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Editorial: Salvando a democracia

quarta-feira, 17 de novembro de 2004 às 11h40

Fortaleza,17/11/2004 - O editoral Salvando a democracia foi publicado na edição de hoje (17) do jornal O Povo, do Ceará:

"A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acaba de lançar a campanha nacional pela mudança da lei do plebiscito e do referendo no Brasil para possibilitar o seu acionamento real. Da forma como estão regulamentados, esses instrumentos dificilmente serão utilizados, o que prejudica o avanço e o aprofundamento da democracia brasileira. Se o fossem, provavelmente dariam uma saída constitucional para as crises institucionais que ciclicamente sacodem o Brasil, desmontando o Estado Democrático de Direito, desde que foi realizado a primeira intervenção militar num regime constitucional, no País: o golpe de estado de 15 de novembro de 1889.

O Ceará pode orgulhar-se de ter partido de seu território, há muito tempo, através da voz qualificada do constitucionalista Paulo Bonavides, a convocação em favor da aplicação concreta do princípio constitucional fundante: o exercício direto do poder pelo povo, consubstanciado no parágrafo único, do art. 1º da Constituição Federal: ''''Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição''''. Mais adiante, no artigo 14, discriminam os instrumentos pelos quais se exercerá esse exercício direto do poder pelo povo: plebiscito, referendo e iniciativa popular.

Acontece que ao chegar o momento de regulamentá-los - como sempre acontece no Brasil - desvirtuou-se a intenção do legislador originário, ao se determinar, através da lei nº 9.709/98, que ficasse restrita apenas ao Congresso Nacional a iniciativa de realização de plebiscitos e referendos. É o que diz o art. 3º dessa legislação: "Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do parágrafo 3º do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta lei".

Ora, estabelecer as coisas dessa forma é como presentear um menino com uma bola de futebol e proibi-lo de jogar pelada por conta dos riscos de se machucar. Ninguém ignora o quanto é difícil votar-se alguma coisa no Congresso. Multipliquem-se esses obstáculos por dez, se for algo que afete privilégios dos parlamentares. Nem pensar. Ora, o plebiscito e o referendo destinam-se, sobretudo, a permitir aos cidadãos que intervenham diretamente para a resolução de questões polêmicas ou de interesse vital para o conjunto da sociedade e que possam ser reféns de lobbies poderosos. Servem (sobretudo, num país de tradição golpista como o Brasil) para que nos impasses entre as correntes políticas antagônicas, não sejam as Forças Armadas a avocar para si um direito de intervenção desprovido de legitimidade (justificado sempre em nome da governabilidade), mas caiba ao próprio povo, fonte originária do poder, o direito de decidir a questão através do voto livre e secreto.

Para isso, é preciso que os instrumentos do plebiscito e do referendo sejam também convocados através de projeto legislativo de iniciativa popular. Entre as mudanças sugeridas pela OAB está sua convocação obrigatória para aprovação de matérias de alta relevância, como a alienação de recursos da Nação e a legislação eleitoral.

Também se estabelece que uma lei de iniciativa popular só poderá ser revogada por outra lei que também tenha sido submetida ao referendo popular.

Sem esses mecanismos de democracia direta, dificilmente o regime democrático, no Brasil, estará livre de uma crise institucional. O atual sistema transforma todo chefe do Governo em refém de forças fisiológicas, sob pena de ter a administração paralisada, sempre que não dispuser da boa vontade de correntes políticas refratárias a plataformas mudancistas vitoriosas nas urnas.

Isso poderá significar, muitas vezes, que a proposta de governo aprovada pelos eleitores termine sendo inviabilizada por conta de manobras regimentais, nem sempre calcada no interesse público (embora tais manobras possam ser legítimas do ponto de vista formal) e por vezes contrárias aos anseios da sociedade. Nesses momentos, nada melhor do que os próprios cidadãos, sem intermediários, expressarem qual é sua vontade.

O regime democrático representativo está sendo desmoralizado perante as massas, por conta de seu formalismo, cada vez mais inócuo. É isso o que as pesquisas de opinião estão revelando em toda a América Latina. Não porque os cidadãos prefiram o autoritarismo à democracia (como tentam fazer crer as ''''viúvas'''' do autoritarismo), mas porque os mecanismos da democracia representativa não estão permitindo a prevalência da vontade dos cidadãos. Antes, estão sendo manipulados pelas forças do status quo. Como conseqüência, os liberticidas se aproveitam da situação para puxarem a brasa para a sua sardinha, ameaçando com a velha cantilena "salvacionista" que tantas tragédias produziu no Continente. É dessa armadilha que a proposta da OAB quer livrar o Brasil. É preciso ajudá-la a fazer isso, o mais urgentemente possível".

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