Busato: falta de ética lesa a cidadania e aumenta exclusão
Roma, 09/06/2005 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, sustentou hoje (09), em conferência na abertura do Seminário Roma-Brasília, que “a falta de ética em política tem efeitos sociais desastrosos: lesa a cidadania, fere o decoro, aumenta a exclusão social, gera atraso e desordem, corrói o conceito e a credibilidade das instituições políticas e ameaça a democracia”. Busato falou no painel “Direitos Fundamentais, Garantias Jurisdicionais - o Direito à Vida”, um dos mais concorridos do seminário, realizado na Faculdade de Jurisprudência da Cidade Universitária.
O presidente da OAB destacou no discurso que a defesa dos direitos humanos continua sendo a causa primeira e maior no planeta. “Mas no Terceiro Mundo, temos violações primárias, quer pelo uso recorrente à tortura e ao extermínio de cidadãos pobres e indefesos, quer pela presença de um modelo econômico excludente, que induz à violência”. Para Busato, o Brasil, “país que abriga uma das sociedades mais desiguais do planeta, não pode achar que está imune a essas ameaças”.
Neste ponto, Roberto Busato observou que a eleição do presidente Lula em 2002 sinalizou positivamente no caminho das mudanças há tanto tempos esperadas pelo povo brasileiro. “Faltou, porém - e continua faltando -, determinação política ao governo para empreendê-la”, frisou. Disse ainda que o atual governo manteve o modelo econômico anterior, que privilegia o capital em detrimento do trabalho, “agravando nossas mazelas sociais e contraria todas as expectativas geradas no curso da campanha eleitoral que conduziu Lula à Presidência da República”.
Para agravar esse quadro, salientou Roberto Busato, a dívida brasileira “estruturou-se em cima de notórios ilícitos de corrupção e ilegalidades as mais diversas, sendo tecnicamente impagável nos termos em que está posta”. Segundo assinalou, trata-se de mais um agravante na crise sociais brasileira e fonte de paralisia econômica para o País. Diante disso, lembrou que a OAB ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma argüição.O de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e aguarda o pronunciamento daquela Corte.
De acordo com o presidente nacional da OAB, como resultado dessa gama de problemas “é o aprofundamento das frustrações o estabelecimento de um desencanto na sociedade brasileira - o cidadão brasileiro está hoje desiludido, sem esperança e já não crê em suas lideranças nem dispõe mais de qualquer utopia par alimentar seus sonhos”.
Do painel da palestra de Roberto Busato teve como presidente da mesa o vice-presidente da Corte Constitucional da Itália, Masimo Vari. Dela participaram também o ministro do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), Carlos Eduardo Caputo Bastos, o desembargador federal Carlos Fernando Mathias de Souza, o deputado Paes Landim (PI), o ex-deputado federal e ex-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, e o ministro conselheiro da Embaixada do Brasil na Itália, Dante de Lima.
A seguir, a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB no Seminário Roma-Brasília, pronunciado hoje (09):
“Senhoras e senhores
Antes de mais nada, quero registrar a honra que sinto em estar participando deste seminário Roma-Brasília, em sua 21ª edição. O intercâmbio entre nossas duas cidades tem se mostrado denso e profícuo ao longo destes anos em que este encontro se renova.
Para nós, brasileiros, além de um dos mais importantes eventos de nosso calendário jurídico, este seminário é sempre uma preciosa oportunidade de voltar a beber numa densa fonte de saber.
Nosso Direito, como se sabe, procede do Direito Romano e nele encontra sempre inspiração e esclarecimentos apropriados. Faço este registro inicial como reconhecimento e reverência a uma das mais importantes vertentes de nossa formação moral e intelectual, qual seja a cultura romana.
Dito isto, quero, antes de abordar o tema que me foi proposto – e até mesmo para melhor contextualizá-lo -, fazer algumas referências a respeito da instituição que presido e aqui represento.
A Ordem dos Advogados do Brasil é a entidade máxima da advocacia brasileira, reunindo mais de 530 mil profissionais em todo o país. É o segundo maior colégio de advogados do Ocidente, o que torna a missão de representá-la imensa responsabilidade, sobretudo em um fórum como este, de enorme prestígio e visibilidade.
