OAB e MEC fecham cerco a cursos de Direito no país
Maceió, 26/02/2006 - Roberto Busato é o mais jovem advogado a presidir a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade que substituiu o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), tendo sido criada em 18 de novembro de 1930, com a assinatura de Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório que assumiu o poder depois da Revolução 30 e do surgimento do Estado Novo.
Desde então, a entidade passou a atuar como caixa de ressonância da advocacia brasileira, usando sua legitimidade para defender princípios como a igualdade perante a Justiça, cidadania e luta pelos direitos fundamentais da sociedade. A OAB, inicialmente, deu respaldo ao Golpe de 1964, que instituiu a ditadura militar no Brasil. Entretanto, pouco tempo depois, com a perseguição sofrida por dirigentes da entidade em diversos Estados, a OAB começou a vislumbrar a verdadeira face do regime, marcado pelo autoritarismo e por arbitrariedades cometidas pelos militares.
Afastada desse contexto ditatorial, mas envolvida em outro momento conturbado da história política nacional, com graves denúncias de corrupção contra autoridades tidas como inatingíveis, a OAB busca nos dias de hoje disciplinar a atuação dos profissionais, com ênfase na função social da atividade e sua influência junto às esferas de decisão no sentido de defender os princípios da democracia.
De passagem por Alagoas na semana passada, o atual presidente da OAB se deparou com uma situação polêmica: a edição de uma resolução do Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-AL) proibindo a circulação de adesivos com os nomes de pré-candidatos para as eleições deste ano. A medida provocou a reação de deputados federais e estaduais que se sentiram perseguidos pela resolução e culminou na prisão, por desacato à autoridade, de um advogado que até o mês de dezembro passado ocupava uma cadeira dentro do próprio TRE.
Na opinião de Roberto Busato, a medida, que acabou sendo suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última quinta-feira, tinha uma finalidade louvável, mas trazia em seu conteúdo um ponto preocupante: a instalação de mecanismos de censura prévia à imprensa local. Em entrevista ao repórter Petrônio Viana da Gazeta de Alagoas, Busato abordou esse e outros temas que envolvem a categoria.
P- Qual é a maior dificuldade encontrada hoje pelos advogados no mercado de trabalho?
R- A má distribuição da população e a má distribuição da renda são problemas sérios para a advocacia brasileira. Fizemos um levantamento e verificamos que a advocacia brasileira ainda consegue, no Sul e no Sudeste, se distribuir razoavelmente bem em termos de capital e interior. Mas no Nordeste e, principalmente, na Região Norte, vemos uma distorção muito grande, onde o mercado de trabalho só comporta advogados praticamente nas capitais dos estados. O interior praticamente não consegue absorver a gama de profissionais que se apresentam a cada ano para a advocacia. Portanto, essa má distribuição de renda é um dos meios que prejudicam a advocacia no mercado de trabalho. Também o número excessivo de bacharéis que são formados pelas universidades. Hoje estamos com um número de praticamente 120 mil bacharéis que são formados por ano nas faculdades de Direito, o que traz algum problema para o início da profissão. Mas o problema maior é a má distribuição de renda no País.
P- A formação dos grandes escritórios de advocacia também é um problema para a atuação dos profissionais?
R- Há uma transmutação de mercado. Os escritórios internacionais procuram adentrar no Brasil, prejudicando o mercado de trabalho dos grandes escritórios, que vão atrás do mercado dos médios escritórios, que absorvem o trabalho dos pequenos. Então, é um trabalho bastante predatório que está acontecendo. A Ordem está atenta a isso, tem uma legislação moderna em relação à advocacia globalizada e estamos permanentemente em discussão com relação a isso.
P- Qual é o posicionamento da OAB em relação ao ensino de Direito no Brasil. Ele é satisfatório?
R- O ensino está totalmente insatisfatório. Essa insatisfação é representada pelo próprio índice de reprovação no exame de Ordem. O exame é de aproveitamento, não é um exame de rejeição, como é o caso do concurso público para as funções da magistratura e do Ministério Público. O exame de Ordem é para aproveitar, para aferir o mínimo da capacidade que o bacharel de Direito tem para poder praticar a advocacia. Isso porque a Ordem também tem uma responsabilidade social com a população brasileira de aferir que aquele cidadão tenha condições de defender os seus direitos mais fundamentais. O ensino público ficou sucateado e o ensino privado ficou entregue nas mãos de empresas puramente mercantilistas, que não têm vocação para o ensino. Então, isso traz reflexos negativos na formação dos jovens brasileiros.
P- Alguma providência pode ser tomada no sentido de melhorar essa qualificação?
R- Estabelecemos um entendimento com o Ministério da Educação e Cultura [MEC], e a Ordem vai ser bastante rigorosa no exame das renovações de curso. Não só na criação dos cursos de Direito, mas na renovação que periodicamente os cursos têm que solicitar ao MEC, que procurará vincular o parecer da Ordem à continuação de faculdades de Direito que peçam a sua renovação por novo período. E aí poderemos fechar inúmeros cursos que não têm a mínima condição de formar bacharéis em Ciência Jurídica.
