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No TSE, Lamachia defende que crise precisa ser vista como matriz de renovação

sexta-feira, 13 de maio de 2016 às 09h48

Brasília - O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, defendeu que a crise política que levou ao impeachment da presidente da República seja usada como uma alavanca para a renovação do modelo eleitoral. Lamachia fez um discurso contundente durante a posse do ministro Gilmar Mendes para a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, na noite desta quinta-feira (12) em que mesclou críticas e sugestões para que o país possa superar a atual adversidade.

“As eleições municipais deste ano, em meio à crise, são uma oportunidade de proselitismo pedagógico, construtivo. As crises têm esse lado benéfico, quando delas se extraem as lições que encerram. Não podemos ficar apenas com seu lado maléfico. Nesse sentido, a presente crise mais que nunca precisa ser vista como matriz de renovação”, defendeu Lamachia.

Durante seu discurso, Lamachia fez um diagnóstico do quadro que levou o país ao estado de coisas em que se encontra e não eximiu o sistema político partidário de sua responsabilidade para o desenrolar da situação. “A primeira lição que extraímos dos acontecimentos que ora nos infelicitam é de que nosso sistema político está na UTI. Doente já estava há muito tempo, mas agora se encontra em estado terminal, a exigir reformas que há muito são proteladas, em nome de interesses menores, que não contemplam o bem comum”, criticou ele.

Lamachia disse ainda que o Brasil político partidário carece de representatividade. “A sociedade, em seu conjunto, não se vê nos partidos hoje. Isso explica a mobilização espontânea de multidões a que tivemos oportunidade de assistir, desde 2013, nas ruas de todo o país, sem a interlocução ou mediação dos partidos. Foram essas multidões que levaram à solução do impeachment, não os partidos, que a ela foram levados”, declarou o presidente nacional da OAB durante a cerimônia.

Rolo compressor

Outro alvo da análise feita por Lamachia na posse de Mendes foi o papel desempenhado pelo marketing nas campanhas eleitorais. Segundo o presidente nacional da OAB, os horários gratuitos no rádio e na televisão, em vez de serem oportunidade para esclarecimentos ao eleitor, transformaram-se em palco de superproduções caríssimas e hipnóticas, que distanciam o eleitor da realidade, do candidato e dos partidos. “Constrói-se assim o tal abismo entre o país real e o oficial”, disse ele.

“Vasta parcela do eleitorado carece ainda de meios objetivos para defender-se do rolo compressor publicitário que tem marcado as sucessivas campanhas eleitorais em nosso país”, disse ele. “Procuramos esclarecer ao eleitor o verdadeiro valor do seu voto. Ele não tem preço, tem consequência. A ética é o pilar da política, para que ela reflita o dito de Aristóteles, segundo quem ‘a política é a mais nobre de todas as artes’. Ética, tal como liberdade, é princípio uno e indivisível. Não há como relativizá-lo, adjetivá-lo ou diluí-lo. Ou se tem ou não se tem”, afirmou Lamachia.

Num discurso que também teve um caráter propositivo, Lamachia fez uma lista de sugestões de aspectos que devem ser tratados pela sociedade brasileira para enfrentar a questão eleitoral e promover uma evolução no sistema de escolha dos candidatos. De acordo com o presidente, outros desafios nesse debate tem de ser discutidos como: fontes de financiamento eleitoral, o barateamento das campanhas, a partir da simplificação e despojamento dos programas de televisão, e o estabelecimento do recall para todos os cargos eletivos. 

Ele destacou também o debate pelo fim da reeleição para cargos executivos, avaliar a conveniência de adoção do voto distrital, puro ou misto, o fim das coligações em eleições proporcionais e a adoção do parlamentarismo ou do presidencialismo mitigado.

Lamachia também foi enfático ao descrever a necessidade de uma reforma política para mudar o modelo político eleitoral, descrito por ele como “falho, caro e disfuncional”. "Não há, nesses termos, presidencialismo de coalizão, mas de cooptação. A pulverização partidária, além de confundir o eleitor, dá ensejo a conhecidas impropriedades: venda de votos, de tempo de rádio e televisão, de loteamento de cargos públicos, de gasto de verba do fundo partidário, entre outros temas que poderíamos aqui destacar”, disse ele.

O novo presidente do TSE, Gilmar Mendes, reforçou a necessidade de mudanças ao fazer seu discurso. Ele argumentou que as recentes manifestações demonstram esse desejo de mudanças e que é hora de o país trabalhar para superar a crise.  "Tão assombrosa conflagração conjuntural demonstra que o modelo político eleitoral há muito já se esgotou", disse Mendes.

"O TSE está pronto para atender ao chamado das próprias e altíssimas responsabilidades, ao lado e em sintonia com todos os tribunais regionais eleitorais, esta corte saberá responder com eficiência e prontidão aos desafios que virão com a realização da maior eleição do país (neste ano)", afirmou Mendes.

Confira, abaixo, o discurso de Lamachia na solenidade:

Senhoras e senhores.