Ao longo de seus 75 anos de existência, a OAB tem sido bem mais que uma entidade de classe. Sem deixar de ser a Casa do Advogado brasileiro e defensora de seus legítimos interesses profissionais, é também, até mesmo por imposição de seu Estatuto, defensora de interesses fundamentais da cidadania e dos postulados do Estado democrático de Direito – ou seja, os direitos fundamentais, de que tratarei nesta palestra.
Estabelece o artigo 44, inciso I, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que é Lei Federal brasileira que nos cabe:
“Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a Justiça Social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”
Isso, como é óbvio, nos envolve praticamente com todo o processo político-institucional do país, sem que, no entanto, nos autorize a nos envolver no jogo político-partidário e ideológico.
Nosso desafio é exatamente figurar nesse embate com o distanciamento necessário para não nos contaminarmos pelo varejo político, nem perdermos de vista a isenção que nos cabe como guardiães da cidadania brasileira.
De outro, a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 133, diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. É seguramente caso raro de profissão inscrita e descrita numa Constituição - e não apenas em face de seu papel utilitário, mas também, e sobretudo, em face de seu papel ético e moral.
A “administração da justiça” pode ser entendida no sentido meramente operacional da expressão, e também no sentido ético, de justiça como reparação moral de danos, reintegração de alguém na posse plena de sua cidadania – isto é, de seus direitos fundamentais. E é por aí que entendemos nossa menção na Carta Magna brasileira.
Essa distinção nos coloca na linha de frente da luta sem tréguas em defesa dos direitos fundamentais do ser humano – que adquire tons ainda mais dramáticos numa sociedade em que persiste, em grande escala, o fenômeno perverso da exclusão social.
E aí chego ao tema desta palestra – “Direitos Fundamentais, Garantias Jurisdicionais – o Direito à Vida”. Ele é suficientemente abrangente para comportar não apenas abordagens de ordem técnica, mas também de ordem política.
Trata-se de questão de profunda e triste atualidade em todo o mundo, em que o avanço tecnológico vertiginoso convive e freqüentemente se põe a serviço das formas mais primitivas e hediondas de barbárie.
Como ocupo esta tribuna na qualidade não apenas de advogado, mas de presidente de uma entidade que, como há pouco mencionei, exerce papel ativo na cena sócio-política de meu país, peço vênia para dar ao tema tratamento dessa natureza.
De início, coloco uma questão conceitual: dou aqui às expressões “direitos humanos”, “direitos do homem” e “direitos fundamentais” uma única e mesma significação.
A literatura jurídica chancela esse uso comum. Latinos e anglo-saxões costumam mencionar mais “direitos humanos” e “direitos do homem”, enquanto os alemães mais comumente utilizam “direitos fundamentais”.
O que importa, porém, é o que essas expressões designam na sua essência: os pressupostos elementares de uma vida lastreada na liberdade e na dignidade humanas – pressupostos esses cada vez mais escassos em nossos dias.
Nesses termos, não tenho dúvidas em afirmar que a defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana continua sendo a causa primeira e maior em nosso planeta. Ela assume, conforme o grau de desenvolvimento de cada país, formas diferenciadas – em alguns casos, mais explícitas, em outros, mais sutis.
No Terceiro Mundo, temos violações primárias, quer pelo uso recorrente à tortura e ao extermínio de cidadãos pobres e indefesos, quer pela presença de um modelo econômico excludente, que induz à violência.
No Primeiro Mundo, temos formas mais sofisticadas de violá-los – e o sistema financeiro internacional vigente, que promove e sofistica a agiotagem, concentrando renda e perpetuando a pobreza em todo o planeta, sobrepõe-se às demais.
Sobrepõe-se até mesmo à barbárie da guerra, posto que a patrocina e a estimula. O que vemos hoje, em nome da luta contra o terrorismo – a barbárie das barbáries – é a disseminação do terrorismo de Estado.
O bombardeio implacável a populações civis desarmadas no Iraque e no Afeganistão, sem que sequer se tenha demonstrado a conexão efetiva entre aqueles governos e as organizações terroristas, iguala em vileza o ato que se pretendia justiçar.
