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Jobim deixa STF e diz que vai atuar como advogado

domingo, 19 de fevereiro de 2006 às 08h49

Brasília, 19/02/2006 - Um dia após presidir a sessão que obriga o Judiciário a cortar na própria carne, dando um fim ao nepotismo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) tem o semblante tranqüilo. Prestes a trocar a mais alta Corte do país pela banca de advocacia, no final de março, Nelson Jobim age como se a toga já não lhe pesasse mais sobre os ombros. Responde às críticas de magistrados e políticos com uma desenvoltura travestida de desdém. Apesar de uma incômoda tosse, ri ao lembrar das características atribuídas por um colega: couro de crocodilo, astúcia de raposa e autoritarismo de gaúcho. Mesmo negando-as, Jobim usa as três para não se abalar.

- Não me emociono.

Cogitado por ex-colegas do PMDB como candidato à Presidência da República e recebendo afagos do Planalto para compor uma chapa com o presidente Lula, Jobim nega ter pretensões eleitorais, mas anuncia que vai se filiar ao PMDB. Amigo do prefeito de São Paulo, José Serra, e de Lula, a quem ofereceu o ombro para um choro durante a cerimônia de diplomação do presidente, Jobim deixa o Supremo com cacife para ocupar o cargo que desejar num futuro governo, seja ele tucano ou petista. Porém, despista: - Só programo o que depende de mim.

Entretido com releituras de Jorge Luis Borges e Nelson Rodrigues, o ministro não se furta a polêmicas. Na entrevista a seguir, que consumiu uma hora de seu expediente na manhã de sexta-feira, respondeu a todas as perguntas. Pela janela do gabinete, avista o Palácio do Planalto. Por enquanto, ele está apenas olhando. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao repórter Klécio Santos da Agência RBS em Brasília::

Agência RBS - Por que o senhor resolveu deixar o Supremo Tribunal Federal?
Nelson Jobim - Passando pela presidência, chega o momento de sair do Supremo. Para voltar à bancada, prefiro sair.

Agência RBS - O senhor está desde a Constituinte na vida pública. Cansou?
Jobim - Chegou. Já estou completando 20 anos.

Agência RBS - Qual será o seu futuro?
Jobim - Vida privada.

Agência RBS - Quando o senhor tomou essa decisão?
Jobim - Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (em junho de 2004), decidi que retornaria à vida privada tão logo terminasse meu mandato.

Agência RBS - Seu nome foi cogitado pelo PMDB como alternativa à Presidência.
Jobim - O PMDB começou a falar em candidatura, mas não fui consultado. São especulações feitas pelo partido e pela imprensa. E aí tem uma situação curiosa: a imprensa especulou, me impôs candidato e depois começou a fazer análise de que eu não poderia ser.

Agência RBS - Mas o senhor não fomentou essas especulações, não deu corda em conversas privadas?
Jobim - Não me cabe, como membro do Judiciário e presidente do Supremo, fazer esse tipo de cogitação.

Agência RBS - O senhor pretende se filiar a algum partido?
Jobim - Só existe um a que eu possa me filiar: o PMDB. Saindo daqui, me filiarei ao PMDB lá em Santa Maria da Boca do Monte (cidade na região Central do Rio Grande do Sul), onde está meu título eleitoral.

Agência RBS - E a história de que o senhor iria para o PSB, para ser vice de Lula?
Jobim - São especulações das especulações.

Agência RBS - O senhor é amigo de dois presidenciáveis, José Serra e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entra na campanha com cacife para participar do governo de qualquer um dos dois.
Jobim - Eu só examinaria essa situação depois de sair do Supremo.

Agência RBS - O senhor admite que pode ter um papel privilegiado na campanha presidencial?
Jobim - Nada. Quero ir para a vida privada, para a advocacia. Vou concluir projetos inconclusos, como uma narração não-jurídica (no sentido que não é um exame jurídico) da Constituinte e também um projeto antigo de trabalhar num texto sobre processo legislativo.

Agência RBS - Sim, mas e quanto à hipótese de integrar o governo em um papel de destaque?
Jobim - Quando se começa a fazer esse tipo de cogitação, você estabelece programas. Só programo o que depende de mim. O que depende de situações futuras, eventuais e aleatórias, futuro incerto e não sabido, não são objeto de cogitações.

