Busato destaca papel do advogado em congresso da UIA
Genebra, 04/09/2004 – Em cerimônia que contou com a presença de mais de mil advogados estrangeiros , o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, participou hoje (04) do 48º Congresso da União Internacional dos Advogados (UIA), realizado no Centro de Convenções de Genebra. Na palestra, cujo tema era “A Auto-Regulamentação dos Serviços Jurídicos e Transfronteiriços por parte das Ordens de Advogados Organizadas “ , Busato destacou a oportunidade da discussão uma vez que “ a globalização econômica gera novos e intrincados desafios, que mobilizam nossa profissão e pedem respostas imediatas.
- No caso estrito da auto-regulamentação dos serviços jurídicos e transfronteiriços, que é o que buscamos, é preciso considerar o perfil e as idiossincrasias das instituições em pauta, bem como o que almejam com esse processo, afirmou Busato. Para ele, “ só teremos sucesso nessa empreitada se considerarmos as idiossincrasias ”. Ouviram atentamente a palestra,os presidentes da American Bar Association (ABA) e da Ordre des Avocats a la Cour de Paris (Franca).
Segue a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB:
“ Quero inicialmente agradecer à direção da Union Internationale des Avocats o honroso convite para participar deste painel, coordenado com competência pelo dr. Delos Lutton.
O tema em pauta - A Auto-Regulamentação dos Serviços Jurídicos e Transfronteiriços por parte das Ordens de Advogados Organizadas - é extremamente oportuno, neste momento em que a globalização econômica gera novos e intrincados desafios, que mobilizam nossa profissão e pedem respostas imediatas.
Sabemos que a construção do regime internacional de serviços jurídicos - o desafio que nos cabe - tem como grandes impulsionadores os Estados Unidos e o Reino Unido. Ambos, desde o início da década de 90, já eram líderes mundiais na exportação desses serviços. Nessa época, segundo relatório da Organização Mundial do Comércio, esses dois países exportavam juntos nada menos que dois bilhões de dólares em serviços jurídicos.
O argumento que embasava essa expansão acompanhava a lógica do Consenso de Washington, que estimulava a competitividade e abertura de mercados, em nome da globalização e de maior circulação de riquezas e informações. Em síntese, esse discurso sustentava que a livre circulação de serviços jurídicos tornava-se fundamental tanto para o país exportador quanto para o importador.
Exportá-los os tornava mais competitivos, enquanto recebê-los resultava em oferecer ao mercado doméstico novas e mais sofisticadas oportunidades de escolha, que elevariam o padrão de qualidade dos serviços jurídicos internos, impondo-lhes uma benéfica reciclagem.
Sustentava-se que a existência de um setor de serviços jurídicos eficiente e avançado tecnologicamente era premissa básica para o desenvolvimento econômico, o que justificaria a abertura do mercado para escritórios estrangeiros.
Foi a partir dessa lógica que se justificou a criação do regime internacional de serviços jurídicos, impulsionando os países signatários do Acordo da OMC a convergirem aos mesmos princípios, regras e procedimentos. E é aí que ainda estamos: no plano das boas intenções. Não é fácil operar essa convergência, já que implica a harmonização de interesses díspares, a superação de conflitos culturais e múltiplas outras idiossincrasias.
A própria visão do que seja - ou deva ser - a globalização não é comum aos agentes desse processo. Sabemos que a globalização em si é natural, inevitável mesmo, e propicia maior número de interações, maior fluxo de comunicação, redução de distâncias, além de ampliar os horizontes de comércio e de intercâmbios culturais.
Mas não é apenas isso. Há paradigmas diversos a orientá-la, impondo-lhe direcionamentos e objetivos distintos. A lógica do Consenso de Washington, da qual divergimos, submeteu a globalização aos interesses e aos critérios do mercado. A partir de um viés essencialmente comercial, buscou-se a abertura e integração de mercados, que, dada a assimetria entre os parceiros, acabou por conduzir mais a um processo de anexação de mercados.
Quinze anos após firmado aquele Consenso - e o termo “consenso” nos parece impróprio, na medida em que sugere concordância majoritária com o que foi pactuado -, temos um mundo mais desigual e uma potência hegemônica a ditar unilateralmente as regras do jogo e a enfraquecer os mecanismos de multilateralidade, duramente conquistados pela humanidade desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
No caso estrito da auto-regulamentação dos serviços jurídicos e transfronteiriços, que é o que buscamos, é preciso considerar o perfil e as idiossincrasias das instituições em pauta, bem como o que almejam com esse processo.
Disto não tenham dúvidas: só teremos sucesso nessa empreitada se considerarmos as idiossincrasias.
Somente assim, as diversidades de posicionamentos podem deixar de ser entraves e, inversamente, tornar-se fatores determinantes da riqueza do resultado. Basta que haja sincera e absoluta interação e cooperação.
Quero por isso falar um pouco de minha visão das instituições envolvidas e das dificuldades que identifico neste processo de interação que buscamos. É preciso identificar as dificuldades para buscar as soluções. Falemos então dos atores deste espetáculo, do que têm feito para empreendê-lo, suas limitações e objetivos.
A American Bar Association emitiu dois pareceres relacionados à auto-regulamentação da atuação transfronteiriça, com vistas a possibilitar o ingresso de advogados americanos em outros países. Mas, embora haja grande afinidade e parceria entre esta entidade e o ente estatal norte-americano responsável pelas negociações no âmbito da OMC, a United States Trade Representative, os pareceres da ABA não têm força deliberativa. São apenas recomendações.