O que se violou – e se viola - de direito humano mais elementar, desconhecendo-se princípios básicos da Convenção de Genebra, no presídio de Abu Ghraib, no Iraque, e na ilha de Guantânamo, mostra que regredimos aos momentos mais sórdidos do nazifascismo.
Em nossa América Latina, tortura e prisões arbitrárias continuam acontecendo, contra os segmentos mais pobres da população. Em países vizinhos ao Brasil, como Venezuela e Equador, o autoritarismo reaparece, como suposta solução contra a violência da droga, da corrupção e do desequilíbrio econômico.
O Brasil, que abriga uma das sociedades mais desiguais do planeta, não pode achar que está imune a essas ameaças.
Mais que nunca, os defensores dos direitos humanos, das liberdades públicas, do Estado Democrático de Direito têm que estar alertas e unidos, em defesa das instituições e das conquistas obtidas ao longo de tantas e tantas lutas memoráveis.
Repito sempre que estabelecemos no Brasil os fundamentos de uma bela civilização, marcada pela pluralidade étnica e cultural. Somos uma economia pujante, que até há pouco era a oitava do planeta (a recessão, neste momento, nos coloca em 15º lugar), mas não conseguimos ainda estabelecer magnitude equivalente no plano social.
Os conflitos que presenciamos no Brasil não se fundam em questões étnicas ou religiosas. Têm viés sócio-econômico, cujas soluções estão ao nosso alcance e dependem exclusivamente de determinação política para buscá-las.
O que nos falta é dar conteúdo social ao Estado democrático de Direito, promovendo a inclusão dos vastos segmentos de nossa população ainda à margem do processo econômico.
A eleição, em 2002, do Presidente Lula, liderança forjada nas lutas sindicais, sinalizou positivamente no caminho das mudanças há tanto ansiadas. Faltou, porém - e continua faltando -, determinação política ao governo para empreendê-las.
A manutenção do modelo econômico anterior, de índole financista-monetarista, que privilegia o capital em detrimento do trabalho, e agrava nossas mazelas sociais, contraria todas as expectativas geradas no curso da campanha eleitoral que conduziu Lula à Presidência da República.
E o resultado é que se aprofundaram as frustrações e estabeleceu-se o desencanto na sociedade brasileira. O cidadão brasileiro está hoje desiludido, sem esperança. Já não crê em suas lideranças e nem dispõe mais de qualquer utopia para alimentar seus sonhos.
Já não sonha - e isso é perigoso.
É a capacidade de sonhar que move o ser humano. É este, sem dúvida, o direito humano mais elementar. Não podemos permitir que o país, paralisado por uma política econômica depressiva, mergulhe também em depressão psicossocial.
Mais que nunca, cabe à sociedade civil organizada - da qual a OAB é expoente - papel decisivo na reversão desse quadro de desânimo e descrença. E não estamos alheios a essa missão. Uma de nossas ações mais recentes relaciona-se à monstruosa dívida externa de nosso país, cujo perfil desafia o bom senso e a moral.
Por mais que a paguemos, mais cresce e se multiplica. Há poucos meses, ingressamos no Supremo Tribunal Federal brasileiro para exigir que o Congresso Nacional realize auditoria da dívida externa de nosso país, submetendo a exame pericial os atos e os fatos que a geraram.
A dívida brasileira, tecnicamente impagável nos termos em que está posta, estruturou-se em cima de notórios ilícitos de corrupção e de ilegalidades as mais diversas. É fonte de paralisia econômica para o país, mantendo e agravando a crise social.
Não pretendemos deixar de pagar nossas obrigações internacionais, trata-se de promover o pagamento do que for justo. Não se pode aceitar a espoliação indevida do país e de seu povo, que já pagou a dívida com muito suor, lágrimas e sangue.
Na ação intentada que foi titulada de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, perante à Suprema Corte de meu país, a Ordem dos Advogados do Brasil afirmou que...“O endividamento pátrio penhorou o futuro da nação. Restringiu-lhe a soberania, atingiu a dignidade da pessoa humana, dos brasileiros, e ainda impediu que fossem realizadas ações capazes de erradicar a pobreza.”
