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Polícia usa revólver 38 para enfrentar criminalidade high-tech

terça-feira, 26 de outubro de 2004 às 13h39

Fortaleza,26/10/2004 - A criminalidade no Brasil é “high-tech”,isto é, utiliza uma tecnologia de ponta, enquanto a polícia, que deveria proteger a população, usa revóver 38. A afirmação é do presidente da Seccional do Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Hélio Leitão ao analisar a crescente onda de criminalidade no país. Segundo ele, é lamentável o absoluto desaparelhamento da máquina repressiva do Estado, aí incluindo Polícia, Ministério Público e Judiciário Penal para fazer face a uma criminalidade que a cada dia fica mais organizada e aparelhada.

Hélio Leitão,36 anos, é o segundo presidente mais novo da história da entidade no Ceará. O primeiro foi o professor Roberto Martins Rodrigues. Em termos nacionais, ele perde no quesito idade apenas para a presidente da OAB do Distrito Federal, Estefânia Viveiros. Na entrevista ao Diário do Nordeste o presidente da Seccional cearense critíca a morosidade da Justiça, a fábrica de maus bacharéis de Direito e o fosso existente entre o Direito e os excluídos.

Segue a entrevista:

Pergunta - A OAB teve um papel destacado no regime militar, sobretudo na defesa dos direitos humanos. Esse papel repete-se na atualidade?

Hélio Leitão - Não só durante o regime militar, mas desde sempre a OAB teve um papel preponderante na vida pública brasileira. A entidade sempre teve forte inserção política e na sociedade. Faz parte da tradição da democracia brasileira, uma vez que os advogados sempre estiveram à frente das lutas democráticas nacionais. Hoje, não poderia ser diferente. Temos bandeiras atuais, no campo do estado do direito e da defesa da cidadania.

Pergunta - Em que período da história destacaria uma ação importante da OAB nas lutas sociais?

Hélio Leitão - Essa ação aconteceu por toda a sua história. Se nós voltarmos desde os tempos da sua criação (a OAB foi criada em 1930), é um produto da revolução liberal de 30 e desde então teve forte atuação no Tribunal de Segurança Nacional, de caráter de exceção instalado por Getúlio Vargas e que promoveu uma perseguição implacável aos adversários. A OAB teve papel importante na defesa dos perseguidos pelo Tribunal de Segurança Nacional e lutou contra o Estado Novo. Participou da redemocratização do País em 1946, das lutas nacionalistas da década de 50, colocou-se contra o regime militar instalado em 64 e, por fim, teve atuação importante no impeachment do presidente Collor.

Pergunta - O sr. concorda que hoje as eleições da Ordem têm mais evidência que sua participação nas grandes lutas da sociedade?

Hélio Leitão - De certo modo não. Dada essa importância política e social da OAB, que é uma entidade não apenas do advogado, mas da sociedade brasileira, a entidade pode interpor Ação Civil Pública - isso é uma responsabilidade muito grande. A OAB pode propor Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pouquíssimas entidades podem fazer e não queremos abrir mão disso. Por isso as nossas campanhas tradicionalmente acabam envolvendo toda a sociedade. Daí ela ter ganho essa dimensão que a última campanha assumiu. Isso é revelador da importância do advogado, não só como profissional liberal, mas como agente de transformação social.

Pergunta - Mas a julgar pelo grande aparato das últimas eleições internas em que o senhor foi o vencedor, não se poderia dizer que há um exagero na máquina eleitoral do advogado?

Hélio Leitão - Acredito que a campanha deve passar por mudanças. Algum disciplinamento num processo eleitoral deve ter. Está em tramitação no Congresso um processo para isso.

Pergunta - Nesse novo disciplinamento, não seria conveniente pensar no voto facultativo, no âmbito da OAB, como um mecanismo de democracia plena?

Hélio Leitão - Não vejo nenhum óbice a isso. É até como uma forma de reconhecer a liberdade do eleitor. Eu acho que a OAB pode se colocar na vanguarda do voto facultativo e evoluir ser dessa forma para aqueles que efetivamente desejam influir no processo eleitoral.

