Toron critica “devassa” a escritórios em plena democracia
Brasília, 03/05/2005 - O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por São Paulo e atuante advogado criminalista, Alberto Zacharias Toron, criticou hoje (03) que, mesmo vivendo num Estado Democrático de Direito, que garante constitucionalmente a inviolabilidade das prerrogativas profissionais do advogado, muitos escritórios de advocacia no Brasil estejam sendo devassados à procura de provas contra os clientes.
“Eu não posso invadir o escritório do advogado para buscar provas porque o Estado e a sociedade politicamente organizada consideram o escritório do advogado inviolável”, afirmou Alberto Zacharias Toron. “Nós vamos viver numa sociedade que é regida pelo Direito, na qual se respeita a Constituição e na qual se tomam os direitos a sério ou, então, vamos viver debaixo do mais puro arbítrio, do mais covarde arbítrio. Francamente, não é para isso que nós redemocratizamos esse País”.
O conselheiro federal da OAB frisou que não há, por parte da entidade, interesse algum em proteger o advogado criminoso. Ele lembrou que o advogado que praticou ou é partícipe de um crime, o advogado que guarda cocaína no escritório ou que tem máquina de fraudar selos da União, por exemplo, está sim sujeito a esse tipo de coisas, pois praticou um crime no exercício da sua atividade.
“Mas se o advogado recebe alguém que está sendo acusado e o cliente lhe fornece documentos da atividade dele, que podem até ser comprometedores, nesse contexto, o seu escritório é sim inviolável porque a Constituição quer que seja assim”, afirmou Toron.
Segue a íntegra da entrevista concedida pelo conselheiro federal da OAB por São Paulo:
P - Qual a sua avaliação sobre a invasão de escritórios de advocacia que a Polícia Federal tem deflagrado em algumas cidades, a fim de buscar dados ou documentos de pessoas acusadas de crimes?
R - A primeira coisa que temos que ter presente é que não adianta focarmos as críticas na Polícia Federal porque os policiais federais, quando invadem escritórios de advogados, o fazem munidos de um mandado judicial. Logo, nossa crítica não pode ficar na superficialidade de afirmar que se trata de uma brutalidade da Polícia Federal, embora, por vezes, brutalidades ocorram no processo de invasão. Mas o nosso ponto é outro: é lícito, num Estado de Direito Democrático, que garante constitucionalmente a inviolabilidade das prerrogativas profissionais do advogado, que os escritórios sejam devassados à procura de provas contra os clientes dele? A minha resposta é no sentido negativo e não vai aí nenhuma intenção em querer proteger advogado criminoso. É preciso distinguir as situações. Uma coisa é o advogado o que praticou ou é partícipe de um crime, o advogado que guarda cocaína no escritório ou que tem máquina de fraudar selos da União, por exemplo. Ele está sim sujeito a esse tipo de coisas, pois praticou um crime no exercício da sua atividade. Mas se o advogado recebe alguém que está sendo acusado e o cliente lhe fornece documentos da atividade dele, que podem até ser comprometedores, nesse contexto, o seu escritório é sim inviolável porque a Constituição quer que seja assim.
P - E por que a Constituição determina que seja assim?
R - É muito importante que a sociedade saiba. Da mesma forma que o padre não pode ser compelido a explicar o que lhe foi dito no confessionário, o advogado também tem o dever de manter em sigilo os documentos e as palavras que lhe foram confiadas. É por isso que a lei processual exime o advogado do dever de depor, é por isso que a lei penal incrimina o advogado que viola o dever profissional de sigilo. Ora, o Estado tem na sua atividade persecutória aquilo que nós, numa linguagem mais técnica, chamamos de limites cognitivos. Eu não posso torturar alguém com o objetivo de tirar-lhe a verdade, embora a tortura eventualmente possa me trazer a verdade. Isso porque o Estado repele a tortura. Eu não posso invadir o escritório do advogado para buscar provas porque o Estado e a sociedade politicamente organizada consideram o escritório do advogado inviolável. Nós vamos viver numa sociedade que é regida pelo Direito, na qual se respeita a Constituição e na qual se tomam os direitos a sério ou, então, vamos viver debaixo do mais puro arbítrio, do mais covarde arbítrio. Francamente, não é para isso que nós redemocratizamos esse País.