D´Urso pede mobilização para conter violência em São Paulo
Brasília, 13/05/2004 - O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, ressaltou hoje (13) a gravidade dos níveis de violência em São Paulo e pediu uma mobilização urgente do governo e da sociedade a fim de contornar o problema no Estado. Na sede da OAB, em Brasília, D´Urso comunicou ao presidente nacional da OAB, Roberto Busato, o assassinato recente de uma advogada quando se dirigia à sede da OAB-SP e pediu maior atenção do governo do Estado para combater o avanço da criminalidade.
Luiz Flávio Borges D’Urso, no entanto, descarta a presença das Forças Armadas nas ruas paulistas, a exemplo do que foi sugerido para conter a crise de violência no Rio de Janeiro. Para ele, as Forças Armadas têm outra vocação, receberam outro tipo de treinamento e, estando nas ruas, representariam grande risco à população.
“Nós temos a Polícia Militar nas ruas para evitar o crime, temos a Polícia Civil e o Judiciário para desvendá-lo e determinar a punição, respectivamente”, afirmou D´Urso. “Estes papéis, dentro do Estado Democrático de Direito e de acordo com a legislação vigente, já são adequados se houver integração, investimento e a colaboração da população”.
Veja, a seguir, entrevista concedida pelo presidente da OAB de São Paulo:
P - Como anda a violência em São Paulo?
R - O cenário da violência em São Paulo é grave. Nós mesmos da OAB vivemos uma situação de grande tristeza no último dia 7, quando uma colega nossa, advogada e funcionária da OAB, foi assassinada em São Paulo. Ela saía de sua residência para se dirigir à sede da Ordem quando foi assaltada por um motoqueiro. Mesmo depois de lhe retirar a bolsa, o assaltante lhe deu um tiro, que transpassou o coração, e ela acabou falecendo. É mais uma vítima da violência em São Paulo, um quadro que reclama uma mobilização urgente por parte de toda a sociedade e do governo.
P - O senhor acredita que, a exemplo do Rio de Janeiro, essa mobilização pode contar com a presença do Exército?
R - Quando pedimos o envolvimento da sociedade, me refiro à participação do Estado por meio da pasta da Segurança Pública, que tem a responsabilidade de orquestrar as forças da sociedade por meio da maior arma existente para combater o avanço da criminalidade: a informação. Agora, daí a partir para uma situação extrema, de se utilizar as Forças Armadas para o embate no dia-a-dia da criminalidade, acho que isso é um grande equívoco. Nós temos as divisões das Polícias Militar nas ruas para evitar o crime, temos a Polícia Civil e o Judiciário para desvendá-lo e determinar a punição, respectivamente. Estes papéis, dentro do Estado Democrático de Direito e de acordo com a legislação vigente, já são adequados se houver integração, investimento e a colaboração da população. As Forças Armadas têm outra vocação, outro treinamento e, estando nas ruas, representariam grande risco à população. As Forças Armadas podem sim colaborar com a segurança pública. Nas fronteiras, por exemplo. Precisamos controlar o contrabando de armas, de entorpecentes, e as Forças Armadas têm um papel fundamental nisso.
P - Como o senhor vê a participação do governo federal na parceria com o governo do Estado? No caso do Rio de Janeiro houve alguns ruídos, até mesmo troca de farpas. Como vai esse relacionamento em São Paulo?
R - O governo federal, ao acenar com a possibilidade de ajuda ao Rio de Janeiro, deveria oferecer uma mobilização da Polícia Federal e investimentos na área de segurança. Agora, quando chegou ao ponto de disponibilizar o uso das Forças Armadas para policiamento nas ruas, cometeu um erro. Nós tivemos a experiência das Forças Armadas em um grande congresso ecológico que aconteceu no Rio de Janeiro, por exemplo. A presença do Exército nas ruas afugentou, por alguns dias, a criminalidade. Mas foi uma solução absolutamente paliativa. Á medida que as Forças Armadas se recolheram, a criminalidade retornou a seus postos. Entendo, então, que levar segurança à sociedade é uma obrigação do Estado, da Secretaria de Segurança e também da população.
P - E sobre as denúncias de desvio de dinheiro pelo ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, como a OAB-SP avalia a situação?
R - A posição da OAB-SP com relação a este caso é de muita cautela. Já tivemos incontáveis oportunidades de verificar que, muitas vezes, uma questão é colocada na mídia antes mesmo de ser posta à apreciação do Judiciário e, lá na frente, chega-se à conclusão que o que se pensava no início não era bem assim. Isso acontece, às vezes, patrocinado por uma autoridade policial, outras vezes patrocinado por integrante do Ministério Público e esse pré-julgamento pode ser um desastre. É preciso deixar que primeiro o Judiciário examine essa prova e, se essa prova efetivamente trouxer a formação de culpa, a conseqüência é prevista em lei.
P - Onde está a dúvida se a televisão mostrou que a assinatura das contas correntes pertence a Paulo Maluf?
R - A televisão não faz perícia grafotécnica. A televisão, qualquer veículo de comunicação, o próprio Ministério Público ou até a autoridade policial não têm a palavra final nessa questão. Penso que isso tem que ser apreciado sob o foco das garantias individuais, que devem atender o Maluf, o Antônio, o José ou qualquer um de nós. Deve haver para qualquer pessoa a garantia ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. O palco para a solução dessa questão jurídica é o Judiciário. A imprensa noticia, mas o juízo de valor, com a responsabilidade que nós temos enquanto técnicos da área, deve ser feito por meio de um posicionamento preciso do Judiciário.
