Artigo: Mais cursos de direito reprovados em massa
Brasília, 28/05/2005 – O artigo “Mais cursos de direito reprovados em massa” é de autoria do advogado Walter Ceneviva e foi publicado na edição de hoje (28) da Folha de S.Paulo:
“O assunto do dia nos meios jurídicos é a taxa de reprovação (88% na primeira fase) dos concorrentes ao último Exame de Ordem, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo. O fenômeno não é apenas paulista. Tem sido notado em alguns Estados, mas aqui, pela enorme quantidade de candidatos, causa mais espanto. Os comentários levam em conta o fato indiscutível de que, em sucessivas provas, o resultado tem apresentado a USP, a PUC, o Mackenzie e um pequeno grupo nos primeiros lugares de classificação neste Estado.
Há um dado paralelo colhido em outros exames para carreiras públicas relacionadas com o direito (verificáveis em publicações oficiais). Estão nesse caso os procuradores públicos, delegados de polícia, notários e registradores e, em aparente maior nível de dificuldade, a magistratura e o Ministério Público. A estatística se repete. O número restritíssimo de escolas líderes demonstra que as provas da OAB/SP não são excessivamente severas, nem garantem privilégio para algumas faculdades, porquanto na primeira parte dos concursos a seleção é eletrônica, em testes de múltipla escolha.
O condicionamento das provas é variável. Situam-se apenas na capital (por exemplo, os de procuradores do município). Outros em todo o Estado. Compreendem matérias diversificadas, pois os interesses específicos são variáveis, quanto a temas e a valores ponderados, atribuídos a partes de cada prova.
De tudo se extrai a conclusão, da qual o Ministério da Educação tem feito o possível para fugir: o problema não está na dificuldade maior ou menor dos concursos. Está nas insuficiências gritantes de muitos cursos, na quantificação crescente e irresponsável, muitos extremamente onerosos, para alunos condenados à reprovação, ao saírem para a vida profissional. Se fossem aprovados, os efeitos sociais seriam ainda piores pelos danos que certamente provocariam no patrimônio de seus clientes ou na liberdade deles.
O desastre educacional é maior na área de direito, ante a facilidade de os instalar e manter. São salas ornadas por mesa solitária, carteiras e, eventualmente, um quadro negro. O giz deve sobrar. Se o problema fosse apenas quantitativo (tínhamos 190 escolas de direito neste Estado até a manhã de ontem) a insuficiência seria evitada na área das outras profissões clássicas (medicina e engenharia) ou, para só mais um exemplo, nos de letras, economia e administração. Em todos, o nível baixo do alunado é estarrecedor. O fenômeno não é novo, mas vem sofrendo sensível agravamento com o passar do tempo, ante a preocupação dominante com a industrialização do ensino, em que a quantidade é o primeiro objetivo.
Feito o diagnóstico, qual a solução? Parar com novos cursos em áreas densamente preenchidas. Parar com a "universidadização" do ensino superior. Sem prejuízo da independência universitária, exigir critérios de verificação de qualidade, de modo a impedir o estelionato intelectual de submeter alunos e seus pais a gastos elevados, durante anos, para não fruírem o resultado econômico do ensino, no exercício profissional que lhe corresponda. Impor, ao menos, critérios seletivos para o professorado, substituindo a situação de hoje, na qual é comum limitar-se a diferença entre o aluno e o mestre no fato de que este já terminou o bacharelado.
A ferida social exigirá tempo para ser curada. Sem dar o primeiro passo, contudo, não chegaremos ao milésimo. Está na hora de partir.”