Agesandro: crime organizado no Espírito Santo não está morto
Brasília, 19/10/2004 - “A onça está magra, mas não está morta”. Com esta metáfora, o presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Espírito Santo, Agesando da Costa Pereira, define a situação atual do crime organizado no seu Estado, contra o qual foi um dos maiores combatentes desde 1998. Segundo ele, com as ações desencadeadas pela OAB sob seu comando e a sociedade civil capixaba, no movimento Reage Espírito Santo, o crime organizado no Estado sofreu revezes com a prisão de alguns de seus chefes, mas não quer dizer que esteja completamente desarticulado. “O crime está fragilizado, mas não está morto, não”, observa.
“Os barões da criminalidade organizada estão inativos, talvez porque lhes sejam conveniente estarem inativos agora. Mas eles realizam missões furtivas, escondidas, com o propósito de retomar o governo”, alerta Agesandro da Costa Pereira, que em sua persistente luta contra o crime organizado já sofreu diversas ameaças de morte. O presidente da OAB-ES lamentou o fato de que inúmeros processos movidos contra diversos suspeitos de envolvimento com a cúpula do crime capixaba - como é o caso de diversos deputados estaduais - estejam parados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Inexplicavelmente, não andam”, afirmou referindo-se aos processos.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo presidente da OAB-ES, Agesandro da Costa Pereira:
P - A criminalidade no Espírito Santo é maior do que no Rio de Janeiro ou é proporcional?
R - No caso do Espírito Santo, a violência assume aspectos muito próprios. Porque no passado recente, a criminalidade era ligada, mantida e apoiada pelo governo. Houve uma mudança, pois aquela criminalidade oficial ou protegida pelos órgãos oficais está neutralizada. O governador do Estado hoje é um homem de bem e a maioria da Assembléia Legislativa mudou e houve um certo avanço. De forma que o crime organizado está fragilizado, mas não está morto não. O que é fundamental é a percepção de dinheiro e eles continuam percebendo. Aliás, numa das cartas de ameaças que me fizeram e que está incluída no acervo do nosso pedido de intervenção, os autores da carta dizem que eu não podia avaliar quanto de dinheiro eles perdem em virtude da ação política da OAB-ES. Era essa a causa fundamental da ação de intimidação e de agressão que eles me moviam.
P - Diante de tantas ameaças, há vários anos, o que o sr. acha que estava acontecendo?
R - O que ocorreu foi que em 29 de novembro de 1998, quando a situação era calamitosa e de tal forma que a sociedade civil não tinha garantias, estava acuada, então a Ordem convocou a sociedade civil à reação. A sociedade civil vivia posta à disposição da bandidagem, diante do temor que tinha. Então, não havia resistência nenhuma porque o governo estava comprometido com essa situação. Então, nós convocamos nesse dia a sociedade civil e fundamos o movimento Reage Espírito Santo, que tem feito a promoção da cidadania e a reação contra o crime organizado e a violência. Então, o ódio que eles me votam nasceu daí.
P - O sr. considera que pelos revezes sofridos pelos principais suspeitos de comandar o crime organizado no Espírito Santo, como o ex-deputado José Carlos Gratz, esse esquema estaria desarticulado?
R - Não, não está desarticulado, não. Os barões da criminalidade organizada estão inativos, talvez porque lhes sejam conveniente estarem inativos agora. Mas eles realizam missões furtivas, escondidas, com o propósito de retomar o governo. Então, eles estão infiltrados em partidos políticos, em organizações civis, que costumo dizer - parafraseando o governador Paulo Hartung - que a onça está magra, mas não está morta, não.
P - Há inclusive o caso de deputados estaduais que foram denunciados de recebimento de propina do Gratz, quando presidente da Assembléia, mas esses parlamentares não foram punidos. O processo ainda está no STJ?
R - Os processos, que são muito numerosos, contra as autoridades que praticaram desatino, já foram objeto de denúncias. Mas essas denúncias sequer foram recebidas até hoje. Essas denúncias estão no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e inexplicavelmente não andam, não têm andado.
P - O que o sr. acha que se poderia tentar no Rio de Janeiro, Estado vizinho ao Espírito Santo, para reduzir a criminalidade, hoje muito grande?
R - O problema do Rio de Janeiro é diferente do problema do Espírito Santo. A bandidagem do Rio de Janeiro é uma bandidagem forte, mas desqualificada, que não está infiltrada nem no governo, nem na sociedade civil. No Espírito Santo, ela foi por muito tempo acobertada pelo governo. Mas agora, com a nova situação, o governador tem combatido, mas ainda há restolhos incrustados em certos setores, há funcionários públicos que têm estabilidade e regalias e sua demissão, e responsabilização é de certa forma muito difícil.
P - O sr. não tem medo de morrer?
R - Não tenho, não. Se tivesse eu já tinha caído fora dessa luta há muito tempo.