OAB-BA encaminha a Busato reportagem sobre caos na Justiça
Brasília, 29/08/2005 – O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dinailton Oliveira, encaminhou hoje (30) ao presidente nacional da OAB, Roberto Busato, íntegra da matéria jornalística “Tribunal do Júri pede socorro”, publicada na edição de hoje do jornal “A Tarde” (BA). A reportagem retrata o caos que se tornou o Judiciário do Estado e relata que a queixa é uníssona entre os juízes, juristas, jurados e serventuários, “que vivem a angústia de atuarem em julgamentos que chegam a durar até 40 horas”. A reportagem é de Deodato Alcântara.
O presidente da OAB da Bahia pediu ao presidente da OAB que a matéria seja levada a discussão na próxima reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45 e encarregado de fazer o controle externo do Judiciário. Na opinião de Dinailton, a situação do Judiciário da Bahia é gravíssima, uma das mais adversas na Justiça brasileira e deve ser combatida não só pelos advogados da Bahia, mas pela advocacia de todo o Brasil.
“O poder econômico, quando tem interesse em movimentar um processo cível em que ele é autor, o faz com uma rapidez muito grande; quando é o contrário, o processo dorme em berço esplêndido, pois esta é a Justiça que temos na Bahia”, afirmou Dinailton de Oliveira. “Hoje estamos com a Justiça emperrada exatamente por falta de estrutura. Nós não temos número de juízes suficientes, não temos estrutura mesmo, funcionários para que esses juízes possam desenvolver bem o seu trabalho. Precisamos de uma prestação jurisdicional que seja condigna com a expectativa do povo da Bahia".
Segue a íntegra da matéria jornalística “Tribunal do Júri pede socorro”:
”Implantado na Bahia ainda no tempo do Império, e com estrutura sem modernização desde a inauguração do Fórum Ruy Barbosa, em novembro de 1949, o Tribunal do Júri da Comarca de Salvador pede socorro. A queixa é uníssona de juízes das duas únicas varas existentes, juristas, jurados e serventuários que vivem a angústia de atuarem em julgamentos que chegam a durar até 40 horas.
No rol de necessidades estão instalações para o repouso durante os curtos recessos das madrugadas, locais para higienização adequada, já que somente existem sanitários, plantão médico também após as 17 horas e até mesmo medidas de segurança, pois não há sequer detector de metais no acesso aos salões do júri, onde qualquer pessoa pode entrar.
Há 56 anos no novo prédio, o Tribunal do Júri é palco para embates acirrados que decidem destinos de dezenas de pessoas mensalmente, atendendo ou não aos anseios dos que ali são julgados por crimes contra a vida. Bem como de suas famílias e dos parentes de suas vítimas. Na contramão da importância dos júris populares, ocasiões tidas como explosão da essência da Justiça, o tribunal em nada evoluiu para atender às mínimas condições de decência para a realização de uma sessão que dure mais de 12 horas, dizem os queixosos.
E o que mais tem ocorrido são julgamentos que invadem as madrugadas, chegam a durar 36 a 45 horas quase ininterruptas, com curtos recessos para que as energias sejam recompostas. Em junho do ano passado, o primeiro júri do pastor Sílvio Roberto Santos Galiza, 24 anos, no processo da morte do adolescente Lucas Vargas Terra, 14, durou 42 horas e o juiz Cássio Miranda, titular da 1ªVara teve de dormir por duas horas no tapete de seu gabinete.
Jurados, escoltados por policiais e oficiais de Justiça repousaram, também de improviso e por igual período, na Casa do Serventuário da Justiça, no Tororó, para onde foram levados em mais de uma viagem, de Kombi. Antes, passaram na Casa do Magistrado, mas lá não havia condições de abrigar o grupo. Tudo isso o magistrado fez constar em ata.
Adiamentos – O segundo júri do processo de Galiza estava marcado para o dia 17 deste mês, mas foi adiado a pedido da defesa do pastor. Hoje, outro julgamento de repercussão, cujo processo se arrasta há nove anos, será iniciado às 8h30. Na condição de réus estão cinco PMs e um ex-taxista, acusados na execução do jovem Augusto César Soares Dourado, 18. “Felizmente o processo deverá ser desmembrado em três júris, senão ficaríamos em uma situação difícil”, comenta um dos advogados do caso, Antônio Roberto Leite Matos.
“O atendimento aos jurados é vergonhoso, chega a ser desumano”, reclama o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, titular da 2ªVara do Júri e que já ameaça usar este argumento para adiar julgamentos, caso não haja uma providência do Tribunal de Justiça (TJ-BA).