Pergunta - Com as novas Faculdades que vão surgindo há, na mesma direção, um crescimento de mais cursos de Direito. Até que ponto esse procedimento não se tem transformado numa indústria de advogados ruins?

Hélio Leitão -Nós temos uma posição clara e definida sobre esse assunto. A OAB não é, aprioristicamente, contra a criação de novos cursos de Direito. O que nós nos colocamos frontal e radicalmente contrários - até porque nosso povo tem sede e vontade de saber e de qualificar-se, é a criação de fábricas de advogados e das fábricas de diplomas, que são cursos de enganação

Pergunta - Como essas Faculdades estão sendo instaladas em todo o País?

Hélio Leitão- Nós temos, Brasil afora, cursos funcionando em Câmaras de Vereadores, em salas de cinema. Por que? O curso é atrativo e da forma como se leciona, ainda hoje, é um curso barato. Isso tem atraído a atenção dos chamados “Tubarões do Ensino” e os maus empresários do ensino não têm a preocupação com a qualidade do curso. Aí acontecem desvios. Nós temos uma comissão de Ensino Jurídico, que faz permanentemente avaliações das Faculdades existentes. Quando da criação do curso, a lei determina um parecer favorável ou não, mas como todo parecer é meramente opinativo e não vinculativo. O Ministério da Educação tem feito, muito freqüentemente, tábua rasa dos pareceres da OAB.

Pergunta - Como o senhor vê, atualmente, a relação oferta e demanda do mercado do profissional de Direito. Podemos dizer que há uma saturação do mercado?

Hélio Leitão - Há um mercado para absorver, mas há, sobretudo, uma preocupação com a qualificação desse profissional. Nós não podemos perder de vista que as Faculdades formam bacharéis de Direito. A OAB desempenha um papel importante na seleção dos bacharéis, porque para o exercício da advocacia faz-se necessário o exame de ordem. É nesse momento que estamos concedendo ou negando a chave do ingresso profissional aos quadros da advocacia. Temos que ser criteriosos nesse exame, que é terceirizado e unificado em todo o Nordeste.

Pergunta - O padrão ético do advogado não fica muito vulnerável quando a qualificação não é a adequada?

Hélio Leitão - Sim. Quando qualificamos bem estamos contribuindo para a elevação, cada vez maior, do padrão ético. Minha experiência como advogado, tem me convencido, regra geral, o profissional que se desvia dos caminhos da ética é o advogado mal preparado. Por isso, estamos lutando para que o Ministério da Educação considere relevante os nossos pareceres.

Pergunta - Como se encontra hoje o problema da insuficiência de defensores públicos no Ceará?

Hélio Leitão - Vou fazer uma radiografia da Defensoria Pública no Ceará. O número de defensores é suficiente para cobrir a capital. A Defensoria somente está presente em 30% dos municípios. O que é o defensor público? Esse é o defensor de quem não pode constituir advogado. Quando o excluído, o angustiado social, bate às portas do Judiciário, é porque esgotaram-se todas as vias consensuais de solução de conflito. O Judiciário é o último recurso posto à disposição do cidadão.

Pergunta - Quem é o responsável pela defasagem dos defensores públicos?

Hélio Leitão - Em primeiro lugar, o Estado. Não há concurso público e existe um outro problema adicional, o salário, não tão atraente como o de outras carreiras. Então, pessoas que passam nos concursos públicos para defensor acabam emigrando para outras carreiras, legitimamente, atrás de melhoras salariais. Enquanto não enfrentarmos, corajosamente, sem demagogia, tudo mais será cortina de fumaça para esconder os verdadeiros problemas do Judiciário.

- Qual é a posição da OAB sobre a reforma do Judiciário?

Hélio Leitão - Nós não nutrimos nenhuma expectativa quanto a esse projeto que tramita no Congresso Nacional. A verdadeira reforma do Judiciário há de acontecer, necessariamente, em três níveis: o da reforma constitucional, a reforma das leis processuais (porque é excessivamente formalista) e um investimento estrutural. Ou seja, mais equipamentos e mais pessoal-meio, mais magistrados e, especialmente, mais defensores públicos.

