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Artigo: Iniciativa meritória

domingo, 7 de novembro de 2004 às 10h19

Brasília,07/11/2004 - Artigo publicado pelo economista e ex-presidente do BNDES,Jayme Magrassi de Sá, na edição de hoje (07) do Jornal do Commércio do Rio de Janeiro:

"A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou formalmente, através de seu presidente nacional, que, findas as eleições, ingressará com ação junto ao Supremo Tribunal Federal para obrigar o Congresso Nacional a instalar comissão destinada a auditoria da dívida externa. Trata-se do cumprimento do Artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, descumprido há 15 anos. Aliás, somos eméritos em elaborar e em descumprir constituições.

Aí temos algo de profundo interesse para o País. Na verdade se sabe pouco sobre a administração de nosso robusto endividamento externo, que anda por uns US$ 200 bilhões e cuja supervisão cabe ao BC, agência por vezes discutível em suas performances. Tais coisas no BC são sempre opacas. Agora mesmo, ou melhor, há poucos dias, o órgão vem de permitir que a liquidação antecipada da dívida em questão seja feita pelo mercado de câmbio comercial normal com base no rof (registro no BC); uma das razões do feito é que tal prática já era adotada por muitas empresas, que a usavam, assim como outros expedientes cambiais, para agir e fazer à revelia do Banco Central; outra razão, e o diz um dirigente do banco, é "dar mais confiabilidade a dados sobre dívida externa". Em outras palavras, o BC no âmago das declarações de seu dirigente parece estar a reboque da realidade, sendo que, no assunto, e em muitos casos dessa natureza, não tinha registro de pagamentos efetuados. Havia dívidas já pagas que continuavam aparecendo como não pagas.

Não há dúvida de que o Artigo 26 das Disposições Constitucionais Transitórias tem que vigir e de forma efetiva, muito operacional. Isso remete a matéria ao Congresso, pois não é concebível que venha a transformar-se em mais uma CPI como instrumento de selar formalmente falcatruas sob a forma de condenável leniência pecaminosa. Mas com o Supremo e a OAB por trás, o Congresso não vai ficar no faz de contas.

Uma comissão eficaz no particular acabará permitindo, de um modo ou de outro, se conheça algo mais sobre essa caixa-preta operacional pois a nervosa realidade cambial do País dificulta perceber o que ocorre e que se traduz singelamente pela taxa de câmbio, pelos relatórios técnicos e pela chorumela regular de administradores. Credibilidade é, como deu a entender seu dirigente acima aspeado, uma questão de parca confiabilidade.

Mas a emérita atitude da OAB, elogiável e mais do que oportuna, poderia ter uma suplementação por osmose, isto é, uma comissão para examinar atos e fatos geradores e alimentadores do endividamento público interno, que se aproxima do R$ 1 trilhão; portanto, mais ou menos do mesmo vulto do endividamento externo. Somados os dois, chegamos a uma dívida global da ordem do PIB nacional e submete a sociedade a um esforço de rolagem e perda de credulidade. Também no caso da dívida interna e sua administração muito há que conhecer, a exemplo de como alimenta o mercado de títulos públicos, como se comporta em relação ao mercado financeiro, como e por que se utiliza de um elenco de papéis e sua manipulação. Bem assim, como se processam as decisões a respeito disso tudo, cuja complexidade vem de trás, embora fortemente acrescida no último decênio.

E bem se poderia chegar nessa catarse a um raio X da elaboração do orçamento federal, a cargo de um ministério que existe só para isso sob a alcunha de Planejamento (só alcunha). O processo orçamentário está perempto. Há um mundo de despesas individualmente menores, mas cujo múltiplo, sem conteúdo prático válido, é gigantesco. Tal como as obras sanitárias, ninguém liga porque ninguém as vê. O Governo, em particular a área fiscal, amarra-se pantagruelicamente na arrecadação e nem de longe quer ouvir ou saber de saneamento na elaboração do diploma orçamentário, em especial do ângulo da despesa.

De qualquer forma, dado o vulto global do dispêndio público, do endividamento e de seu custo para a coletividade, que verdadeiramente já estrebucha sob uma carga fiscal calamitosa, de aproximadamente 40% do PIB, há que se tornar absolutamente transparente (e de modo permanente) essa sucção das energias financeiras do País. Nesse reino a transparência tem que ser total.

A OAB merece aplausos em sua decisão, esperando-se que o STF e o Congresso correspondam ao seu descortino, agindo e eficazmente. Pois ações como a que levará a cabo têm a virtude de preservar a capacidade coletiva de indagar e dar aos serviços que a sociedade financia com seu suor e correção o empenho indispensável.

A mídia deveria, por dever de ofício, acompanhar o assunto e trazer a público sistematicamente seu andamento. Trata-se de algo sumamente importante, que tanto interessa ao ente coletivo, como se reveste de boa via pecuniária aos meios de comunicação. Isso, sem falar na satisfação do requisito cívico cumprido conscientemente.

A mídia que se diz especializada poderia dar apreciável contribuição se, em vez da prática de entrevistas mil, pesquisasse fatos e números, hoje mais à mão através da internet e outras fontes. Isso ajudaria a evitar boatos e falsos alarmes, como os que já se observam quanto à dívida interna. Terrorismo politiqueiro. Administração da dívida precisa ser mais técnica e mais ordenada, sem dúvida, mas isso sem desrespeitar contratos e direitos e sem violências contra o patrimônio financeiro de quem quer que seja.

Enfim, câmbio, juros, orçamento e dívida, conjunto nevrálgico que tanto castiga a economia nacional, estaria sob análise mas prospeccionada se a OAB concretizasse o comunicado por seu presidente nacional".

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