OAB: advogado é instrumento da sociedade e não da bandidagem
Brasília, 17/05/2006 - O advogado não pode servir de instrumento ou de porta-voz de bandidos; mas também não pode ser tratado como o marginal e nem culpado pela crise na segurança pública, passando a sofrer constrangimentos inadmissíveis numa democracia. As afirmações foram feitas hoje (17) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, durante entrevista a jornalistas no Senado Federal, onde acompanhou a sabatina da jurista Cármen Lúcia Antunes Rocha, indicada para ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). Busato repudiou as propostas de fiscalização sobre o advogado no exercício de suas funções, salientando que quem deve ser rigorosamente fiscalizado é o preso, após todos os seus contatos e entrevistas. “O advogado é instrumento da sociedade civil, representa o direito de defesa, previsto no Estado democrático de Direito”.
“Não vamos admitir que advogados sejam porta-vozes da bandidagem, pois eles têm uma missão muito mais sagrada e mais solene”, afirmou. Mas salientou que a entidade também não admite fiscalização ou monitoramento nas comunicações do advogado com seus clientes, por entender que tais medidas configurariam quebra do princípio constitucional e legal que assegura o sigilo funcional no relacionamento com o cliente. “Somos contra essas tentativas porque isso não resolve a situação e porque o marginal é aquele que está preso, e não o advogado”, salientou.
O presidente nacional da OAB conclamou a sociedade a denunciar os advogados que estejam delinqüindo ou venham a cometer falta ética, para que a OAB possa puni-los. Mas observou que a grande maioria da categoria “não age fora dos princípios éticos e da boa conduta”. Ele observou que numa categoria com 520 mil profissionais, pode haver desvios, “mas todas as denúncias que a Ordem recebe são apuradas e penalizados aqueles que agem fora do que prevê o Estatuto da Advocacia”.
Busato garantiu, contudo, que a OAB não está fechada à discussão com a sociedade sobre eventual projeto de lei destinado a fiscalizar e monitorar o trabalho da advocacia nos presídios, como estaria sendo cogitado no Congresso Nacional. “A Ordem analisará isso com a maior tranqüilidade; nós estamos ao lado da sociedade brasileira e, se houver fundamento científico para que haja essa medida de limitação, nós vamos escutar e discutir com a sociedade”, observou.
A seguir, a íntegra da entrevista coletiva concedida pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato:
P - Depois dessa onda de criminalidade por que passou São Paulo, o Congresso Nacional vem se mobilizando para a aprovação de projetos. Ontem, o ministro Márcio Thomaz Bastos (da Justiça) se manifestou com preocupação a respeito dessa “onda” de votação, à qual chamou de “legislação do pânico”. É arriscado votar projetos de lei no afogadilho?
R - A votação pode ser uma votação emergencial e de afogadilho, mas os projetos que estão sendo votados são projetos que há muito tempo estão em discussão na Casa. Portanto, é legítima a preocupação, hoje, do Congresso Nacional no sentido de se tentar endurecer um pouco mais a situação penitenciária brasileira, já que por parte do governo federal não houve qualquer tipo de sensibilidade em mudar todo esse estado de coisas. O que nós não podemos aceitar de jeito algum é que a culpa seja colocada em cima do advogado. O advogado é um instrumento da sociedade civil. Ele representa o direito de defesa, previsto no Estado Democrático de Direito. Portanto, nós devemos prestigiar o Estado Democrático de Direito e não um estado de exceção.
P - Mas existem desvios na conduta de alguns profissionais da advocacia?
R - Há, evidentemente que sim. Somos 520 mil advogados. Evidentemente que em uma corporação dessa amplitude existem os maus profissionais. Agora, a OAB está aberta a toda a sociedade civil no sentido de receber as denúncias daqueles que delinqüirem e, assim, penalizá-los com todo o rigor. Nós não podemos admitir que advogados sejam portadores de qualquer tipo de instrumento ou atuem como porta-vozes da bandidagem. Os advogados têm uma missão muito mais sagrada e muito mais solene do que ser porta-voz de bandido.
