Artigo: Olimpíada do Rio - Sem os pilares da sustentabilidade
Brasília - Confira o
artigo do advogado Carlos Sanseverino, publicado na edição desta quinta-feira
(4), no jornal O Estado de S. Paulo.
Olimpíada do Rio - Sem os pilares da
sustentabilidade
A lição sobre sustentabilidade começa nas
Olimpíadas: o Comitê Olímpico Internacional já anunciou que quer tornar os
futuros jogos, como de Tóquio em 2020, mais sustentáveis e austeros em termos
de custo. Entendemos que o legado sustentável dos jogos do Rio 2016 ser&a
acute; praticamente nulo e há duas questões simbólicas naquele que é
considerado o maior evento desportivo do planeta: a falta de transparência na
neutralização das emissões de carbono durante os Jogos e a continuada poluição
da Baia de Guanabara.
O impacto ambiental das Olimpíadas do Rio não
será neutralizado. Quando da candidatura da cidade do Rio de Janeiro para
sediar os Jogos, foi anunciada a meta de fazer o plantio de 24 milhões de
árvores para compensar as emissões de gases de efeito estufa do evento,
estimadas em 3,6 milhões de toneladas de CO2. Pior: a Secretaria Estadual do
Ambiente (RJ) ampliou a meta para 34 milhões de mudas plantadas. Mas a questão
foi envolvida por uma “cortina de fumaça” e não se sabe ao certo quantas
árvores foram plantadas , de que tipo e em que locais.
No eixo dos grandes eventos esportivos, como os
Jogos do Rio, que vão reunir 28 mil atletas, 24 mil jornalistas, 70 mil
voluntários, 32 milhões de celulares e 5,6 milhões de toneladas de
combustíveis, a mitigação das emissões de carbono precisaria ser uma
prioridade. No entanto, fica para todos às vésperas do evento, toscas
explicações genéricas sobre uma compensação que virá de embalagens ecológicas e
das estruturas sustentáveis levantadas nos locais das provas.
Um das preocupações das Olimpíadas de Londres –
2012, que não detectamos no Rio-2016, foi a busca na redução do impacto dos
resíduos sólidos ao longo de todos os jogos. A primeira meta que precisaria ser
observada no Rio seria a garantia de que nenhum resíduo gerado ao longo das
Olimpíadas fosse encaminhado a aterros. Para tanto, torna-se necessário dar a
todo resíduo sólido o destino de reuso, reciclagem ou de encaminhamento à
compostagem.
No Plano de Gestão de Sustentabilidade dos Jogos
Rio 2016, há o compromisso de gerenciamento de resíduos em conformidade com a
legislação ambiental vigente e com base na NBR 10004. De acordo com o modelo
estabelecido no plano, estão fixadas estratégias de segregação, manejo e
logística de transporte dos resíduos nas instalações das Olímpíadas e
Paralimpíadas. Também haverá atividades educativas e culturais para incentivar
a baixa produção de resíduos.
Em um país como o Brasil, onde apenas 3% dos
resíduos sólidos produzidos são reciclados, o que é planejado nem sempre se
efetiva, na prática. Produzimos 383 Kg de lixo per capta/ano, que será
acrescido pelo lixo produzido por 1 milhão de visitantes, esperados para os
jogos. O alerta ganha materialidade diante do fato de que o lixo nos últimos
onze anos cresceu 29% e a população 6%.
Os grandes eventos esportivos vêm se
consolidando como um importante canal de investimento em infraestrutura, com
baixo impacto ambiental. Exemplo foi o Plano de sustentabilidade de 2012,
adotado por Londres, nas últimas Olimpíadas. O plano contemplou cinco eixos
principais: mudanças climáticas, lixo, biodiversidade, inclusão e vida
saudável, estipulando metas para cada uma. Somente para citar alguns exemplos,
a Vila Olímpica teve como objetivo economizar 40% de água potável, em
comparação com o gasto médio, além de reciclar 90% do entulho produzido com as
demolições das áreas revitalizadas. Na Vila Olímpica brasileira há uma
equivalência, onde os prédios receberam aquecimento solar, telhado verde,
painéis fotovoltaicos , iluminação em led e os elevadores economizam energia.
Destoante é o Programa de Despoluição da Baia de
Guanabara, criado em 1990, já visando as Olimpíadas. Planejava uma série de
ações para elevar as condições sanitárias e ambientais das Região Metropolitana
do Rio, evitando o lançamento inadequado de esgotos na baia e tratamento
primário e secundário das estações de tratamento de esgoto. Também previa
implantação e reforma das ecobarreiras (para conter o lixo) e ecopontos
(receber material reciclado).
Despoluir a Baia da Guanabara foi condição para
o Rio de Janeiro sediar as Olimpíadas. No entanto, quando o titular do Word
Sailing, entidade reconhecida pelo COI, quis transferir a prova de Vela para
Búzios, o governo fluminense reconheceu que não seria possível despoluir
totalmente as águas, mas anunciou um novo plano. No entanto a baia continuou a
receber detritos poluentes, tanto domésticos quanto industriais, de 45 rios e
córregos. Se os rios fossem despoluídos e a baia limpa, o legado ambiental
beneficiaria milhões de pessoas e evitaria as críticas inevitáveis das
delegações estrangeiras.
O modelo de desenvolvimento sustentável implica
no equilíbrio entre o crescimento da economia e a preservação do meio ambiente.
O economista Ignacy Sachs, de forma acertada, estabelece que o desenvolvimento
sustentável se baseia em cinco pilares fundamentais: social, ambiental,
territorial, econômico e político. O conceito de desenvolvimento sustentável já
figurava no documento “Futuro que queremos”, elaborado pela ONU para as
discussões da Rio-20 , considerado o “Esboço Zero” .
Igualmente, consta da 2030 Agenda para o
Desenvolvimento Sustentável, adotada pelos líderes mundiais na ONU no ano
passado. Um plano de ação com grandes metas para os indivíduos (assegurando
dignidade e igualdade), para o planeta (gestão sustentável dos recursos
naturais) e o compromisso da prosperidade (assegurando a todos progresso
econômico, social e tecnológico).
O crescimento econômico sustentável está diretamente
ligado à existência de uma infraestrutura que atenda às demandas do setor
produtivo e da sociedade. Esse era o legado esperado das Olimpíadas do Rio. Por
isso, o Programa brasileiro “Jogos Limpos” não pode ser um mero projeto, que
adia o planejado, deixando de dar materialidade ao proposto e impedindo que os
pilares da sustentabilidade contemplem o Brasil e seu povo com mais progresso e
dignidade.
*Carlos Sanseverino é Advogado, Professor de
Direito, Conselheiro efetivo da OAB-SP, Presidente da Comissão de
Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da OAB-SP e membro da
Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB.