Corrupção no poder público é endêmica, afirma Busato
Itá (SC), 28/05/2005 - Em Itá, em Santa Catarina, onde participa da reunião do Colégio de Presidentes de Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e e do XIII Encontro de Delegados da Caixa de Assistência ao Advogado de Santa Catarina, o presidente nacional da OAB, Roberto Busato, criticou a elevada carga tributária brasileira, a corrupção, o nepotismo e a proliferação das faculdades de Direito, destacando que quando um exame de Ordem começa a “reprovar em nível de concurso público, algo está podre no Reino da Dinamarca”.
Busato afirmou que “a corrupção é uma prática que corrói o País, não só no aspecto financeiro como moral”. Ele defendeu um novo pacto federativo e afirmou que o Brasil é uma “Belíndia” – arrecada como Bélgica e distribui o produto desta arrecadação como a Índia
Aos 51 anos, natural de Caçador (SC) e radicado em Ponta Grossa (PR), Busato é o primeiro presidente macional da OAB que mantém suas atividades no interior do País. Formado em 1977 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, o advogado está há um ano e meio no comando da entidade.
Segue a entrevista concedida ao "O Jornal", de Concórdia (SC) pelo presidente nacional da OAB:
P - É tradição na OAB o debate de assuntos importantes para o País. Uma questão em alta hoje é a corrupção. Que reflexões a OAB faz sobre o assunto?
R - A Ordem dos Advogados do Brasil sempre participa dos movimentos desta Nação. A história da República passa pela Ordem. Neste momento, infelizmente, a história do Brasil se escreve com vários atentados à moralidade pública. A colonização lusitana ainda nos prende a grilhões monárquicos, que se manifestam até hoje. A corrupção no poder público brasileiro é endêmica. Estamos nos debruçando no debate sobre o nepotismo nas três esferas de poder, baseado no afloramento do tema, pela transparência do Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que apóia tal prática, que é retrógrada, e que, como pano de fundo, traz a corrupção. A corrupção é uma prática que corrói este País, não só no aspecto financeiro como moral.
P - E o nepostismo?
R - Tenho dito que o nepotismo tem hoje um grande garoto propaganda, que é o deputado Severino, que serve para o nepotismo como a MP 232 serviu para a discussão profunda da absurda carga tributária em que vivemos. Graças ao Severino Cavalcanti o povo novamente despertou para esse lobby. O clamor da sociedade acabou exigindo que a Ordem iniciasse não uma campanha, mas um grande movimento contra o nepotismo. Entendemos que para que se possa combater eficazmente o nepotismo, precisamos de leis confiáveis e específicas em relação a esta prática. Não podemos ficar dependendo de leis municipais, que muitas vezes são derrubadas por falta de uma base constitucional mais nítida. Nós assim elegemos a PEC (Proposta de Emenda Constitucional), de autoria do deputado carioca Antônio Biscaia, que é a mais adequada e dentro de uma base constitucional poderemos levar ao judiciário o nepotismo que hoje é muito sofisticado.
P - A OAB formou um grupo para estudar esse assunto a questão tributária. Como vai o trabalho?
R - Esta comissão, formada por grandes juristas do Brasil, tinha dois trabalhos a fazer. Nós dizíamos que a comissão trabalharia sob dois viés, um emergencial e outro de fundo. O primeiro com relação à Medida Provisória nº 232, que conseguimos ver derrubada graças à mobilização popular em todo o Brasil. Encerrada esta luta, estamos encetando agora os primeiros trabalhos no sentido de verificarmos algumas peculiaridades no campo tributário do Brasil. O primeiro deles é esta carga brutal que o Brasil possui, e ao lado desta carga brutal, que não é só cruel por ser elevada, mas é muito mais cruel pelo que retorna à população. Vivemos atualmente numa Belíndia.O Brasil é a Bélgica ao arrecadar, e a Índia na hora de oferecer os direitos fundamentais ao cidadão; e é uma Índia muito atrasada, dos rincões daquele país tão sofrido. O segundo ponto é a absurda distribuição deste bolo entre União, Estados e municípios. Cada vez mais a União se agiganta perante os estados e estes, por outro lado, descarregam serviços ao município, que não tem condições de suportar esta carga de serviço com a arrecadação que lhe é destinada. O terceiro ponto, que esta comissão passará a limpo é a destinação das contribuições obrigatórias, que nasceram para um determinado fim e são desviados para o cofre central da União, como é o caso da CIDE, que deveria ser utilizada na recuperação de estradas e não o é.
P - Como o senhor avalia a Reforma do Judiciário?