P- Qual a sua avaliação das recentes ações da Polícia Federal? As prerrogativas dos advogados têm sido desrespeitadas?
R- A Polícia Federal, em algumas ocasiões, não faz jus à boa fama que sempre teve perante à população brasileira. Em vez de cumprir um papel constitucional importante, um papel de segurança absolutamente fundamental, às vezes prefere ficar na pirotecnia, demonstrar um verdadeiro show e não uma efetividade no trabalho policial. Temos visto operações retumbantes, com os policiais fardados com roupas iguais à SWAT americana, tentando atemorizar ou mostrar uma imagem que não é absolutamente necessária que se mostre por parte da Polícia Federal. E, por vezes, descumpre disposições constitucionais, arranham as prerrogativas, a advocacia e assim ferem os direitos do cidadão brasileiro.
P- Na sua opinião, a prisão do advogado Fábio Ferrário, na última quarta-feira, foi irregular?
R- Ela é o exemplo desse estado de coisas. A Polícia Federal prende um advogado porque ele pretensamente estaria obstruindo o trabalho policial. Absolutamente. Foi aferido pela própria imprensa local que o advogado apenas orientou o seu constituinte que ele não era obrigado a fazer alguma coisa senão em função de lei. Ele não poderia ser obrigado a retirar o material tido como de infração eleitoral. A polícia sim poderia retirar esse material. E, ato contínuo, o policial despreparado prendeu o advogado e apreendeu também o veículo. E, curiosamente, ao advogado restou processar e o caminhão saiu com o mesmo material ilegal que a polícia queria que fosse retirado. Portanto, ela não protegeu a nós, apenas feriu o direito constitucional do advogado.
P- Qual é a sua opinião sobre a resolução do Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-AL), que proibia a propaganda política extemporânea e acabou sendo suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
R- O objetivo da medida é razoável, impedir uma propaganda política fora da época da propaganda. Portanto, o mote final e a agenda de ofício é perfeito, mas a resolução é muito mal escrita. Ela é péssima, a redação dela é confusa e, além do mais, traz uma heresia que não se pode mais admitir nos dias de hoje que é a consagração da censura à imprensa. Isso não podemos admitir. Isso já foi para o lixo da história do Brasil e não deve ser resgatado de lixo nenhum desse cesto maldito que nós já descartamos. Portanto, essa decisão me parece que pode ser reformada quase em seu todo pelo TSE.
P- Sobre as modificações na Legislação Eleitoral, como a questão da verticalização, o fim dos showmícios e da distribuição de brindes, o senhor acredita que elas deveriam valer já para a eleição deste ano?
R- Elas não podem vigorar nesta eleição porque seria um casuísmo. A Constituição brasileira, em seu artigo 16, estabelece que há um período de proteção à Legislação Eleitoral para que não haja um jogo político-partidário em cima das regras eleitorais, para que se dê isenção no processo eleitoral e não no casuísmo do grupo dominante sobre o eleitor brasileiro. Então, a Ordem decidiu por unanimidade que é inconstitucional a mudança das regras do jogo um ano antes da data da eleição.
P- Essas modificações podem interferir efetivamente no resultado das eleições?
R- O Congresso Nacional não atacou de fundo a reforma política do País. É um tangenciamento de uma situação, baseado nesses escândalos todos que nós vivemos de uso de caixa 2, de desvio de dinheiro público para financiamento de campanhas eleitorais. O que precisamos efetivamente é uma reforma profunda, um novo sistema, porque esse ficou esgarçado, esse ficou claro que está falido, tanto é que rendeu o que rendeu neste ano de 2005, com denúncias que estão sendo apuradas por duas Comissões Parlamentares de Inquérito dentro do Congresso Nacional, de assuntos que nunca se imaginava que ocorressem de forma tão escancarada dentro da política brasileira.
P- Qual é o objetivo da OAB em proibir que seus diretores disputem as eleições para cargos dentro do Poder Judiciário?
R- Na nossa gestão baixamos o provimento proibindo ou tornando inelegível aqueles que foram eleitos para um mandato dentro da Ordem, até o final deste mandato. Para que se resguardasse o igual acesso por parte dos advogados às listas do quinto constitucional. Havia um certo abuso, uma certa vantagem indevida daquele que tinha mandato, para figurar nas listas. E foi uma medida ética, uma medida moral, que a Ordem tomou para colocar todos os advogados nas mesmas condições de disputa dos cargos que a Constituição determina que sejam ocupados por advogados.
P- Essa determinação vale para as seccionais ou somente para a diretoria nacional da OAB?
R- Isso vale para todas as diretorias do Brasil, todas as seccionais, todos os membros, qualquer subseção, qualquer comissão da Ordem dos Advogados do Brasil, todos ficam impedidos de participar desse processo.
Quem é:
Nome: Roberto Antônio Busato
Idade: 51 anos
Cargo: presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Formação: Direito na Universidade Federal de Ponta Grossa
Hobby: automobilismo.