Artigo: A segunda grande batalha da advocacia
Brasília, 10/08/2010 - O artigo "A segunda grande batalha da advocacia" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Luiz Flávio Borges D''Urso, e foi publicado na edição de hoje (10) do jornal Correio Braziliense (DF):
"Há cinco anos, advogados brasileiros travaram justa batalha para que escritórios de advocacia não fossem mais invadidos pela polícia em cumprimento de mandados judiciais genéricos de busca e apreensão, para tirar dos arquivos provas contra clientes. Agora iniciam nova e importantíssima batalha para preservar o direito de defesa: o combate às escutas de conversas mantidas entre advogado e cliente por ser ilegal e usurpar direitos e garantias constitucionais da cidadania.
Assim como no Estado Democrático de Direito não se pode permitir incriminar . um suspeito com provas colhidas nos arquivos de seu advogado, não se pode admitir, igualmente a escura da conversa entre um advogado e o cliente, mesmo estando esse em unidade prisional e com autorização da justiça. O princípio democrático do mesmo:o direito de defesa é assegurado para todos, indistintamente, e está edificado sobre sigilo profissional do advogado.Portanto, mesmo com ordem judicial, a escuta dessa comunicação desrespeita a ilegalidade e um postulado de defesa adotado internacionalmente.
Lutamos em 2005 para referendar que são invioláveis os arquivos, a correspondência e o escritório dos advogados. Lutaremos em 2010para reafirmar que escuta dessa natureza não afronta somente o direito ao sigilo que reveste a conversa advogado-cliente, como suprime princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do julgamento justo, subvertendo nosso sistema jurídico e destruindo as bases dos preceitos legais que regem o Estado Democrático de Direito.
A escuta da conversa entre advogado e cliente não pode ser considerada meio legítimo de obtenção de prova contra o acusado. O sigilo entre advogado e cliente é uma relação de confiança respaldada pelo artigo 133 da Constituição Federal; artigo 7, §II, da lei 8.906/94; e pelos artigos 25 e 26 do Código de Ética e Disciplina da Advocacia, estipulando a legislação que o advogado tem obrigação de guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que sabe em razão do ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor, como testemunha, em processo de que seja ou tenha sido advogado - Caso o advogado viole esse sigilo, cometerá crime.
Convém ressaltar, ainda, que o sigilo é norma fundante da advocacia, porque nenhum cliente iria expor seus problemas a um advogado se não houvesse a garantia dessa confidencialidade. O sigilo, portanto, existe para proteger o cidadão, não o profissional do direito. Da mesma forma que o fiel não confessaria ao padre seus pecados; o paciente, seus problemas ao médico; e as fontes não passariam ao Jornalista suas informações e denúncias. Quem ganha nesse processo de proteção é a sociedade, que preserva direitos e constrói uma democracia mais sólida.
Toda vez que esse conjunto de direitos dos cidadãos sofra abalos, estamos diante de inaceitável usurpação das garantias e direitos da cidadania . Permitir que sejam gravadas conversas entre advogados e clientes dentro de penitenciárias federais ou quaisquer outras unidades prisionais, alegando que essa medida é o único meio de coibir outros crimes, constitui retrocesso. E negar o respeito à lei e admitir a incapacidade dos órgãos de segurança de resolver o problema da criminalidade no país, que deveria ser por meio da investigação e de recursos de inteligência.
Também é inaceitável que as autoridades judiciais generalizem e lancem a suspeição sobre todos os advogados. Sem dúvida, a classe tem exceções - aliás, como juízes, promotores, delegados, médicos, engenheiros, procuradores etc. O número de advogados com processos ético-disciplinares não chega a 1%, ou seja, a massa da advocacia brasileira trabalha com ética e, honestamente, não pode ser confundida com uma exceção que optou pelo desvio de comportamento ético ou até pelo crime.
Na democracia, é inaceitável admitir um crime para investigar outro crime. Seria a negação do Estado de Direito. Sem dúvida, combater o crime é absolutamente necessário, mas sem desmandos cometidos em nome dessa suposta prioridade, pois em nenhum momento da história democrática pode-se preservar os direitos fundamentais e os direitos humanos dos cidadãos sem que o conjunto de salvaguardas fosse também resguardado, porque se insere na categoria de pré-requisitos necessários à missão constitucional do direito de defesa. Usurpá-lo é atentar contra as liberdades, as garantias individuais e a própria democracia."