquer programa pedagógico em, pelo menos, cinco unidades. Segundo a advogada, a pesquisa, realizada em março, será lançada agora nas Seccionais da OAB. "Assim elas poderão acompanhar a situação da unidade de internação de sua região", afirmou.
Medidas sócio-educativas
Em comemoração aos 16 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Câmara dos Deputados lançou ontem, por meio de teleconferência com todas as Assembléias Legislativas do País, o Sistema Nacional de Aplicação de Medidas Sócio-Educativas (Sinase). De acordo com a presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Marta Tonin, o sistema tem como objetivo orientar prefeitos e governadores sobre a competência dos municípios e estados quanto à aplicação de medidas sócio-educativas ao menor infrator.
A advogada, que participou do lançamento, explicou que Sinase estabelece as diretrizes para a criação de unidades destinadas à internação de jovens infratores, bem como para aplicação de medidas abertas, como a prestação de serviço à comunidade. "Trata-se de um documento que orienta o estado e município acerca de como agir em relação ao ato infracional", destacou Marta Tonin. A reportagem é de Giselle Souza e foi publicada na edição de hoje do Jornal do Commercio (RJ).