Pergunta - A reforma passaria, também, pelo controle externo do Judiciário?

Hélio Leitão - Sim. A criação do controle externo do Judiciário faz-se necessária porque é o único poder republicano que não aufere sua legitimidade no voto popular.

Pergunta - A mesma expectativa pessimista também se estenderia à reforma do Código Penal?

Hélio Leitão - O nosso Código Penal tem que ser mudado, efetivamente. No entanto, ao se vincular o Código Penal com uma resposta à violência comete-se muitos equívocos. Essa não será resolvida por uma inovação legislativa. Se fosse assim seria muito fácil. O problema do Código Penal é menos naquilo que deve ser mudado e mais naquilo que deve ser implementado.

Pergunta - Um exemplo.

Hélio Leitão - Se pegarmos, por exemplo, a lei das Execuções Penais, que rege a vida nos presídios e nas penitenciárias, o grande desafio não é apontar para aquilo que é violado, mas o que não é cumprido. Nosso sistema penitenciário é uma verdadeira sucursal do inferno, entre aquele que está recolhido tem privações que vão além da perda de sua liberdade. Nos cárceres, os presos são privados da dignidade, dos direitos mínimos e quando saem, como dizia Nelson Hungria, são formados pela universidade do crime.

Pergunta - O senhor defende, na reforma do Código penal, dispositivos punitivos mais severos. Há quem defenda, inclusive, a pena de morte. Qual sua opinião?

Hélio Leitão - A defesa da pena de morte é indefensável sobre qualquer aspecto que você analise. Sobre o plano ético e moral, é indefensável porque a ninguém é dado dispor da vida de ninguém e nem mesmo o Estado. Na visão utilitarista, sugere-se que a pena de morte, como pena capital, teria um valor intimidativo. Isso não se sustenta. A ONU tem estatística de que, onde se aplicou a pena de morte - e o único País democrático que ainda mantém, em alguns Estados, são os Estados Unidos - não houve redução da criminalidade e há casos até onde houve um replique da violência. Em alguns países africanos, onde há a pena de morte, se espetaculariza a execução dos sentenciados. São verdadeiras teatralizações em estádios de futebol, abertos ao público, e aquilo trouxe como efeito colateral a banalização da morte e a barbárie estatal.

Pergunta - Não sendo adequada a pena de morte, poderia, então, defender outras penas mais severas?

Hélio Leitão - O que eu defendo é uma teoria do final do Século XVIII, o que efetivamente induz a redução da criminalidade não é o rigor da pena, mas a certeza de sua aplicação. E nesse País isso não existe. Aqui há o forte sentimento da impunidade. Nós temos uma Justiça que ainda é seletiva, pois quem sofre os rigores penais é o pobre e desassistido, é uma Justiça que não possui uma estrutura repressiva.

Pergunta - Que dados concretos o senhor tem para identificar a inoperância da Justiça?

Hélio Leitão - Existe uma coisa que os criminólogos chamam de cifra negra. São os percentuais de crimes que acontecem e não são objetos de apuração. É uma coisa assustadora que gira acima dos 90%. A despeito de correções pontuais que podem ser feitas, o cerne da questão é o absoluto desaparelhamento da máquina repressiva do Estado, aí incluindo Polícia, Ministério Público e Judiciário Penal para fazer face a uma criminalidade que se organiza. Nós temos uma criminalidade organizada. Temos uma criminalidade “high-tech”, que utiliza uma tecnologia de ponta, e, em contrapartida, vivemos na época da polícia com revólver 38.

Pergunta - Que questionamentos a OAB faz hoje ao governo do presidente Lula?

Hélio Leitão - Uma grande questão que nos preocupa a todos é o grande fosso existente entre o discurso, desenvolvido ao longo da campanha, e o que efetivamente se implantou. A atual política econômica e social implantada pelo atual governo não é nada diferente do governo de Fernando Henrique Cardoso. O que se vê é a taxação sobre os inativos, numa página vergonhosa da história judiciária deste País. Eu até admito que o Lula atue dentro do possível. Agora, sacrificou o discurso e não consigo compreender se tem um discurso para ganhar a eleição e outro para governar.

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