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Universidade do voto. Deputados controlam educação paga

domingo, 2 de abril de 2006 às 07h50

Brasília, 02/04/2006 - Eles legislam em nome do interesse público no Congresso e colhem os dividendos privados nos próprios negócios. Levantamento realizado pelos repórteres Ines Garçoni e Leandro Mazzini, do Jornal do Brasil constata que deputados ganham dinheiro com universidades particulares nos rincões onde não há investimento público no ensino superior. Segue íntegra do material publicado na edição de hoje (02) do JB:

Jampruca é uma cidadezinha rural de 4 mil habitantes, pobres em sua maioria, escondida na região Nordeste de Minas Gerais, onde a principal atividade econômica é a agropecuária. Além da bela paisagem, os jampruquenses podem se orgulhar da Faculdade de Educação e Estudos Sociais, o caminho mais rápido para um diploma universitário do que os 370 quilômetros que separam o lugarejo da universidade pública mais próxima – a UFMG, de Belo Horizonte. A exemplo de Jampruca e das conterrâneas Machacalis, Pratápolis e Ladainha, outras centenas de municípios brasileiros dispõem de campi da Universidade Presidente Antônio Carlos, a Unipac, de propriedade do deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG).

Até aí, morreu Neves, como diz a letra de Jorge Ben Jor gravada por Elis Regina. É direito de qualquer deputado investir no empreendimento que bem lhe convier. O problema é que Bonifácio é membro da Comissão de Educação e Cultura (CEC) da Câmara, onde projetos de leis tomam forma, podem mudar a vida de milhões de universitários e beneficiar as faculdades. Bonifácio não é o único no seleto grupo. Ao lado dele, três deputados donos de faculdades atuam na mesma comissão: Murilo Zauith (PFL-MS), dono da Unigran, em Dourados (MS); Átila Lira (PSDB-PI), cuja irmã é reitora da Faculdade Santo Agostinho, em Teresina; e Clóvis Fecury (PFL-MA), dono de duas universidades – a Uniceuma, em São Luís, e a portentosa Unieuro, em Brasília. Somadas, ambas contam com mais de 23 mil alunos.

Além dos que despudoradamente legislam na CEC, há pelo menos mais cinco parlamentares donos de instituições de ensino superior ou ligados a elas, principalmente nos próprios redutos eleitorais, conforme levantamento feito pelo JB. Juntas, têm matriculados mais de 120 mil alunos. São eles os deputados Corauci Sobrinho (PFL-SP), cuja mulher, Elmara Corauci, é reitora da Unaerp (Ribeirão Preto); Lael Varella (PFL-MG), dono da Faminas, em Belo Horizonte e Muriaé; Paulo Lima (PMDB-SP), da Unoeste, emPresidente Prudente; André Zacharow (PMDB-PR), presidente da associação que mantém a Faculdade Evangélica do Paraná; e João Matos (PMDB-SC), dono da Faculdade Sinergia, em Navegantes.

Interpelados sobre a ética que envolve a participação de empresários de educação numa comissão que deveria defender interesses públicos, os quatro integrantes da CEC negaram legislar em causa própria e usam discursos com viés social na defesa de suas causas. Um dos políticos pioneiros no setor, Bonifácio de Andrada, no sétimo mandato, administra campi em pelo menos 176 cidades.

Proliferação do ensino é polêmica

A polêmica em torno das faculdades particulares cresce à medida que mais alunos procuram essas instituições em detrimento do pouco investimento no ensino. Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar criação de mais quatro universidades federais, o governo ainda é ineficiente na questão e os deputados, em vez de pleitear instituições públicas para os redutos, inauguram as próprias faculdades e ganham dinheiro.

- Trata-se da regra de privatização do Estado que ocorre no país. Se estas comissões dialogam com este ou aquele interesse através do Legislativo, o Estado está sendo apropriado para fins privados ou menores - critica o filósofo Roberto Romano, da Unicamp, especialista em ética na política.

Romano simplifica a questão com uma expressão que cabe à lógica desse fato: trata-se de ''''conflito de interesses''''. É o jogo do público contra o privado, destaca o filósofo. Na Comissão de Educação e Cultura, os interessados pelas entidades particulares esforçam-se em fazer o lobby para conquistar benefícios fiscais e expandir suas unidades educacionais, além de obterem registro no Ministério da Educação para novos cursos e aberturas de campi. Os políticos sabem também que o setor, além das receitas milionárias, é uma grande oportunidade de conquistar o apoio dos eleitores em suas regiões.

- Na medida em que temos representantes do povo que são empresários de educação, criamos uma combinação sinistra. É evidente que eles vão tratar de defender seus interesses econômicos - observa o educador Rubem Alves.

O senador Cristóvam Buarque (PT-DF), ex-ministro da Educação no governo Lula, aponta um possível caminho para solucionar o problema:

- É preciso modificar o regimento interno da Câmara e vetar a participação de empresários em comissões que seriam de seu interesse.

Filão de alunos e votos

Até pouco tempo atrás, milhares de estudantes deixavam cidades onde viviam para tentar a sorte nos vestibulares de universidades públicas metropolitanas. Poucos aprovados tinham a chance de se sustentarem longe da família enquanto buscavam um diploma. O tempo e as concessões provaram que há campo de sobra para a farra dos diplomas entre os políticos. O último Censo da Educação Superior, com base em dados de 2004, mostra que o número de alunos em faculdades particulares é quase o triplo do total matriculado nas instituições públicas. São 2,98 milhões contra 1,17 milhão. As faculdades particulares também aparecem em número superior. Somam 1.789 instituições. As públicas não passam de 224.

