Deu na Veja: Barateamento já
Brasília - Confira a coluna de Roberto Pompeu de Toledo, publicada na edição deste domingo da revista Veja (16), em que trata da ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB contra o financiamento privado de campanhas eleitorais.
O julgamento iniciado na semana passada no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade das doações de empresas às campanhas eleitorais tem potencial para virar a política brasileira de cabeça para baixo. A ação é de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil, que apresenta como argumento central o fato de as empresas não terem direito de cidadania. Como tal. não votam nem podem ser votadas: portanto, não estão credenciadas a participar do processo eleitoral. Ao participarem, como ocorre hoje. distorcem o processo em favor do poder econômico. Segundo sustentou perante o tribunal a advogada Aline Osório, citando estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) do qual foi uma das autoras, 97%das doações nas eleições de 2010 foram feitas por empresas. O parecer do procurador-geral da República. Rodrigo Janot, bem como o voto do ministro-relator do processo, Luiz Fux, foi de acolhimento da ação. O ministro Teori Zavascki pediu vistas e assim trancou o julgamento, mas o presidente da cone. Joaquim Barbosa, apressou-se em adiantar seu voto. e enfaticamente acompanhou o relator. Dois outros ministros.
Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, fizeram o mesmo. Assim, no fim da semana já se tinha o placar extraoficial de 4 a 0 pela proibição das doações empresariais.
A defesa do sistema vigente esteve a cargo do advogado-geral da União. Luís Inácio Adams. Falando em nome do governo, citou dois argumentos de peso. O primeiro é que se.trataria de assunto a ser resolvido pelo Congresso, não pelo Supremo. O segundo, que se estaria apreciando apenas um lado da questão. "Não se pode falar em contribuições de campanha sem falar das despesas", disse. O primeiro argumento será um ponto central na retomada do julgamento. O ministro Barroso, em seu voto, reconheceu que o Supremo agia "no limite de suas possibilidades", embora, a seu ver. não as excedesse, dada a "interface constitucional" embutida na questão. O segundo argumento é, sim, igualmente fone, mas com a particularidade de funcionar no sentido contrário ao pretendido por seu arguidor. A proibição das doações das empresas vai, sim, forçar a que se fale das despesas. E essa pode vir a ser a melhor de suas consequências.
Que ocorrerá no dia seguinte, caso se confirme a propensão do Supremo de determinar a inconstitucional idade das doações? O primeiro efeito é fácil de prever: a retomada da causa, cara ao PT. do financiamento público das campanhas. O ministro Dias Toffoli, em geral alinhado às teses do partido do governo, não deixou de aproveitar a oportunidade para defendê-la. em seu voto. O segundo efeito é também fácil de prever: uma forte reação pública contra escoar dinheiro público, mais ainda do que já é escoado para o ralo do Fundo Partidário e o da isenção fiscal às emissoras pelos horários de propaganda política, para sustentar campanhas eleitorais. Eis um bendito impasse. Necessariamente, leva ao verdadeiro cerne da questão: o custo astronomicamente alto das campanhas brasileiras.
Segundo o estudo já citado da Uerj, um deputado federal gastou em média para se eleger, em 2010, 1,1 milhão de reais: um senador gastou 4.5 milhões; e um governador. 23,1 milhões. Se, nas eleições de 2002. os gastos totais foram de 800 milhões de reais, nas de 2010 subiram para 4,5 bilhões um aumento de 600%.
Pela via da eliminação do motor que sustenta o viciado sistema atual, que são as doações das empresas, pode-se chegar ao que realmente se impõe, em favor da saúde do processo político o barateamento das campanhas. Um bom começo, para caminhar nesse sentido, seria repensar as majestosas e milionárias estruturas que vão dos marqueteiros aos cabos eleitorais, passando por produções de propaganda televisiva caras como filmes de cinema.
Um bom fim seria encarar uma reforma do sistema político realizada sob o princípio orientador do barateamento. Disse o ministro Barroso que o Poder Legislativo enfrenta "entraves próprios à política", que por sua vez levam a "impasses que emperram a história". A função do Supremo nesses casos, e assim teria ocorrido nos episódios recentes do casamento homossexual e dos fetos anencéfalos, seria fazer a história andar". O atual julgamento tem potencial para fazê-la andar na boa direção.