Agência RBS - Em algum momento o senhor pensou em participar do processo eleitoral em 2006?
Jobim - Se retorno à vida privada e dentro do processo partidário existente já há decisões, não tenho o que fazer. Isso foram especulações de setores do PMDB e da imprensa.

Agência RBS - O motivo alegado por integrantes do PMDB para o senhor desistir foi a queda da verticalização.
Jobim - Isso é falso. Ninguém está autorizado a dizer nada com relação ao que eu pensei ou tenha deixado de pensar.

Agência RBS - O senhor se sentiu constrangido com aquela interpelação exigindo que esclarecesse se tinha planos políticos? Por que não respondeu?
Jobim - Não tenho obrigação de responder a nada. Ninguém tem nada a ver com minha vida privada. Tanto é que (a interpelação) foi indeferida, totalmente inconsistente.

Agência RBS - Citando Nelson Rodrigues, o senhor disse que os idiotas perderam a modéstia. Quem são os idiotas?
Jobim - Ah, são diversos. Emitiram opinião sobre tudo. É curioso que fizeram análises, julgamentos das decisões que o Supremo Tribunal Federal andou tomando sem ler nenhuma delas. A irresponsabilidade intelectual no Brasil é brutal. Naquele momento (durante o julgamento dos recursos do ex-deputado José Dirceu no STF), o ministro Sepúlveda Pertence estava sendo acusado de tudo, setores da imprensa diziam que ele não estava doente. Isso mostra irresponsabilidade. E o irresponsável acaba sendo um idiota. Casualmente, os irresponsáveis e os idiotas no Brasil perderam a modéstia.

Agência RBS - Como senhor recebeu as críticas de que teria atuado abertamente em favor de alguns suspeitos do mensalão, como o ex-deputado José Dirceu e o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto?
Jobim - Isso é normal. As pessoas que têm seus interesses contrariados acabam dentro daquela perspectiva muito nítida de síndrome da conspiração, acusam as pessoas que as contrariam.

Agência RBS - Esses mesmos setores chamaram de patriótica a decisão do Supremo Tribunal Federal de obrigar a criação da CPI dos Bingos.
Jobim - Esse é o jogo das pessoas que são contrariadas. Se a decisão convém aos interesses, eles elogiam. Se não, acusam.

Agência RBS - O que o motivou a tomar decisões favoráveis no caso de Okamotto e de Dirceu?
Jobim - Não se pode quebrar sigilo bancário de pessoas por mera informação jornalística.
Agência RBS - E no caso de Dirceu?
Jobim - Era uma convicção minha, do (Sepúlveda) Pertence e do Eros (Grau). Fomos derrotados. Convicção minha de que parlamentar afastado não pratica atos como parlamentar. Só isso.

Agência RBS - Qual foi o momento mais crítico de sua passagem pela presidência do Supremo?
Jobim - Não teve. O mais relevante foi a criação do Conselho Nacional de Justiça, cujo trabalho culmina na decisão de ontem. O problema estava exatamente na reação de setores corporativos do Judiciário que pretendiam não se submeter ao Conselho. O grande debate em torno da implementação do Conselho era se o órgão tinha competência para editar atos normativos regulamentares. Um deles é o nepotismo.

Agência RBS - O senhor é atacado por combater privilégios do Judiciário?
Jobim - Também. Participei de várias reuniões do colégio de presidentes dos tribunais de Justiça e havia discursos inflamados. Diziam que não se opunham ao nepotismo, mas desconheciam os atos do Conselho como regulamentares. O que está por trás disso é a manutenção de privilégios. Na própria reunião um presidente de tribunal disse que era preciso fazer uma distinção de nepotismo. Nepotismo é quando você nomeia um parente que não tem competência, dizia ele. Se você nomeia um que tem, não é. Nas pesquisas que a Associação dos Magistrados Brasileiros fez, 75 a 80% dos juízes de 1º grau apoiavam. O apoio se reduzia brutalmente nos juízes de 2º grau, porque são justamente eles que nomeiam. Foi uma vitória importante.