Nos Estados Unidos, como se sabe, a regulamentação da profissão de advogado é incumbência do Judiciário de cada Estado. À ABA, cabe apenas oferecer apoio nesse processo. Não tendo poder deliberativo, seus pareceres podem simplesmente não ser adotados - ou o serem de maneira parcial. É o caso do parecer 201 H, de sua Comissão de Prática Multijurisdicional, que incentiva todas as jurisdições americanas a adotarem o Modelo de Regra da ABA para licenciamento de consultores jurídicos nos Estados Unidos.
Esse parecer foi adotado em apenas pouco mais da metade das jurisdições dos Estados Unidos. É uma limitação problemática.
Já a Union Internationale des Avocats (UIA) tem desempenhado papel estratégico fundamental, com a promoção sistemática de eventos como este painel. Em abril do ano passado, houve outro, semelhante, em São Paulo, apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Coube à UIA emitir resolução relacionada à Prática Jurídica Internacional para advogados fora do país, aprovada em sua assembléia geral, em Sydney, em 2002. Essa resolução tem servido de inspiração para algumas Ordens de Advogados e Colegiados Internacionais, a exemplo do projeto de atuação transfronteiriça dos Advogados no Mercosul, elaborada recentemente pelo Conselho de Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul (COADEM).
A International Bar Association (IBA), por sua vez, teve algumas iniciativas importantes no campo da informação. Fez circular entre as Ordens de Advogados associadas o Documento de Orientação para os Consultores em Direito Estrangeiro. E em 2002, já fizera circular uma publicação bastante didática, cujo conteúdo apresenta de modo minucioso o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, conhecido pela sigla GATS. Preparou a resolução sobre o GATS, que leva em consideração o interesse público da OMC e da OCDE na desregulamentação da profissão jurídica no que diz respeito a regras que não se coadunem com a economia globalizada.
Recentemente, a Força de Trabalho sobre Prática Comercial Multijurisdicional da seção de Direito Empresarial da IBA emitiu a “Recomendação para a Prática Comercial Transfronteiriça Temporária”.
A IBA tem como meta o aumento das exportações dos serviços jurídicos, a representação da advocacia mundial perante a OMC e o envolvimento das Ordens de Advogados no tocante às discussões do GATS.
O problema é que, embora mantenha interlocução bastante afiada com a OMC, promovendo inclusive diversos eventos sobre o tema, desconsidera, em parte, as peculiaridades de cada país quanto ao tema. Por exemplo: no Brasil, a advocacia não é considerada um serviço mercantil - ou pelo menos não apenas mercantil.
É função pública, prevista na Constituição Federal, que, em seu artigo 133, diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Ao alçar o advogado ao nível de “preceito constitucional”, o constituinte brasileiro definiu-o para além de sua atividade estritamente privada, qualificando-o como prestador de serviço de interesse coletivo e conferindo a seus atos múnus público.
O Estatuto da Advocacia, por sua vez, em seu artigo 44, inciso I, reforça esse tratamento, ao atribuir à Ordem dos Advogados do Brasil o dever de:
“Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a Justiça Social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”
Isso, como é óbvio, nos coloca bem além de nossos deveres como entidade corporativa. Nos envolve praticamente com todo o processo político-institucional do país, sem que, no entanto, nos autorize a ingressar no jogo político-partidário-ideológico. Nosso desafio é exatamente figurar nesse embate com o distanciamento necessário para não nos contaminarmos pelo varejo político, nem perdermos de vista a isenção que nos cabe como guardiães da cidadania.
Como se vê, estamos longe de ver na advocacia um mero serviço mercantil.
A IBA representa o interesse dos grandes escritórios de advocacia com capacidade de prestação de serviços jurídicos em âmbito mundial. Não creio que seja impossível conciliar interesses e pontos de vista, mas esse é um processo que exige labor e mútua compreensão.
E aí repito o que disse há pouco: só teremos sucesso se considerarmos as idiossincrasias.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem se empenhado pela capacitação dos advogados brasileiros em direito internacional, e busca envolver-se nesse debate adaptando-se às demandas internacionais, respeitadas os limites da soberania brasileira. Emitiu, nesse sentido, o provimento 91/00, que dispõe sobre a atividade de consultores e sociedades de consultores estrangeiros no Brasil.
Mas a Ordem dos Advogados do Brasil não trata a advocacia, como já disse, como serviço comercial e sim, como determina a Constituição Federal, como função essencial à administração da Justiça. Isso, freqüentemente, nos expõe à incompreensão dentro de nosso próprio país, gerando eventualmente dificuldades de entendimento com o nosso Ministério das Relações Exteriores. Nada, porém, que inviabilize o diálogo.
A OAB tem exercido papel de liderança na América do Sul no tocante a este tema da auto-regulamentação dos serviços jurídicos. Além de apoiar seminários como este e prestigiá-los, tem se aprofundado em estudos técnicos sobre o tema.
Temos expectativa positiva quanto aos desdobramentos destes trabalhos e reiteramos nossa confiança nos bons resultados decorrentes do espírito de colaboração e cooperação que tem presidido nossos encontros.
Queira Deus que assim prossigamos.
Muito obrigado