P - A idéia aqui no Senado é aprovar a revista, impedir a entrada de aparelhos celulares nas prisões, impedir a comunicação direta dos presos, limitar a vista aos presos perigosos em uma vez por mês, o que se pretende fazer, também, com as visitas dos advogados. O senhor é a favor disso?
R - Não. Somos contra porque isso não resolve a situação. Somos contra porque o marginal é aquele que está preso e não os visitantes. É sobre ele que tem que recair a fiscalização mais rigorosa. Somos contra porque a grande maioria dos advogados não atua fora do princípio ético e da boa conduta. Nós somos contra toda e qualquer quebra do regime da isonomia. Não se fala em revistar juízes. Não se fala em revistar padres. Não se fala em revistar os familiares dos presidiários. Nós somos favoráveis, sim, a uma rigorosa fiscalização do preso. É ele quem está no estabelecimento do Estado, sob a sua guarda. Foi ele quem delinqüiu e, por isso, tem que haver sobre ele a segurança do Estado. É o preso quem está alheio à sociedade brasileira.
P - Por que esses profissionais que advogam para o crime organizado não receberam pena até hoje?
R - Vários advogados foram apenados e todos os que têm conhecimento de algum advogado agindo fora do padrão ético deve denunciá-lo à Ordem dos Advogados do Brasil. Todas as denúncias que recebemos são apuradas e estamos penalizando sim aqueles que agem fora do que prevê o Estatuto da OAB e da Advocacia.
P - Por que é uma ofensa a um advogado ser revistado?
R - Porque é ofensivo dentro do Estado de Direito todo e qualquer tipo de constrangimento pessoal.
P - Mas se eu vou fazer uma matéria eu sou revistada. Se eu passo no aeroporto eu sou revistada...
R - O advogado também é fiscalizado, não revistado, quando está no aeroporto. Agora, ele tem que se portar de acordo com qualquer cidadão que aja dentro de um estabelecimento público. Ele não pode ser excepcionalizado. Por que tem que haver a excepcionalização ao advogado? Por que a quebra do sigilo profissional do advogado?
P - Por que existe a suspeita que seja ele quem faz a ponte do criminoso com o mundo externo, levando aparelhos celulares, por exemplo....
R - A suspeição não implica em condenação. A suspeição não implica na verdade geral. Se há suspeição, deve-se denunciar aquele advogado, fazendo a capitulação necessária da forma em que agiu contrariamente à lei para que nós, aí sim, assumamos a responsabilidade de dar uma satisfação à sociedade.
P - O Congresso Nacional aprovando uma medida dessa natureza, como a OAB vai reagir?
R - A Ordem analisará a questão com toda a tranqüilidade. Nós estamos ao lado da sociedade brasileira. Evidentemente, se houver um fundamento científico para que haja, a partir de agora, qualquer tipo de limitação, nós vamos estudar e discutir com a sociedade esta matéria.
P - O senhor desaprova, então, um rigor maior à revista dos visitantes?
R - Sim. A revista tem que ser bastante rigorosa, mas com relação ao presidiário. Esse sim tem que sair do local em que teve a entrevista seja com um parente, com seu filho, com sua esposa, com seu médico, com um padre ou com o advogado e deve sofrer uma fiscalização absolutamente rigorosa. Os demais devem receber a fiscalização adequada ao Estado Democrático de Direito, respeitando-se os direitos individuais e os direitos profissionais.
P - E quanto ao isolamento do preso perigoso, o senhor é a favor?
R - O isolamento do preso, quando este atinge uma periculosidade tal que não possa nem mesmo conviver com os demais dentro da própria prisão, pode sim ser aplicado em caráter excepcional, sem dúvida nenhuma.