Agência RBS - O senhor acha que decisões como a de ontem (quinta-feira) contribuem para melhorar a imagem do Judiciário junto à sociedade?
Jobim - Vamos ver como eles comportam. Se reagirem muito a isso, procurarem criar problemas, acaba sendo pior.

Agência RBS - Nos últimos tempos sua posição tem colidido com a da maior parte do Judiciário gaúcho em questões como controle externo. As relações estão estremecidas?
Jobim - É coisa antiga. São alguns setores, alguns desembargadores antigos, mas isso é irrelevante. Entra na categoria do Nelson Rodrigues (risos).

Agência RBS - No início da crise política, o senhor afirmou que se o presidente Lula sofresse um impeachment, o país ficaria ingovernável por 10 anos. Esse é um exemplo de aplicar a Constituição com olhos voltados à governabilidade?
Jobim - É lógico. O que temos de ter é que as soluções de crises políticas se resolvam não através de rompimentos. Fui relator na Câmara do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Quando alguém começou a insuflar essas coisas (o impeachment de Lula), entendi que não tinha nenhum sentido. Não há similitude com a situação do governo Collor. Continuo achando que a frase do doutor Ulysses Guimarães é clássica e só para profissionais: "Em política, até a raiva é combinada".

Agência RBS - Àquela altura, falar em impeachment era uma precipitação?
Jobim - Não tinha sentido. Uma coisa é comparar o governo Collor com Lula. O governo Collor não tinha mais apoio popular nenhum. O governo Lula tem.

Agência RBS - Essa é a única diferença ou havia fragilidade nas provas?
Jobim - As provas não chegaram no governo. Estão aí, ainda meio inconclusas.

Agência RBS - Mas a cassação é política.
Jobim - Sim, a lógica não é do juiz, mas a do político. E é por isso que é dimensionada a forma de como isso é visto pelo eleitorado. Se você tiver um personagem com grande apoio popular, é certo que o Congresso não vai se opor. Já assisti a várias cassações meramente políticas. Fundamento jurídico não havia nenhum. Tivemos um exemplo clássico que foi o Ibsen Pinheiro. Na época toda a imprensa era contra o Ibsen, e fui execrado por defendê-lo.

Agência RBS - Chamou a atenção, durante o julgamento no Supremo do caso de José Dirceu, a maneira como o senhor interpelava os colegas.
Jobim - Quem me criticou era contrário ao juízo que eu defendia. A conduta não é julgada por si, mas pela posição que o sujeito tem sobre o mérito. Quando assumi no TSE, o ministro Pertence me disse que eu tinha três características curiosas. Couro de crocodilo, ou seja, não adiantava bater, astúcia de raposa e autoritarismo de gaúcho (risos). Confunde-se autoritarismo com a capacidade de decidir logo. Tomo decisões e as enfrento.

Agência RBS - O senhor foi o ombro amigo do presidente Lula não só na diplomação do TSE, mas durante toda a sua gestão. Como vê Lula?
Jobim - A afirmação não é verdadeira. Fui ombro amigo quando ele tomou posse e chorou. Agora, durante esse período, exerci minhas funções. Em alguns casos elas coincidiam com os interesses do governo e em outros não. As decisões foram tomadas dentro da perspectiva jurídica, não da perspectiva de amigo de A ou de B. Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou a decisão da verticalização, fui acusado de defender os interesses de José Serra.

Agência RBS - Naquela época o senhor era acusado de ser o líder do governo Fernando Henrique no Supremo.
Jobim - E é justamente por exercer a função com desassombro. Quem me acusava de ser líder do governo Ferando Henrique era o PT. Agora, a acusação de ser líder do governo Lula.

Agência RBS - Como o senhor avalia o governo Lula?
Jobim - Depois de me aposentar, te digo.

Agência RBS - O senhor já tem candidato na prévia do PMDB?
Jobim - A prévia é anterior à minha saída. Não posso decidir sobre aquilo que não depende de mim.

Agência RBS - E no futuro, será candidato?
Jobim - Não sou candidato a nada. Agora, se me perguntar: e daqui a quatro anos? Daqui a quatro anos posso estar morto. Aquela história do (economista John Maynard) Keynes: "no longo prazo todos estaremos mortos".

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