“O brutal endividamento levou à estagnação econômica da década de 80, a década perdida. São lições de Hélio Jaguaribe, ex-professor das Universidades de Harvard, Stanford e do Mint, in “Alternativas do Brasil”, Editora José Olympio, 3º Edição, 1990, pg. 93 e 94:
“A despeito de sua excepcional propensão para um rápido crescimento, a economia brasileira entra em estagnação, de um modo geral na década de 1980. (...)
Em termos per capita, que exprimem o enriquecimento ou empobrecimento médios da população, os anos 80 situam no Brasil, até 1988, em posição inferior à que atingira em 1980. (...)
Por que entrou em estagnação uma economia tão dinâmica como a brasileira? As circunstâncias condicionadoras desse resultado são diversas, avultando o peso da dívida externa, cujo o serviço foi exorbitantemente majorado por um coeficiente de 400%, de 1979 a 1983, em virtude de decisões unilaterais do Sistema Federal de Reserva, dos Estados Unidos.”
A análise integral da dívida com seu eventual repúdio, e a responsabilização daqueles que a promoveram irregularmente, ante sua vinculação com os princípios da soberania, da dignidade da pessoa humana, com o objetivo de erradicação da pobreza e o próprio princípio da coisa pública, com a obrigatoriedade dele decorrente de sua boa gestão, viola preceito fundamental cujo descumprimento autorizou o ajuizamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Este processo aguarda informações requisitadas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,Carlos Ayres Britto, relator do feito, junto ao Congresso Nacional.
A exclusão social no Brasil é ainda subproduto da escravidão, cujos efeitos, políticos, econômicos e morais, 117 anos depois de sua abolição, estão ainda presentes.
A proclamação da República não rompeu, entre nós, os fundamentos discricionários da sociedade monárquica. Podemos dizer que a ética republicana brasileira não se impôs às forças reacionárias que dela se apoderaram desde o início.
Há pouco, registramos os 41 anos do golpe militar de 31 de março de 1964. Um golpe que se impôs a partir de um discurso que se pretendia ético - que era o de repor a ordem pública e combater a corrupção -, mas que acabou derivando para a quebra da ordem constitucional e para o Estado de exceção.
Foram duas décadas de autoritarismo, que enraizaram um modelo econômico excludente, concentracionista, que aprofundou as desigualdades e exacerbou as mazelas históricas da sociedade brasileira.
Com a redemocratização, a partir de 1985, deixamos de discutir questões institucionais e nos colocamos diante de um desafio complexo e de sentido profundamente ético, que ainda se faz presente: o de promover a justiça social.
Sem ela, não há democracia – e sem esta não se pode falar em direitos fundamentais e em garantias jurisdicionais. Ao tempo da ditadura, reivindicava-se liberdade de imprensa, de organização político-partidária, o direito de expressão, de escolha pelo voto direto dos dirigentes do país.
São questões fundamentais, sem dúvida, mas que felizmente já resolvemos. E isso nos recoloca no ponto de partida do desafio que estava na origem de nossa República: tornar o Brasil um país ao alcance de todos os seus cidadãos. Ou por outra, um país de cidadãos.
Estamos ainda distantes deste sonho, mas não podemos deixar de sonhá-lo. Como já disse, é este o mais elementar direito – e dever – humano.
Mais de dois terços da população brasileira estão excluídos dos bens da civilização e não têm a mais remota idéia de seus mais elementares direitos de cidadania. Isso agride o Direito e os fundamentos sobre os quais se organizou a idéia de Estado.
Agride a ética e a moral. Agride o bom senso. Agride a advocacia.
Por essa razão, o tema dos direitos humanos tem sido, ao longo da história da OAB, objeto de numerosas campanhas de opinião pública. Não há exagero em dizer que tem sido tema que permeia praticamente todas as nossas iniciativas em defesa da ordem jurídica e do Estado democrático de Direito.
Quando nos empenhamos em defender ética na política ou ética na advocacia, para citar apenas duas de nossas campanhas permanentes, estamos defendendo direitos humanos, em seu sentido mais abrangente.
A falta de ética em política tem efeitos sociais desastrosos: lesa a cidadania, fere o decoro, aumenta a exclusão social, gera atraso e desordem, corrói o conceito e a credibilidade das instituições políticas e ameaça a democracia.