É em meio a um dos mais conturbados períodos de nossa história republicana que esta Corte Eleitoral procede, hoje, à sua troca de comando. O que deveria constituir mera rotina administrativa adquire, em tais circunstâncias, outra dimensão, mais ampla e solene, e enseja importantes reflexões.

A Ordem dos Advogados do Brasil, que nestas solenidades representa não apenas a advocacia, mas a própria sociedade civil brasileira - de que tem sido historicamente voz e tribuna –, não irá desperdiçar tal oportunidade. É de sua tradição – e aqui procurarei honrá-la - não faltar ao país, sobretudo em momentos como este.

Quando o regime militar, no final da década de 70, sentindo a rejeição da sociedade, concebeu o projeto de abertura política, foi buscar interlocução na OAB, por reconhecer sua representatividade social e papel histórico.

E a OAB, por meio de seu presidente, Raymundo Faoro, não se furtou em vocalizar a agenda da sociedade civil, estabelecendo os primeiros passos da redemocratização: a restauração do habeas corpus e o fim da censura à imprensa, entre outras conquistas.

Esteve presente, com igual protagonismo, na campanha das diretas-já, na convocação da Assembleia Nacional Constituinte, no impeachment de Fernando Collor – e agora, encaminhando também seu pedido de impeachment à Câmara dos Deputados.

A Ordem, por imposição de seu Estatuto, que a vincula à defesa do Estado democrático de Direito, tem o dever de participar da vida político-institucional do país, mas sem viés partidário ou ideológico. Nosso pluralismo interno converge numa causa comum à advocacia: o bem-estar político, econômico, social e moral do Brasil.

E isso nos coloca mais uma vez na cena pública. Não há dúvida de que a essência da crise que vivemos é política. Tudo o mais dela deriva: a economia, a ordem pública, a administração, a ordem social, o bem-estar geral.

Sendo a política a arte de conciliar interesses e resolver controvérsias, somente por meio dela poderemos restabelecer – e consolidar - o bem maior de qualquer nação: sua unidade.

E é nessa reconciliação nacional que devemos – precisamos - investir. É a premissa para que tudo o mais seja equacionado e resolvido, não importa o tempo que se venha a levar. A volta ao mundo começa com um passo. Precisamos dar esse passo.

A primeira lição que extraímos dos acontecimentos que ora nos infelicitam é de que nosso sistema político está na UTI. Doente já estava há muito tempo, mas agora se encontra em estado terminal, a exigir reformas que há muito são proteladas, em nome de interesses menores, que não contemplam o bem comum.

Não é de hoje que isso acontece. Em 1870 – portanto, há 146 anos! -, o imperador Pedro II, numa reunião ministerial, constatava: “As eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males”.

O registro da fala imperial é de Humberto de Campos, em seu livro “O Brasil Anedótico”, e mostra que, quanto a isso, pouco ou nada evoluímos. Saímos da monarquia, proclamamos a república - e, dentro desta, vivemos ciclos diversos -, mas, quanto ao nosso sistema eleitoral, pouco avançamos.

Ou avançamos insatisfatoriamente.

Não há exagero quando dom Pedro II atribui ao modo como se fazem as eleições “todos os nossos males” – não alguns, mas “todos”. De fato: o Brasil político-partidário carece de representatividade. A sociedade, em seu conjunto, não se vê nos partidos, no Estado. Isso explica a mobilização espontânea de multidões a que tivemos oportunidade de assistir, desde 2013, nas ruas de todo o país, sem a interlocução ou mediação dos partidos.

Foram essas multidões que levaram à solução do impeachment, não os partidos, que a ela foram levados.

Esse abismo entre os dois países – o real e o oficial – precisa ser desfeito. É preciso construir pontes, propiciar convergências – unir os dois brasis. E como se resolve isso? Com a verdadeira política, a “Política com pê maiúsculo”, de que falava Ruy Barbosa – e pela qual a sociedade brasileira há muito clama.

Também nós, da OAB, para além de sugerir medidas pontuais, que confiram eficiência, lisura e representatividade aos pleitos, há muito nos empenhamos em lutar por ética na política.

Procuramos esclarecer ao eleitor o verdadeiro valor do seu voto. Ele não tem preço: tem consequência. A ética é o pilar da política, para que ela reflita o dito de Aristóteles, segundo quem “a política é a mais nobre das artes”.

Ética, tal como liberdade, é princípio uno e indivisível. Não há como relativizá-lo, adjetivá-lo ou diluí-lo. Ou se tem ou não se tem.

Na política brasileira, o clamor por ética remonta aos primórdios da formação nacional e, no entanto, ainda soa a muitos como utopia. Há, porém, avanços a registrar, e o maior deles é o fato de que passou a constar das exigências prioritárias de nossa cidadania, esta que foi às ruas clamar por mudanças e decência.

Entretanto, vasta parcela do eleitorado carece ainda de meios objetivos para defender-se do rolo compressor publicitário que tem marcado as sucessivas campanhas eleitorais em nosso país.