P - Mas e quanto à declaração de Paulo Maluf dada à imprensa, de que qualquer um que encontrasse dinheiro em seu nome no exterior poderia ficar com ele? Qual a opinião da OAB-SP sobre isso?
R - A opinião da OAB-SP é no sentido de não se manifestar sobre essas questões. A OAB se manifesta sobre o aspecto técnico, mas evitamos comentar palpites, uma vez que isso em nada contribui para a solução dos problemas. Se qualquer um nesse País desejar disponibilizar recursos que, em hipótese sejam seus, em qualquer lugar do mundo, isso está dentro da liberdade e da disponibilidade de eventuais recursos que ele possa ter. Agora, fazer uma análise disso, trazendo juízo de valor a essa informação, não contribui com o debate. O que nós queremos saber, isso sim, é se ele tem recursos lá fora, se a conta é dele e se esses recursos foram desviados. Se isso acontecer, o Judiciário, garantindo necessariamente todas as garantias individuais previstas na Constituição, deve julgar o caso adequadamente e determinar a punição, se for o caso.
P - Como o senhor viu a expulsão do jornalista Willian Larry Rohter Junior, do The New York Times, acusado de ter feito uma matéria contendo inverdades contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
R - Com muita apreensão e tristeza. Eu penso que o presidente da República, diante daquela matéria, foi exposto, foi ofendido e houve necessariamente uma repercussão da ofensa à nação brasileira e ao País. Mas essa é uma questão que deveria ter sido trabalhada pela via diplomática, na minha opinião. A situação deveria ter sido recolocada por meio da divulgação de um desagravo ao nosso presidente e ao Brasil. No entanto, o gesto do governo, de descredenciar um repórter de um dos veículos de comunicação mais importantes do mundo, representou uma precipitação que, ao nosso ver, é indesejada. Não penso que esse deva ser o comportamento do governo para uma situação tão delicada. Uma vez realizado este gesto extremo, tirou-se do presidente e do Brasil a condição de vítimas da situação para a condição de algoz ao expurgar um jornalista que está aqui trabalhando, contrariando o princípio da liberdade de expressão. A responsabilidade por esta liberdade de expressão necessariamente precisa existir, aqui no Brasil e fora dele.
P - O senhor acha que esse episódio lembra a época da ditadura militar, tão combatida pela OAB?
R - Eu não faria um parâmetro direto porque a ditadura militar foi um período dramático para o Brasil e nós tínhamos toda uma estrutura de rompimento com os princípios constitucionais. A Constituição foi rasgada naquela época e todo o comportamento do governo estava ditado por este tom. O que verificamos é que este episódio, esse comportamento do governo, não foi adequado para a plenitude democrática que nós queremos para este País.
P - Reforma do Judiciário. Como é que o senhor a avalia neste momento?
R - Esta reforma que está sendo discutida no Congresso é, na minha opinião, parcial e não atende aos anseios da nação. A nação brasileira, quando toca nesta questão, tem em foco um rápido andamento dos processos, a morosidade da Justiça, o tempo que leva para que o cidadão tenha uma manifestação do Judiciário. Isso frustra e é grave. Quando a nação desejava que a reforma do Judiciário tocasse exatamente esses pontos e agilizasse o processo, uma série de outros pontos acabaram sendo aprovados, como a federalização dos crimes contra direitos humanos, o controle externo e a quarentena. Todos são pontos importantes, é claro, mas nenhum deles toca na essência, no núcleo da aspiração da nação por reforma no tempo de tramitação dos processos. Os itens aprovados na reforma até agora são uma parte muito pequena do desejo da nação. Portanto, essa reforma é parcial e nós precisamos dar continuidade a ela para atacar esses pontos fundamentais, que implicam em investimentos no Judiciário, na contratação de mais juízes, funcionários e em informatização. É preciso rever a questão da revisão legislativa, mas com muita cautela para não violar garantias individuais. É preciso também rever a proliferação de recursos e a Lei de Responsabilidade Fiscal, outra limitação para investimentos no Judiciário. Enfim, há um conjunto de pontos que precisam ser enfrentados pelo Congresso Nacional e que não foram contemplados nesta reforma. É o próximo passo e nós vamos ter que provocar a continuidade dessas discussões. Queremos o processo andando a seu tempo.
P - Estamos em maio de 2004 e eu gostaria que o senhor fizesse uma avaliação do governo Lula até o momento.
R - As esperanças foram gigantescas. Essa eleição foi simbólica, marcou um momento de absoluta democracia no País. Só que nós ainda não constatamos a efetivação das propostas feitas durante a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Algumas sequer foram iniciadas e em outras há absoluta ausência de projetos. Mas, sem dúvida nenhuma, quanto maior é a expectativa, maior é a frustração. Hoje, a popularidade do presidente está caindo face à ausência de respostas que a nação esperava em tempo mais oportuno. Há a necessidade de estarmos juntos, fiscalizando o andamento das ações de governo, no sentido de opinar e colaborar. Mas isso não significa que o governo está inviabilizado. Não. Isso pode ser retomado e nós ainda podemos ter tudo aquilo que foi alvo da confiança da nação. Temos muito tempo de governo pela frente, mas é fato que a expectativa de que isso se iniciasse imediatamente não se concretizou e a frustração, sem dúvida, começa a despontar em todo o País.