Ercílio: índice de punição mostra preocupação da OAB com ética
Brasília, 10/02/2005 – A preocupação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em zelar pela ética da profissão, deflagrando inclusive campanhas sobre a importância do advogado e suas prerrogativas para a sociedade brasileira, está levando nos últimos tempos a um aumento nas denúncias de casos ético-disciplinares, bem como de seus julgamentos e punições. A conclusão é do presidente da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB, Ercílio Bezerra de Castro Filho, secretário-geral adjunto da diretoria da entidade. Para ele, o julgamento de quase 500 processos pelo órgão no ano passado, aliado a um índice de 90% de punição, reflete a atenção especial da OAB aos desvios éticos e também a maior cobrança da sociedade. Outro fator para esse aumento das infrações que não pode ser ignorado, conforme observou, é a má qualidade do ensino jurídico, decorrente da proliferação de faculdades de Direito, cujo total se aproxima perigosamente de 1 mil estabelecimentos no País.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Ercílio Bezerra, comentando os números de infrações e punições decididas pela Segunda Câmara, da qual é presidente:
P – Qual o significado desses números sobre julgamentos da Segunda Câmara do Conselho Federal em 2005?
R - Há um significado duplo. O primeiro é a preocupação com o aumento de infrações disciplinares. Num segundo momento, com a necessidade de uma resposta à sociedade, de efetivar os julgamentos de processos disciplinares. Eu quero crer que, para a nossa felicidade, não é que houve um aumento de infração disciplinar. O que vem ocorrendo, no decorrer desses últimos anos, é que as Seccionais e o Conselho Federalda Ordem têm julgado com maior celeridade os processos disciplinares. Essa celeridade resulta, obviamente, numa melhoria na apreciação desses processos disciplinares. Entretanto, ainda temos alguns gargalos. Algumas Seccionais precisam tornar mais céleres os seus processos disciplinares, para dar uma satisfação não só aos advogados mas, também, à sociedade brasileira. Não se pode admitir que algumas Seccionais, no país, ainda julgue em número relativamente reduzido de processos disciplinares. É por isso que a Segunda Câmara vem fazendo uma campanha permanente para que não apenas esse órgão, mas todos os organismos da OAB, notadamente os órgãos disciplinares, apreciem e punam e, eventualmente, absolvam, quando for para absolver. Mas o importante é que a sociedade brasileira sempre precisa ter uma resposta dos processos ou dos procedimentos disciplinares que são submetidos à apreciação da nossa instituição.
P - Esse levantamento demonstra que o Conselho Federal da OAB está cortando na própria carne?
R - Sem dúvida nenhuma. Se nós pegarmos os índices de condenações, principalmente nessa fase de último recurso ou última instância, veremos que os nossos índices são altos nas condenações. Isso reflete que a OAB não olha nem trabalha de forma corporativa, mas sempre com muita isenção na apreciação desses processos. E o índice de condenação, sem dúvida nenhuma, é muito acima que todas as outras corporações.
P - Na sua opinião, por que esse número vem aumentando, o que está acontecendo com o advogado brasileiro?
R - Olha, como eu disse no início, nós temos uma curva crescente nas punições ético-disciplinares. Se nós pegarmos, por exemplo, no ano de 1998: o Conselho Federal recebeu 91 processos disciplinares e julgou 71. Já no ano de 2004, por exemplo, que tem um dado mais preciso, até já está do lado, nós recebemos 392 processos e julgamos 376. Ficaram pendentes praticamente nada, julgamentos quase os 100%. Então, em grande parte, esse aumento do número de processos e julgamentos resulta de uma campanha que foi feita - a campanha pela ética na advocacia levada numa série de encontros, enfim, que vem se implementando com os Tribunais de Ética em todo o país, em todas as Seccionais -e que procipiou que o julgamento se tornasse mais célere, se tornasse mais efetivo. Além disso, mudou o comportamento que se tinha no passado, algumas décadas atrás, em que não se procurava denunciar o advogado, ou representar contra o advogado. A sociedade brasileira está vendo que se representar o advogado, o mau advogado, ele vai ser punido. E isso faz com que, obviamente, as partes, as pessoas que sofreram alguma mazela praticada por um advogado, procurem a OAB. E os dados mostram que a OAB tem punido.
P – As punições começam na primeira instância, as Seccionais, e depois os processos vêm em grau de recurso para a Segunda Câmara do Conselho Federal, é assim?
R – Exatamente. Como se pune na primeira instância, ou aprecia na primeira instância, obviamente que isso gera um número maior de recursos para a Segunda Câmara. É essa uma das razões que eu vejo para esse aumento crescente dos processos que vêm aportando aqui, no Conselho Federal. Para se ter uma idéia, no ano passado nós recebemos 893 e julgamos quase 500, ou, mais precisamente, 491 processos. Os remanescentes estão em diligência e serão julgados já nesses próximos meses.
P – Também o elevado número de advogados formados anualmente e que chegam ao mercado deve influenciar nesse aumento de infrações, como decorrência natural?
R - Certamente que temos também de levar em consideração que o número de advogados vem numa crescente assustadora. Precisamos atentar também para o fato de que no ano passado já tínhamos no País 881 faculdades de Direito. Dessas, um grande número de faculdades começou a colocar seus alunos no mercado no ano de 2004 e 2005, os mesmos períodos em que eles começam a se inscrever na OAB. Obviamente, o fato de parte dessas faculdades apresentar deficiências seríssimas na qualidade de ensino vai refletir na conduta ética do advogado. Nós sabemos que a universidade não forma o homem, mas a deficiência do curso contribui ou contribuirá para que maus profissionais sejam colocados no mercado, sob todos os aspectos. E a conduta ética também vai sofrer, tanto quanto a qualidade do trabalho.
P – O senhor diria então que a orientação do Conselho Federal da OAB - não apenas para os advogados, mas para a sociedade brasileira - é no sentido de que se o cidadão for mal atendido ou tiver algum problema sério na relação com o advogado, deve denunciar à OAB?.
R - Sem dúvida. É dever do advogado cumprir o Estatuto, cumprir o Código de Ética. E é direito do cidadão procurar a OAB, por todos os seus órgãos, quando se vê lesado nessa relação cliente-advogado. É bom que se destaque que é dever do advogado cumprir o Estatuto e cumprir o Código de Ética. Mas é direito do cidadão buscar a Ordem quando ver ofendido um dos seus direitos, principalmente nessa relação cliente-advogado.