Artigo: Contraditório e coerente
Brasília,07/02/2005 - O artigo "Contraditório e coerente" é de autoria do vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aristoteles Atheniense e foi publicado na edição de hoje (07) do Jornal de Brasília:
"Este homem que aparentemente foi contraditório tornou-se o mais raro padrão da coerência que conheci neste mundo de falsas glórias
Entre as figuras notáveis que construíram a história da advocacia brasileira, há um lugar reservado a Sobral Pinto, pela coerência com que marcou a sua atuação, ainda que, à primeira vista, pudesse parecer contraditório.
Como uma voz, que não era sonora, conseguiu fazer calar multidão indomável, como ocorreu no comício das "Diretas", na Candelária, repetindo o que todos sabiam, mas que, naquela oportunidade, deveria ser exaltado: "Todo poder emana do Povo e em seu nome será exercido"?
Como alguém de formação conservadora, educado pelos jesuítas num colégio de Friburgo, convivia com as chamadas "forças progressistas" e com elas resistira às ousadas investidas dos glutões do mandonismo ao domínio da legalidade?
Como a sua figura carismática atraía a atenção dos jovens irreverentes, quando a estes se dirigia, não para seduzi-los, mas, na maioria das vezes, a conclamá-los a ocupar responsavelmente o lugar que lhes estava reservado no futuro do Brasil?
Como um homem avesso a todo tipo de autoritarismo militar ou civil, quando falava aos governantes o fazia em termos corteses, mas em palavras claras, sem rodeios, dizendo-lhes verdades que necessitavam ouvir, que os seus acólitos não ousavam sugerir-lhes?
Como este cidadão, impermeável à vaidade, que rejeitou os mais altos cargos da República, que nunca disputou honrarias, de condição modestíssima, de família numerosa, não se deixou seduzir pelas oportunidades com que lhe acenaram, não só os amigos, como os próprios adversários?
Como teve o destemor de invocar em favor de cidadãos enjaulados, cujas idéias materialistas ele combatia, a lei de proteção aos animais, num derradeiro esforço de obter de seus carcereiros um lampejo de respeitabilidade à condição de ser humano?
Como este cidadão, que tantas vezes se desentendeu com seus colegas e amigos do Conselho Federal da OAB, abandonando suas sessões, dando a impressão de que não mais retornaria ao plenário, veio a tornar-se o maior advogado entre os grandes de seu tempo?
De onde vinha a sua obstinação em contribuir para a melhoria das instituições, para regeneração dos costumes, imolando-se no sentimento do dever cumprido, preocupado em preservar a respeitabilidade da profissão que elegeu?
Para tudo isso só há uma explicação.
Só é livre quem consegue ser verdadeiro.
Consciente do que representou e desse modo de ser, ele optou por esta linha de conduta, fazendo dela a razão maior de sua vida.
No pequeno mundo de sua velha casa, no bairro de Laranjeiras; no acanhamento de seu escritório da Rua Debret, era possível avaliar a grandeza de seu temperamento, a distinção de seus gestos e a delicadeza no trato humano.
Não há notícia de que mesmo nos momentos mais críticos se estancasse a fonte de seu idealismo, que lhe dava força no enfrentamento às adversidades.
Este homem que aparentemente foi contraditório tornou-se o mais raro padrão de coerência, que conheci neste mundo de falsas glórias e de ídolos passageiros.
Este foi Heráclito Fontoura Sobral Pinto, filho de um agente da estação da Central do Brasil, nascido nesta cidade no dia 5 de novembro de 1893, coincidentemente, no mesmo dia em que nasceu, também, Ruy Barbosa.
Os exemplos que prodigalizou, em momentos de decepções e covardias de nossa vida política, constituem a projeção dos ricos atributos de sua personalidade exemplar, numa época de tantas e seguidas contradições como a que estamos vivendo".