R - Até agora foi concretizada uma pequena parte. Ela teve um lado positivo muito importante, que foi a discussão do Poder Judiciário. Nunca no Brasil se discutiu tanto este tema. Talvez este seja um dos poucos méritos do governo Lula, que foi de abraçar um compromisso que ele tinha assumido, por escrito, com o Conselho Federal da OAB, de dar prioridade a esta Reforma. A magistratura saiu um pouco daquela redoma que lhe cobria, daquela imagem que muitos magistrados tem de que o Poder Judiciário seria deles e não do povo, que é um absurdo. O Judiciário existe para servir ao povo e não a juizes, advogados e promotores. Dentro destas pequenas medidas que foram tomadas, a mais importante foi a criação do Conselho Nacional de Justiça. A missão é muito grande, precisamos mudar a máquina do Poder Judiciário, através de políticas modernas, práticas cientificamente corretas e da informatização, que responda a esta gama de demandas que hoje atravancam o judiciário, do norte ao sul.
P - Fala-se muito em facilitar o acesso da população ao Poder Judiciário. A defensoria pública seria uma forma de promover isso?
R - Eu disse na posse do ministro Nelson Jobim que o Brasil é um país inconstitucional pelo salário mínimo vigente. Repito isso quanto à defensoria pública. Não há nesse País, nenhum estado com defensoria pública mínima, para atender a sociedade. Tem um dado cruel nessa história. São os estados mais avantajados economicamente,aí falo do Sul e Sudeste, que são os mais avarentos nesta questão. Em contrapartida, a maior dotação orçamentária para a defensoria está em estados pobres.Considero a defensoria pública do Piauí, a mais avançada do Brasil. Com a Emenda 45, temos um certo alento. A defensoria passará a ter autonomia administrativa e financeira. Vamos ver se coisa funciona nesse País. Deixo aqui um dado. Só para se ter uma idéia, a OAB de São Paulo, em convênio com a prefeitura, tem 35 mil advogados cadastrados e trabalhando para a população carente, num universo, segundo pesquisa encomendada pelo STF, de 13 mil e 500 juízes em todo o Brasil.
P - Como o senhor vê hoje o mercado de trabalho para o operador do direito?
R - A advocacia é diferenciada. É uma profissão com feições privadas,mas por outro lado de feições nitidamente públicas. Participa, por força constitucional, da administração da Justiça, que no Brasil é um poder, diferentemente de outros países. O mercado está difícil. Temos hoje 530 mil advogados no Brasil, 120 mil a mais que os Estados Unidos. Compare o PIB do Brasil com o Norte Americano. Outro problema é a distribuição destes profissionais. Aqui eles concentram-se nos grandes centros urbanos, portanto mal distribuídos como é a essência desta Nação. 80% dos advogados estão de parte de Minas Gerais para baixo. Temos um interior rico, que consegue absorver esta mão de obra. Só que no Norte e Nordeste, por exemplo, onde a presença do Estado brasileiro é nula, essa máxima não se aplica. Esse quadro acaba sobrepondo advogados, que hoje, com o boom das faculdades de direito, temos cerca de 80 mil bacharéis/ano, nos 880 cursos espalhados pelo País.
P - E quanto ao Exame de Ordem?
R - O Exame da Ordem é um exame de aproveitamento, não um exame de exclusão. Temos que ter uma seriedade muito grande nesta aplicação, pois se trata do ingresso no mercado de trabalho. Não é para selecionar os melhores, é para aproveitar o mínimo de conhecimento que cada um possa ter para atender os direitos da sociedade. Quando um Exame de Ordem é criado com estas características, e começa a reprovar em nível de um Concurso Público, que visa selecionar os melhores, é porque algo está podre no Reino da Dinamarca. Alguma coisa está errada, ou o Exame da Ordem está errado ou a formação do Direito está errada. Um exemplo aconteceu na cidade de Cascavel/PR, que o último Exame teve um índice de reprovação de 98,3%. Na minha cidade de Ponta Grossa existem duas faculdades apresentando bacharéis para o Exame de Ordem, sendo uma pública e a outra privada. Tivemos 95% de reprovação, mas todos os aprovados são da pública, não havendo nenhum da faculdade privada. Temos hoje mais de 300 faculdades que não tem mais vestibular, a vaga é 1/1. Tenho uma audiência, segunda-feira, dia 30, com o Ministro da Educação, Tarso Genro, onde eu colocarei esses números para ele. Estou levantando todos esses números e direi a ele que eu não deixarei mais que o Exame da Ordem seja a Geni da situação do descalabro do ensino jurídico. Ou o MEC efetivamente fiscaliza os cursos de Direito do País, e tem a hombridade de cumprir a sua função e fechar inúmeras faculdades, que não tem a mínima condição de funcionar, respeitando o direito adquirido do jovem brasileiro, procurando acomodar-lhe em outro curso que seja adequado, ou vamos para a guerra com o MEC.