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Reflexos do Golpe de 64 no Brasil de hoje em foco na XXII Conferência

sexta-feira, 24 de outubro de 2014 às 08h00

Rio de Janeiro (RJ) - A efetivação dos direitos democráticos de hoje também deve se dar pela memória e pela revisão da interpretação de leis anteriores à Constituição de 1988. Foi esta a tônica do painel 32, “Golpe de 64 e seus Reflexos”, que aconteceu nesta quarta-feira (22) na XXII Conferência Nacional dos Advogados. Presidido por Henrique Neves Mariano, acompanhado pelo relator Gaspare Saraceno e pelo secretário Aloísio Lacerda Medeiros, o painel trouxe relatos e análises de advogados com notória atuação na defesa dos direitos humanos e da legalidade no país – tanto durante os chamados “anos de chumbo” quanto nos dias atuais.

Iniciando as palestras, o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, traçou um histórico da advocacia de resistência através de sua própria experiência. Aluno de direito da então Faculdade Nacional, no Rio de Janeiro, o jovem Tércio iniciou seus estudos quando da instauração do Golpe Militar, em março de 1964, e terminou em dezembro 1968, quando foi instituído o AI-5. “Entrei na faculdade apanhando e saí apanhando”, disse, descontraído, ao fazer referência a momentos dramáticos que pautaram sua atuação profissional. “Advogar é resistir. Durante a ditadura, a advocacia se impôs perante as cortes militares, nos quartéis, com risco da liberdade e de vida, e se fez respeitada como hoje não é em muitos tribunais e juizados da justiça comum”, afirmou.

O conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Nacional da Verdade, Wadih Damous, prosseguiu o debate ao falar sobre a ordenação jurídica do golpe e seus reflexos na garantia dos direitos fundamentais. “Esse nosso painel trata do passado, mas de um passado que deixou reminiscências perversas em  nossas práticas judiciárias e medidas legislativas. Nós não estamos mais em combate contra a ditadura, mas convivemos com um legado nas mais diversas esferas que temos que superar”, disse, referindo-se inclusive aos entraves encontrados pela Comissão da Verdade no exercício de sua missão. “Nós da Comissão da Verdade sabemos o que significa, na prática, lidar com esse legado de se esconder as barbaridades, de não se colocar no banco dos réus aqueles que violaram direitos fundamentais em nome do Estado”, desabafou.

De acordo com Damous, mesmo no ponto de vista da legalidade, a ditadura não previa torturas, desaparecimentos ou execuções sumárias, “embora as facilitasse”. “Não estava estampado no AI-5 que se poderia torturar, a Lei de Segurança Nacional não previa sequestros e desaparecimentos forçados. Quem fez isso já praticava crimes naquela época e não agia em nome da legalidade em vigor”. Ele também lembrou resquícios desse tipo na legislação e na atuação das forças policiais. “O auto de resistência é um legado da ditadura, por exemplo. Moradores de favela, a juventude negra, pobre e favelada têm suas execuções legalizadas pelos chamados ‘autos de resistência’”. E concluiu, “Defender a democracia hoje é lutar para que os direitos fundamentais sejam efetivados independentemente de discriminações de qualquer tipo”.

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, reiterou as dificuldades encontradas pelos seus integrantes na apuração das  graves violações de direitos humanas ocorridas de 18 de novembro de 1946 a 5 de outubro de 1988 – quando foi promulgada a nova Constituição. Em sua palestra “Memória e Verdade. Para não repetir”, Dallari fez o primeiro balanço das atividades da comissão, e relatou dificuldade na colheita de depoimentos. “Muitos não comparecem ou optam por ficar em silêncio – o que é um direito que lhes é garantido”. Ainda segundo ele, o assassinato do Coronel Paulo Malhães, mesmo tendo sido considerado um latrocínio, funcionou como “fator atenuador de ânimos” daqueles que poderiam depor.

Dallari, assim como Damous, acredita na necessidade de reconhecimento, pelas Forças Armadas, das graves violações de direitos fundamentais cometidas durante a ditadura militar. “Esse reconhecimento é o objetivo da Comissão e queremos que isso ocorra em novembro por bem de uma reconciliação nacional”, afirmou, lembrando que este será o período depois das eleições para a presidência e antes do fim do mandato da Comissão.

Na palestra “A Lei da Anistia em debate”, também a última do painel, a procuradora Regional da República no Estado de São Paulo e presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Augusta Gonzaga, explicou porque a Lei da Anistia deve ser revisada. “Leis que perdoam atos de Estado contra a população são comuns em momentos de retomada da legalidade, de transição, e resolver o que foi deixado de lado pela ‘política do esquecimento’ pode durar décadas. Além disso, não há reconciliação nacional sem reconhecimento e sem atos de memória”, enfatiza.

Ainda de acordo com Eugenia Augusta, um dos aspectos mais polêmicos de uma revisão da interpretação da Lei da Anistia concerne anão-prescrição de crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura, o que encontraria amparo legal no próprio país. “A prescrição é a proteção do indivíduo contra o Estado – que deve ter um prazo para punir o crime cometido. Mas quando o Estado é o autor do crime isso não tem valor, pois assim o próprio Estado acaba se protegendo de sua inércia”, explicou. Ela também lembrou que a Constituição de 1988 se compromete a respeitar decisões internacionais nas graves lesões dos direitos humanos, o que permitiria ao Brasil seguir as decisões do Tribunal Internacional de Haia e da Corte Interamericana.

Revisão da Lei da Anistia é uma das prioridades da OAB

Em pronunciamento extraordinário realizado durante o painel, o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, afirmou que “o golpe, a necessidade de devida punição, de justiça de transição e da revisão da interpretação da Lei da Anistia pelo STF são temas fundamentais para a Ordem”.Na ocasião, ele também disse que a OAB “apoia e continuará apoiando as ações da Comissão Nacional e das Comissões Estaduais na tomada de medidas que elas julguem necessárias ao pleno exercício do seu dever”.

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