Falta de ética no exercício da advocacia agrava a crise de justiça, que, por sua vez, constitui uma das grandes mazelas nacionais contemporâneas em matéria de direitos humanos. Não é também por acaso que há anos a Ordem inseriu em sua agenda político-institucional, como prioridade das prioridades, a reforma do Poder Judiciário.
Não a pequena reforma recentemente aprovada pelo Congresso brasileiro, mas uma reforma em profundidade, que efetivamente torne a Justiça transparente e acessível ao povo.
Justiça é direito humano inalienável, básico, sem o qual as conquistas da civilização perdem sentido e conteúdo.
O tema dos direitos humanos está mundialmente centrado num paradoxo: quanto mais se amplia a consciência internacional em torno dele, mais se produzem modalidades de pervertê-lo. Além das formas mais primárias de transgressão - pela violência física e/ou moral, a indivíduos ou coletividades inteiras, como é o caso presente das guerras no Oriente Médio a pretexto de combate ao terror -, há a transgressão econômica.
A guerra, não há dúvida, é a mais estúpida e primária forma de profanação dos direitos humanos, mas não necessariamente a de efeitos mais avassaladores.
A globalização econômica em curso, nos termos em que se processa, com viés puramente financista, aumenta os bolsões de miséria no planeta, reduz horizontes de prosperidade e sobrevivência a milhões e milhões de pessoas em todo o mundo (sobretudo os jovens), e produz mais vítimas do que todas as guerras em curso.
Não há nisso exagero. Basta conferir o aumento crescente e expressivo dos índices de desemprego nos países não apenas do Terceiro Mundo, mas na própria Europa Ocidental.
O paradoxo que mencionei está em que, ao mesmo tempo em que se sofistica a jurisprudência em torno dos direitos humanos, permitindo que haja jurisdição internacional nessa matéria, praticam os países civilizados políticas econômicas que produzem mais vítimas que a ação somada de todos ditadores.
Aumentam as demandas sociais e reduz-se a capacidade do Estado de atendê-las. Aumentam os lucros das corporações e definham os orçamentos dos países, cujos mercados se tornam cativos da ganâncias daqueles conglomerados econômicos.
Dissocia-se progresso econômico de equilíbrio social. Concentra-se a riqueza na mesma proporção em que aumenta. Dilui-se a identidade das nações na medida em que cresce o poder das corporações.
O resultado é a deterioração das estruturas estatais, o descrédito das instituições públicas, o desencanto e a perplexidade das sociedades.
Esse o quadro brasileiro; esse o quadro das nações periféricas, que abrigam dois terços da população mundial.
Penso que a discussão sobre direitos fundamentais, hoje, deve ter como eixo a rediscussão do modelo econômico-financeiro internacional. Fora disso, tratará do varejo, das conseqüências.
Basta ver a conjuntura brasileira. Sabemos que direitos humanos são violados diariamente nas delegacias de quase todo o país. Sabemos que menores carentes submetem-se a maus tratos, que execuções sumárias se multiplicam na periferia das grandes cidades, que milhares e milhares de pessoas morrem de fome e desnutrição.
Podemos - e precisamos - denunciar com veemência essas anomalias e punir os infratores. Mas isso não porá fim a esse quadro de violência e transgressão de direitos.
Somente pelo fim da exclusão social, que implica educação para todos, acesso a emprego e bens de consumo, é que poderemos reduzir e até eliminar esses problemas.
Mas essa é tarefa, num mundo inapelavelmente globalizado, que só se realiza plenamente mediante mudanças profundas no sistema financeiro internacional. E para que essas mudanças se efetivem é preciso a presença constante e implacável de uma opinião pública internacional cada vez mais lúcida e atuante. Daí a importância de fóruns como este, que reúne personalidades de trânsito internacional, com autoridade moral e intelectual para denunciar, propor, reivindicar.
A OAB sente-se honrada de participar deste Seminário Roma-Brasília, congratula-se com seus organizadores e faz votos de que, como de hábito, se revista de êxito, trazendo luz para esta nossa sofrida civilização. Que Deus nos oriente.
Muito obrigado”.