Os campi das particulares, com edifícios modernos e bem estruturados, laboratórios de última geração que não deixam a desejar frente a grandes universidades, cada vez mais são chamarizes para novos alunos - e votos. Dois exemplos são suficientes para comprovar esse poder, com base nos dados das eleições de 2002. Em Barbacena (MG) e cidades vizinhas, seu reduto eleitoral, Bonifácio de Andrada, dono da Unipac, foi eleito com 129 mil votos. Clóvis Fecury, dono da Uniceuma (São Lúis), foi para Brasília com 83 mil votos. Não que todo universitário tenha a preferência por eles nas urnas mas, levando-se em conta os 20 mil alunos que estudam na Unipac (reduto de Bonifácio) e os 15 mil da Uniceuma, na capital maranhense, boa parcela desse contingente pode favorecer os políticos nas eleições, explicam cientistas políticos.

O fato de as metrópoles oferecerem variadas opções de cursos e preços faz a concorrência optar também pela oferta nos rincões. No interior, onde se tem menos oportunidades de ensino, o deputado que cria faculdades e abre caminho para o diploma universitário para estudantes das classes baixa conquista uma imagem positiva. Surge como o empreendedor do ensino e perspectiva de emprego. Isso, segundo os especialistas, converte-se em votos de alunos, professores e funcionários das faculdades.

No período eleitoral, ocorre uma espécie de reciprocidade. Em outras palavras, votar no deputado que inaugurou uma faculdade é oportunidade de defender os interesses da região, transformados em mais verbas do governo - de acordo com o trânsito do parlamentar no Congresso - e mais geração de emprego na cidade. ''''Eu vou votar no deputado e ele vai defender os nossos interesses, vai trazer mais benefícios e verbas para a cidade'''', podia ser o slogan.

Além de votos e altas receitas, outro benefício concedido aos deputados donos de faculdades são as isenções fiscais federais através do Prouni. As instituições reservam vagas para bolsistas. Em contrapartida, livram-se da carga tributária. Das 10 faculdades em questão, sete têm isenção fiscal.

Defesa com discurso social

Os quatro integrantes da Comissão de Educação e Cultura (CEC) e ao mesmo tempo donos de faculdades dizem não legislar em causa própria no Congresso. Com a artimanha dos oradores experientes do plenário, defendem-se com discursos sociais dignos de nota 10 caso fossem alunos das próprias universidades que administram. Mas beneficiam-se das vantagens do Prouni para conquistar isenções fiscais e poupar o cofre.

Para Átila Lira (PSDB-PI), ligado à Faculdade Santo Agostinho (Teresina), ''''não tem nada disso de ter facilidade'''', ser deputado e dono de faculdade, além de pertencer à CEC, onde um projeto de lei apresentado pode ganhar pauta no Congresso e mudar a vida de milhões de estudantes. Segundo ele, é ''''até mais prejudicial''''.

- Evitamos entrar em contato com o MEC (Ministério da Educação). E, hoje em dia, com o sistema processual deles, tudo é tratado de forma impessoal.

Átila tem currículo invejável na Câmara. É integrante da CEC há 12 anos. É também presidente da Associação Teresinense de Ensino, mantenedora da Faculdade Santo Agostinho, cuja reitora é a irmã.

O deputado diz, no entanto, que hoje o panorama não é o mesmo de meados da década passada, quando houve um boom à procura de diplomas.

Não é o que pensa o colega Bonifácio de Andrada (PSDB-MG). O dono da Unipac, com mais de 170 campi, 45 mil alunos e que não pára de crescer - 5 mil são atendidos pelo Prouni - beneficia-se com a isenção de impostos. Até o fim do ano o número dos campi deve chegar a 190, sob a tutela da Fundação Presidente Antônio Carlos, criada há 40 anos. As faculdades existem, oficialmente, há apenas seis anos.

- É uma fundação com sentido social. Tenho os cuidados necessários na tomada de decisões na comissão. Não vejo problema em atuar na CEC. Na comissão de agricultura, por exemplo, só temos fazendeiros e industriais. Isso ocorre em qualquer parlamento do mundo - exemplifica o deputado.

A fundação de Andrada está vinculada ao governo do estado de Minas e tem como um dos diretores Paulo Araújo, integrante do Conselho Estadual de Educação. É ele quem cuida da rede e diz não ver conflito de interesses na questão. Ao contrário de Andrada, que se afastou da administração, Clóvis Fecury (PFL-MA) está licenciado da Câmara por motivos particulares e cuida de dois centros universitários, um em São Luís, outro em Brasília. Vai voltar à Câmara em julho, mês em que faculdades aderem ao Prouni. O curso de medicina pode custar até R$ 3 mil mensais. Fecury justifica o investimento no setor como geração de oportunidades:

- A expansão do ensino particular foi benéfica. Geramos mais de 1.700 empregos diretos nas duas universidades.

O discurso de Fecury perde, no entanto, para o colega Murilo Zauith (PFL-MS). O dono da Unigran, em Dourados, lembra ser ele o criador do sistema de cotas para índios nas universidades do estado.

- O Brasil precisa de mais educação. Não aceito essa discriminação de ser particular ou pública.

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