MST: projeto da OAB vai sanar esquizofrenia do brasileiro
Rio de Janeiro (RJ), 15/11/2004 - O integrante do Movimento Social dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), Gilmar Mauro, parabenizou o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, pela apresentação de projeto de lei visando à regulamentação dos referendos e plebiscitos no Brasil. Se aprovado, segundo ele, o projeto vai sanar a esquizofrenia do brasileiro no que diz respeito à participação popular. "Nesse país, se construiu uma espécie de autocracia. Houve uma conjugação das oligarquias agrárias com certos setores da burguesia brasileira, que viram sempre o povo como algo distante da participação. O povo servia para trabalhar e não para participar da vida política do país", afirmou Gilmar Mauro.
Ele e demais membros do MST estiveram presentes à cerimônia de lançamento da Campanha Nacional de Defesa da República e da Democracia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), realizada na sede da Seccional da OAB do Rio de Janeiro. Na opinião do representante do Movimento dos Sem-Terra, a participação popular sempre foi inibida nesse país e é isso que o projeto de lei da OAB vai estimular.
"O povo brasileiro deve decidir os destinos desse país. Se desenvolvermos esse trabalho, possivelmente vamos conseguir um dia chegar a um estágio tal no qual as pessoas, de fato, consigam obter a sua cidadania e a sua dignidade", finalizou ele.
Segue a íntegra da entrevista concedida pelo representante do MST:
P - O que o senhor achou desse projeto da OAB, que visa aumentar a participação popular nas decisões nacionais?
R - Sem dúvida. Nós mesmos do MST já tomamos a iniciativa de fazer duas consultas populares significativas, uma questionando o pagamento da dívida, da qual participaram cerca de oito milhões de pessoas, e a segunda grande consulta foi a respeito da Alca e também mostrou que o povo é contra a Alca. Para nós, é de grande importância esse projeto da OAB porque dá, a partir de aprovado, a possibilidade de o povo brasileiro decidir sobre os rumos de seu próprio país. Não é possível mais convivermos com uma situação em que você vota, a cada dois ou quatro anos, como se fosse uma carta em branco para o Parlamento, para o poder Executivo decidir questões fundamentais. Um exemplo são as privatizações, a assinatura da Alca, todos assuntos que dizem respeito à vida econômica, política e social de um país inteiro. Então, é fundamental que o povo participe de tudo. Com isso, vamos, definitivamente, democratizar o Brasil.
P - O senhor acha que se esse projeto for aprovado e os referendos e os plebiscitos forem regulamentados, vai haver participação efetiva da sociedade?
R - A história desse país é esquisofrênica no que diz respeito à participação popular. Porque, nesse país, se construiu uma espécie de autocracia. Houve uma conjugação das oligarquias agrárias com certos setores da burguesia brasileira, que viram sempre o povo como algo distante da participação. O povo servia para trabalhar e não para participar da vida política do país. E prova disso é o preconceito que existe hoje quando se fala de sem-terras, por exemplo. O sem-terra está em uma reunião da OAB discutindo um novo projeto, está discutindo economia. A impressão que dá é que essa carga de preconceito vê sem terra como uma nacionalidade. Ora, a nossa nacionalidade não é sem-terra, é nacionalidade brasileira e, como tal, temos o direito de discutir todos os assuntos que digam respeito ao nosso país porque dizem respeito a nós. A economia, a política, a educação e a terra também. Então, eu acredito que a participação popular sempre foi inibida nesse país. E eu acredito que é preciso estimular isso e o próprio projeto da OAB estimula essa participação. O povo brasileiro deve decidir os destinos desse país. Se desenvolvermos esse trabalho, possivelmente vamos conseguir um dia chegar a um estágio tal no qual as pessoas, de fato, consigam obter a sua cidadania e a sua dignidade. Vai ser um avanço significativo para a cidadania brasileira.