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Editorial: Inversão de princípios

sábado, 12 de junho de 2010 às 11h43

Curitiba (PR), 12/06/2010 - O editorial "Inversão de princípios" foi publicado na edição de hoje (12) do jornal Gazeta do Povo (PR):

"A população paranaense acompanha com perplexidade os desdobramentos do caso dos Diários Secretos da Assembleia Legislativa. Na mesma semana em que milhares de pessoas participaram de atos públicos para exigir transparência e ética na política em apoio ao movimento O Paraná que Queremos da OAB/PR, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou liminarmente a suspensão de todos os atos da rigorosa investigação conduzida pelo Ministério Público do estado do Paraná.

Toda decisão judicial deve ser respeitada, mas no Estado Democrático de Direito, sob o império da liberdade de expressão, é possível e, sobretudo, recomendável que os atos do Poder Judiciário sejam objeto de cuidadosa análise e ponderada crítica. Nesse passo, os argumentos manejados na Reclamação ajuizada pela defesa do ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa e que subsidiam a decisão apontam para uma inversão dos princípios jurídicos que regem o tema e contrariam não apenas a jurisprudência pacífica do STF, mas também decisões do próprio tribunal na Operação Gafanhoto, caso que supostamente atrairia a jurisdição do Supremo para os procedimentos derivados do caso dos Diários Secretos.

Alega-se, basicamente, a existência do fenômeno jurídico da conexão (em resumo, correlação de natureza probatória) entre as duas operações (Gafanhoto e Diários Secretos). No entanto, inúmeros são os precedentes do STF (Operação Hurricane, Caso Sudam, entre outros) no sentido de que perante esta corte só devem tramitar inquéritos e ações penais envolvendo suspeitos ou acusados detentores de foro por prerrogativa de função e, mesmo nesses casos de comprovada conexão entre procedimentos, o STF tem invariavelmente desmembrado as investigações, deixando de processar aqueles réus despidos da referida garantia constitucional.

Ora, se isso é pacífico, como explicar que as ações penais oferecidas pelo MP paranaense, exclusivamente dirigidas a simples servidores da Assembleia Legistiva do Paraná, passem, da noite para o dia, a tramitar perante o STF? De outro lado, para reforçar essa tese, apenas um entre dezenas de inquéritos da Operação Gafanhoto tramita no STF, justamente em face do único deputado federal envolvido, tendo sido determinada a devolução dos demais procedimentos para as instâncias inferiores competentes. Se os próprios inquéritos da Operação Gafanhoto, de acordo com o STF, não guardam conexão entre si a ponto de justificar a tramitação unificada, como é possível sustentar que fatos ocorridos muitos anos depois e sob distintas circunstâncias e modos de execução poderiam justificar a surpreendente reunião de procedimentos e determinar a imediata suspensão de todas as diligências?

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo sustentam com inabalável convicção que não existe tecnicamente a alegada conexão e que brevemente o STF determinará o retorno dos processos de Abib Miguel e dos outros servidores à primeira instância. Nesse caso, a Reclamação terá servido indiretamente para pular o Superior Tribunal de Justiça, como um habeas corpus disfarçado que funcionou, basicamente, para sustar a tramitação da mais importante investigação das últimas décadas no Paraná, ainda que o mérito da causa esteja em franca oposição ao entendimento consolidado do STF.

O Ministério Público recorrerá dessa decisão e o ministro Dias Toffoli pode reconsiderar a medida concedida. Seria uma grande contribuição à imagem da Justiça perante o povo paranaense e um alento a todos que ainda acreditam em uma sociedade livre do vírus da corrupção.

A sociedade paranaense prossegue em vigília cívica, em permanente luta para seguir acreditando na urgente e inadiável transformação da cultura de sua classe política, esperando que a reação do eleitorado nas próximas eleições diante de tão graves escândalos seja o primeiro passo dessa caminhada, que a cada dia encontra maiores obstáculos.

Na tentativa de reconstrução de um estado regido pela ética e pela austeridade pública, o povo paranaense esperava que o Poder Judiciário estivesse ao seu lado. E agora? Só nos resta prosseguir na defesa da legalidade e da moralidade, confiando na nobreza e na justiça dessa marcha, que cedo ou tarde será vitoriosa. Não é um direito: é um dever de todos nós!"

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