O Globo: Caso Palocci reabre discussão sobre lobby
Brasília, 22/05/2011 - O caso Palocci reacende a discussão sobre a legalização do lobby nos três poderes, em especial no Congresso, onde é permitido a deputados e senadores atuarem como consultores, como foi o caso do atual ministro da Casa Civil no seu último período no Parlamento, entre 2007 e 2010. Entre os políticos e especialistas não há quem diga ser contra regulamentar a ação do lobista, mas interesses variados impedem o avanço de propostas discutidas há pelo menos 20 anos no Congresso. Para entidades da sociedade civil e parlamentares da oposição e do governo, a lei deve tratar do lobby privado e impedir que deputados e senadores atuem como consultores da iniciativa privada, como permitido hoje.
O lobby, a consultoria e o tráfico de influência andam na mesma via no centro do poder, em Brasília, com risco iminente de ilegalidade em situações diversas. São atividades que se confundem, sendo que apenas uma delas, a consultoria, é legal, permitida. Tráfico de influência é crime, e lobby, uma profissão não regulamentada, é prática comum na capital - principalmente no Congresso, mas também na Esplanada dos Ministérios.
O ex-líder do PT na Câmara Fernando Ferro (PE) conta que foi assediado muitas vezes por lobistas nos corredores da Casa, e que os pedidos nem sempre eram republicanos. E diz mais: alguns lobistas atuam no "limite da corrupção".
- Já fui assediado por lobistas e de forma muito pouco ética. Tem gente que trabalha no limite da corrupção, de querer te comprar mesmo. Comprar influência do poder. É preciso controle social da atividade, que hoje existe mas de maneira discutível, para não dizer outro nome - disse o petista, confirmando que o assédio maior é aos governistas.
Ferro é a favor da legalização do lobby e contrário à permissão para parlamentar prestar consultoria, como no caso de Palocci:
- Sou da bancada do governo, e as pessoas se acham no direito de pedir para eu facilitar caminho, tanto lobbies saudáveis como interesses não republicanos. Quem exerce cargo público deveria se resguardar, inclusive deputado. Não pode interferir com seu mandato para obter vantagens. Deve se restringir a seu mandato e não exercer duplas funções.
Cláudio Abramo, da ONG Transparência Brasil, considera que, sem a regulamentação, o papel de consultor e lobista se confunde. Diz não entender por que não regulamentam o lobby:
- É um tema praticamente unânime, ninguém é contra. Mas não anda. E nos permite deduzir que é um assunto que não interessa aos deputados. Devem ter bons motivos para isso.
O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Queiroz, também defende a regulamentação do lobby, mas salienta que, mais importante que isso, o Congresso deveria, primeiro, debruçar-se sobre projeto que trata do conflito de interesses de ocupantes de cargos no Executivo:
- É preciso disciplinar na lei quais são os limites do agente político, deixar claro o que pode ou não.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considera lobby sem regulamentação como uma atividade relacionada à corrupção e diz que consultoria pode ser utilizada como ação de tráfico de influência:
-- Seria salutar regular o lobby, hoje sinônimo de negócios escusos, safadeza e maracutaias. Mas parece ser um tema tabu no Congresso, que não vota nunca esse projeto. Há medo de se debater isso abertamente. É preciso afastar o preconceito sobre o lobby, porque vai continuar existindo. Que exista às claras. A pessoa foi eleita para ser parlamentar. Não pode usar o cargo para benefício próprio.
Entre políticos, a preocupação com o caso Palocci é diferenciar as atividades. O líder do DEM, ACM Neto (BA), afirma:
- A lei não impede, mas deveria impedir quem tem mandato de ter consultoria. Parlamentar não faz lobby, defende posições. O errado é usar o mandato para construir uma rede privada e ganhar dinheiro com isso. Lobby é diferente do parlamentar, como o ruralista, que defende segmentos que lhe dão suportes.
Existem hoje quatro propostas tramitando na Câmara para regulamentar o lobby. A mais antiga, do ex-senador Marco Maciel, é de 1990, e está pronta para ir a voto no plenário, mas com parecer contrário de constitucionalidade. Mas o projeto mais específico é de Carlos Zarattini (PT-SP), de 2007, já aprovado na Comissão do Trabalho e há dois anos engavetado na Comissão de Constituição e Justiça.
O texto prevê que o lobista seja credenciado e identifique toda a sua ação, inclusive o que gastar com a atividade, prestando contas anualmente ao Tribunal de Contas da União:
- Meu projeto trata de uma coisa específica, atuação do setor privado junto ao público. Consultoria é um assunto vasto, palpitódromo. A pessoa dá palpite, opinião sobre um tema, não tem como regulamentar consultoria - argumenta Zarattini.
Na CCJ, o primeiro relator desse projeto, Bruno Araújo (PSDB-PE), ficou dois anos com o assunto. Ele afirma que não conseguiu consenso. Na última sexta-feira, semana em que estourou a denúncia sobre Palocci, novo relator foi indicado pelo presidente da Comissão, João Paulo Cunha (PT-SP): César Colnago (PSDB-ES).
- O projeto vem em boa hora. É preciso dar transparência à atividade. (A matéria é de autoria dos repórteres Isabel Braga e Evandro Éboli e foi publicada na edição de hoje do jornal O Globo)