Administrador do fórum está ciente dos problemas
O presidente do Tribunal de Justiça (TJ-BA), desembargador Gilberto Caribé, foi procurado para falar sobre o assunto. Mas sua assessoria de comunicacão respondeu que “ele é avesso a entrevistas”, tendo indicado o administrador do Fórum Ruy Barbosa, Mário Sérgio Dias Correia, 38 anos, para falar pelo TJ-BA. Serventuário da Justiça há mais de 22 anos, há quatro na administração do fórum, Mário Sérgio não só concordou com as queixas como arriscou sugestões.
“Doutor Vilebaldo já me procurou, preocupado com a possibilidade de que adiar júris se não for tomado uma providência”, confirmou. Estudante de Direito e, há quase 20 anos atuando também como jurado, o serventuário diz sofrer na pele os efeitos da falta de modernização. “Poderíamos ter um convênio com um hotel, já que há verba prevista no orçamento”. Para ele, melhor estrutura poderia resultar em maior celeridade ao Judiciário, “possibilitaria a realização de mais júris. Um começando pela manhã e outro com início à noite, no recesso do primeiro”, sugeriu.
Isso, claro, com a nomeação do juiz substituto para cada vara do júri, o que está sendo discutido na Lei Orgânica do Judiciário, em tramitação na Assembléia Legislativa da Bahia. Se há projeto no TJ-BA para a solução do problema, Mário Sérgio disse não saber responder. “Mas acho que não, senão eu já teria escutado algo relacionado”, concluiu. A suspensão da sessão por tempo necessário e razoável para refeição e repouso dos jurados está prevista no Artigo 497, inciso VIII, do Código de Processo Penal (CPP).
Criminalistas relembram júris
Rememorando júris que entraram para a historia do Judiciário da Bahia, o criminalista Alfredo Venet Lima, com 29 anos atuando na área, citou as 36 horas ininterruptas em que foram julgados dois acusados da chacina do Lobato, na década de 90. E as 40 horas que duraram os júris do ex-advogado Franklin Matos e do ex-motorista policial Jonas, dois dos condenados nas execuções de agentes federais, após o histórico assalto ao Banco Central, também nos anos de 90.
Para o último, realizado na Justiça Federal e presidido pelo juiz Pedro Braga, havia estrutura adequada, com camas, inclusive, para um andamento confortável dos trabalhos. “O júri popular tem de ser valorizado, pois é o grande pico da Justiça. É onde o direito aflora”, filosofou Venet. Já seu colega Leite Matos endureceu o discurso: “Não sei por que não se criou estrutura para os júris. Chega a ser uma falta de respeito”, esbraveja.
Para Domingo Arjones, “Essa situação é o retrato da omissão e do descaso do Tribunal de Justiça”, diz, enfatizando “a falta de consideração para o cidadão jurado, que presta um serviço de extrema importância para a sociedade, de graça”. Segundo ele, é comum que os jurados “olhem feio” quando um jurista pede leitura de peças, alongando a sessão. “A defesa fica cerceada”.
Apesar de integrar turmas mais recentes, Arjones ostenta no currículo um dos mais importantes júris do País, o de Matheus da Costa Meira, conhecido como o atirador do shopping, realizado em São Paulo; e um dos mais concorridos da Bahia, ao defender o psiquiatra Breno Mascarenhas de Castro, que matou o pai, professor da UFBa, em Salvador. “Em São Paulo fiquei boquiaberto com o tratamento oferecido. Cada jurado tem um apartamento confortável ao seu dispor, no fórum, com alimentação diferenciada e oficiais de Justiça cuidando para a preservação da incomunicabilidade”, disse.
Faltam acomodações para o Conselho de Sentença
O descaso está explícito até mesmo no número de assentos nos sofás da sala reservada aos jurados. Para as sete pessoas que compõem o Conselho de Sentença são oferecidos um sofá de três lugares e duas poltronas individuais. “Até mesmo no fórum poderia ser feito um estudo para a implantação de um mínimo em conforto”, sugere Cássio Miranda.
Além do salão principal, sem nome, inaugurado junto com o fórum e cujo batismo tem sido alvo de polêmica, os júris ocorrem também no salão 2, mais recente e que recebeu o nome de Salão Raul Chaves, em memória. Cada um dispõe de sala secreta, outra para jurados, uma terceira para testemunhas, e cômodo também para o réu, com um banco acolchoado e uma mesa redonda para refeições. “Muitas vezes cochilamos sentados nesses sofás, nos recessos de madrugada”, conta a administradora de empresas Sydnei Pastor da Luz, jurada há cerca de 15 anos.
