Cezar Brito reprova casuísmo eleitoral e festival político de 'meu pirão, primeiro'
Belém (PA), 11/10/2009 - Muita gente nem imagina que recall é mais do que aquela chamada que uma indústria faz para trocar um aparelho ou um carro com defeito de fabricação. Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é uma proposta que pode ser encaixada no projeto de reforma política que dormita no Congresso Nacional. O presidente da entidade, Cezar Britto, não apenas defende a ideia, claro, mas acredita que é uma forma de barrar a legislação em causa própria que, vez por outra, ocorre na Câmara e no Senado. E como exemplos desse festival de ''meu pirão, primeiro'', ele afirma que os projetos de Emenda Constitucional (PEC) dos Vereadores e Precatórios foram aprovados com a única finalidade de afagar a base de que vai tentar mais um mandato, em 2010.
A seguir, a entrevista concedida à repórter Micheline Ferreira, do jornal O Liberal, de Belém:
O que o senhor pensa da PEC que aumentou em mais 7 mil o número de vereadores?
Uma das conquistas democráticas foi compreender que a regra eleitoral tem que ser conhecida pelo cidadão. Nós conquistamos essa regra, ao escrevermos na Constituição Federal o princípio da anterioridade da lei eleitoral. Só se pode começar um processo quando as regras são conhecidas previamente. A emenda constitucional que aumentou o número de vereadores, não obstante a alguns acertos no seu mérito, cometeu grave crime contra a democracia.
Por quê? Onde está o grave crime?
Está em que as regras eleitorais não podem ser mudadas depois que o jogo foi jogado. É um precedente periogoso, porque, se aplicado com frequência, além de ferir o princípio da anterioridade da lei eleitoral, poderá fazer com que tenhamos alterações dos resultados eleitorais ao sabor dos governos de plantão.
É perigoso para a democracia....
Sim, perigoso para a democracia. Imagina um governante aumentar diminuir o número de deputados, senadores, desmembrar um município a qualquer tempo... A democracia brasileira é muito sólida e se consolidou com o passar do tempo. Não precisamos de casuísmo eleitoral.
Então a PEC dos Vereadores, para o senhor, é casuísmo eleitoral?
Essa PEC é um casuísmo que visa dar um sinal positivo às bases eleitorais dos parlamentares, dos deputados federais e senadores, uma afago nas bases de sustentação. Fazer um agrado.
A finalidade não foi aumentar a representação do povo?
Não. Até porque retroagir a lei não é aumentar a representação, mas beneficiar a base eleitoral do momento.
Até porque no próximo ano tem eleição...
Exatamente.
E a PEC no mérito? Como o senhor avalia?
No mérito, a emenda não é ruim, porque valoriza o parlamento municipal.
Aquele que está mais perto da população...
Isso. Claro. Aumenta a representação sem aumentar as despesas. É preferível para a democracia que tenhamos cargos públicos preenchidos pela eleição do que nomeação política. Ao readequar o orçamento das câmaras, terá de diminuir os cargos em comissão, que são fruto de negociação política. Eu prefiro a negociação direta com o eleitor, que é a eleição.
Felizmente, não vai vingar neste ano.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatou liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Ministério Público Federal, associada à Adin da OAB, suspendendo todas as posses apoiadas nessa emenda constitucional.
Agradar a base foi o mesmo motivo da PEC dos Precatórios, na sua opinião?
Foi esse mesmo agrado à base eleitoral que motivou o Senado a aprovar também à quase unanimidade e na calada da noite essa outra PEC gravíssima, que é a que estabelece o calote no pagamento das decisões judiciais.
Agrada aos prefeitos.
Sim, para agradar aos prefeitos, que não cumprem decisões judiciais, que desrespeitam o Poder Judiciário, desfazendo-se de uma decisão judicial transitado em julgado. Com essa PEC, alguns municípios e Estados levarão décadas e décadas para cumprir.
O senhor concorda com esse modo de o Congresso Nacional legislar em causa própria?
Não é bom nem legislar nem advogar em causa própria. O sentimento vai ser de proteção pessoal e não de compreensão coletiva. É por essa razão que a reforma política não saiu no Brasil. Parte da classe política pensa mais nas próximas eleições do que nas próximas gerações.
O senhor quis dizer: nas suas próximas eleições.
Isso, não pensam nas próximas gerações. Não querem aprovar a reforma, porque poderá cassar alguns de seus privilégios eleitorais ou eleitoreiros.
Por exemplo?
O fim da fidelidade partidária. Ou melhor, da infidelidade partidária. A proposta política da OAB busca criar no Brasil intrumentos de democracia participativa, incluindo um instrumento novo.
E qual seria esse instrumento novo?
O recall, que é a possibilidade de se cassar o mandato quando o representante se mostra indigno dele. Se um prefeito pratica atos de corrupção, e a Câmara se mostra inerte, nós, cidadãos soberanos, não podemos esperar. O recall é o instrumento que vai ser usado para que possamos confirmar uma nova eleição ou não desse prefeito, por exemplo. Isso também valeria para vereadores, senadores, deputados.