Confunde-se eleição com marketing. Os horários gratuitos no rádio e na televisão, em vez de oportunidade para esclarecimentos ao eleitor, transformaram-se em palco de superproduções caríssimas e hipnóticas, que distanciam o eleitor da realidade; distanciam o eleitor do candidato e dos partidos.

Constrói-se assim o tal abismo entre o país real e o oficial.

Opinião pública tornou-se cada vez mais decorrência de opinião publicada. Por essa razão, cabe a este Tribunal Superior Eleitoral papel de relevo no curso das campanhas, não apenas fiscalizando-as, como tem feito, mas reiterando a cada eleitor o valor do seu voto – que, repito, não tem preço: tem consequências.

A compreensão desse fundamento, por si só, equivale a uma verdadeira revolução cultural, uma mudança profunda de mentalidade. E é disso que precisamos.

As eleições municipais deste ano, em meio à crise, são uma oportunidade de proselitismo pedagógico, construtivo. As crises têm esse lado benéfico, quando delas se extraem as lições que encerram. Não podemos ficar apenas com seu lado maléfico.

Nesse sentido, a presente crise mais que nunca precisa ser vista como matriz de renovação. Num ambiente como o que hoje temos, em que quase tudo está por ser refeito, pode-se recomeçar a reconstruir o sistema e as instituições políticas em bases mais sólidas; evitar erros já conhecidos, casuísmos, truques, manobras ou diversionismos.

A contribuição inicial que precisamos dar é a de, enfim, fazer a reforma política necessária – não a de conveniência.

Diagnósticos já os temos. Há anos, debatem-se as insuficiências de nosso modelo político-eleitoral. Na OAB, já tivemos a oportunidade de examinar o tema diversas vezes. E iremos fazê-lo novamente, no âmbito do Conselho Federal. Não poderíamos – e não vamos - nos omitir em questão de tal calibre.

Sabemos que o sistema é falho, caro e disfuncional. Não é possível estabelecer coalizões limpas e efetivas num sistema partidário pulverizado, com inúmeros partidos com assento no Congresso e outros tantos em busca de obtê-lo. Não há, nesses termos, presidencialismo de coalizão, mas de cooptação.

A pulverização partidária, além de confundir o eleitor, dá ensejo a conhecidas impropriedades: venda de votos, de tempo de rádio e televisão, de loteamento de cargos públicos, de gasto de verba do fundo partidário, entre outras barbaridades. O dano maior é o padrão de insuficiência, que tem pautado a política nacional.

Impõe-se, pois, estabelecer cláusulas de barreira, que, sem impedir o surgimento de novos partidos que de fato tenham conteúdo doutrinário, impeçam a promiscuidade das legendas de aluguel.

Há muitos outros desafios para discutirmos: fontes de financiamento eleitoral; barateamento das campanhas, a partir da simplificação e despojamento dos programas de televisão; estabelecimento do recall para todos os cargos eletivos; fim da reeleição para cargos executivos; avaliar a conveniência de adoção do voto distrital, puro ou misto; fim das coligações em eleições proporcionais; adoção do parlamentarismo ou do presidencialismo mitigado.

Todos esses temas estão há anos em pauta, mas foi preciso chegar ao fundo do poço para que em torno deles se estabelecesse um compromisso mais efetivo de materializá-los. Mas antes tarde do que nunca.

Tais questões não são de direita ou de esquerda. São de interesse comum, pois estabelecem as bases para que o exercício democrático se exerça, com ética, transparência e efetiva participação popular.

Esse é o pacto de que precisamos, de modo a permitir que o país possa exercer sua pluralidade em bases harmônicas e civilizadas.

Divergir é inerente à democracia – e a divergência será rica e fecunda à cultura política do país na medida em que observe as regras do jogo democrático. Assim sendo, não haverá vencidos ou vencedores, pois terá triunfado a causa comum, que é a consolidação do Estado democrático de Direito.

O país discute o impeachment da presidente da República, já estando definido seu afastamento temporário. Não há o que comemorar. Não se celebram os traumas, mesmo quando decorrem de imperativo legal. Haverá, sim, razões para tal quando demonstrarmos na prática que assimilamos as lições que esta trágica conjuntura nos oferece.

Antes de concluir, quero saudar os personagens principais deste ato solene: o presidente que sai, o Ministro José Antonio Dias Toffoli, que se desincumbiu com competência da difícil missão que lhe coube, neste período tão conturbado da vida nacional; e o presidente que o sucede, Gilmar Ferreira Mendes, e o seu vice-presidente Ministro Luiz Fux, que terão a missão de dar seguimento a esse trabalho, em ano eleitoral.

A OAB cumprimenta a ambos e reitera aos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux suas melhores expectativas, reconhecendo suas qualidades de experientes juristas e sensatos homens públicos. Não temos dúvidas de que estão à altura da missão que ora assumem.

Agradeço, por fim, a oportunidade destas palavras, que espero contribuam para o que as motivou: o desejo de transfigurar a crise em oportunidade de reconstrução da vida pública nacional.

Muito obrigado.

 

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