Para ela também é problemática o serviço de transporte dos jurados, servidores e oficiais de Justiça, oferecido pelo TJ quando os júris passam de 18 horas. “Tem somente uma Kombi. Com a demora entre as viagens alguns jurados pegam ônibus, não sabendo o perigo que correm”. Para os que têm carro, o problema fica pior, já que o Fórum Ruy Barbosa não tem estacionamento próprio, a não ser as poucas vagas controladas por flanelinhas em frente ao prédio.
Sergipe e São Paulo têm melhor estrutura
Enquanto Salvador tem a possibilidade realizar até 16 júris por mês, contra uma média mensal superior a 100 inquéritos de crimes contra a vida – homicídios e tentativas –, São Paulo e Sergipe estão entre os Estados que já deram passos à frente, dotando os tribunais de júris de suas capitais com melhor estrutura. Em São Paulo, são cinco tribunais, sendo que o principal, no Complexo Ministro Mário Guimarães, ou Fórum Criminal da Barra Funda, atuam 11 juízes. Realizam quatro a cinco júris por dia, numa média mensal de 100 plenárias.
Inaugurado pelo Governo do Estado em 1999, o fórum é ocupado por 30 varas criminais e dezenas de outros órgãos da Justiça e da Polícia Judiciária. São duas mil vagas para carros, 32 câmeras de videomonitoramento, sensores de presença, detectores manuais de metal, patrulhamento policial interno com patinetes e externo com viaturas e bicicletas, além de carceragem para 400 réus. A assessoria do TJ-SP confirmou o que contou Arjones sobre os apartamentos e o conforto oferecido a quem atua nos júris.
Em Sergipe os julgamentos já não atravessam a noite há muito tempo, pois o TJ local dispõe de convênio com hotéis na capital para alojar, individualmente, os jurados. Apesar de ter cerca de 1,3 milhão de habitantes a menos que Salvador, e um número bem inferior de processos a julgar, Aracaju tem também duas varas de júris. No Fórum Gumercindo Bessa, os juízes interrompem as sessões por volta das 22 horas. “Essa medida evita que o cansaço prejudique a votação dos jurados e o raciocínio lógico dos juízes”, esclarece a chefe de secretaria e escrivã Gleide Selma Leite Aragão.
Jurado: herói anônimo
A grande maioria da população desconhece, mas qualquer pessoa idônea pode atuar como jurado, integrar um dos conselhos de sentença no Tribunal do Júri e prestar importante serviço à sociedade. Apesar do mito de colocar a vida em risco, quem se candidata e é sorteado para uma das vagas acaba ficando anos, como no caso das irmãs Sydione e Sydnei Pastor da Luz. Inscritas pela primeira vez há cerca de 15 anos, quando decidiram cursar Direito, nunca mais deixaram de se candidatar.
Atualmente advogando, mas servindo em conselhos de sentença sempre que sorteada, Sydione acredita já ter participado de 30 júris, pelo menos. “Sou apaixonada por julgamentos”, diz. Nem mesmo uma ameaça de morte, na ocasião do julgamento de um ex-motorista de um desembargador, e da tentativa de agressão por parte de uma familiar de Celeste Maria Vargas, julgada há cerca de 15 anos por acusação de ter matado os dois filhos a fez desistir. “Eu e o promotor de Justiça Gabriel Castilho tivemos de ser escoltados até nossas residências”, relata.
A falta de plantão médico no fórum ficou evidenciada desde o julgamento de Celeste Maria, quando a ré desmaiou em plenário e teve de ser levada para atendimento médico no HospitaL geral do Estado. Em outra ocasião, a suspeita de que uma testemunha estava com meningite deixou a todos em polvorosa. “Ela foi levada para o Couto Maia para exames, somente após o resultado ficamos tranqüilas”, relata Sydnei da Luz.
As inscrições para jurado podem ser feitas a qualquer hora nas varas do júri. Se incluído entre os cerca de 500 sorteados no início de cada ano, o candidato tem, ainda, de transpor os sorteios mensais de cada vara, onde são escolhidos 21 jurados. Estando entre estes, a pessoa tem o direito de ficar todo o mês à disposição da Justiça, sem prejuízo de qualquer remuneração pela empresa que trabalha. Mas, se faltar em algum dos júris do mês, seu nome é substituído e corre o risco de ainda sofrer uma multa, a depender do juiz”.