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Busato: “Exército é treinado para matar, não para conciliar”

terça-feira, 13 de abril de 2004 às 12h09

Praia (Cabo Verde), 13/04/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, criticou hoje (13) a idéia de que haja uma intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro com o objetivo de conter a guerra do tráfico na Rocinha, principal favela carioca. Para Busato, que acompanha a repercussão da crise de Cabo Verde, na África, o Exército não é treinado para conciliar conflitos sociais e sua participação nas ruas poderia agravar a situação.

“O Exército é treinado para matar e é evidente que se houver uma retaliação por parte dos traficantes e de outros segmentos envolvidos nessa crise, o Exército vai partir para o confronto”, afirmou. “Com isso, se instalará uma guerra civil dentro do Brasil, o que seria um agravamento dessa crise social”, acrescentou o presidente da OAB, lembrando que o Rio de Janeiro é hoje um cartão postal do Brasil no exterior.

A intervenção do governo federal nessa crise deve ser rápida na opinião do presidente da OAB. Para ele, está provado que “o governo do Rio de Janeiro já não tem mais qualquer condição de controlá-la e muito menos de solucionar o problema”. Ainda em sua opinião, devem ser utilizadas verbas federais do Fundo Nacional de Segurança Pública para coibir novos conflitos no Rio, mas somente se a intenção for resolver o problema em definitivo.

“É aparelhando a Polícia, aumentando o seu contingente, sofisticando o seu armamento e treinando a Polícia que será possível combater esse problema”, afirmou. “Não adianta chegar lá agora e remediar a situação. Não adianta colocar o Exército lá na tentativa de resolver um conflito que está instalado há anos”.

Roberto Busato acompanha a crise no Rio de Janeiro da cidade da Praia, capital de Cabo Verde, onde participa desde a última segunda-feira do VII Encontro da Associação das Ordens e Associações de Advogados de Língua Portuguesa. Veja a seguir a íntegra da entrevista concedida pelo presidente da OAB:

P - O senhor está acompanhando a crise que se transformou em praticamente uma guerra no Rio de Janeiro?
R - Nós estamos acompanhando a crise daqui de Cabo Verde, na África, e esses acontecimentos no Rio de Janeiro têm tido ampla repercussão aqui. Lamentavelmente o Estado do Rio perdeu totalmente o controle da segurança pública. Não consegue defender esse grande patrimônio, que é o Rio de Janeiro, que tem uma visibilidade muito grande no exterior e reflete a imagem do próprio Brasil por tudo o que representa. Na minha opinião, é preciso que o governo federal faça uma intervenção para somar esforços com o governo do Estado e haja um combate efetivo e definitivo dessa situação que corrói o Rio. Se não aniquilarmos esse estado de caos e de desordem social, estaremos realmente entregando à bandidagem um dos maiores patrimônios do Brasil, sua primeira capital. Nós somos favoráveis à liberação de verbas pelo Fundo Nacional de Segurança Pública. Somos favoráveis à decretação de um estado de defesa, mas com muita reserva neste aspecto porque isso envolve a restrição de direitos individuais e esses direitos não podem ser diminuídos em função da desídia que o Estado teve, de sua falta de competência no sentido de conter essa violência.

P - O senhor acredita que a intervenção das Forças Armadas seria uma boa alternativa?
R - Nós somos absolutamente contra a intervenção das Forças Armadas porque o Exército não é treinado para esse tipo de conflito e sua participação nas ruas poderia agravar a situação. O Exército é treinado para matar e não para conciliar conflitos sociais. É evidente que se houver uma retaliação por parte dos traficantes e de outros segmentos envolvidos nessa crise, o Exército vai partir para o confronto e nós poderemos vir a instalar uma guerra civil dentro do Brasil, o que seria um agravamento dessa crise social. Acredito que precisamos ter serenidade neste momento difícil para interpretar a gravidade dos fatos e partir para uma solução que seja definitiva. Não é possível mais a persistência desse estado de coisas e esta crise ir e voltar, ir e voltar a cada momento e nunca terminar. Não é possível mais que a população ordeira desse Estado fique refém da bandidagem.

P - O senhor acredita que o governo federal deve intervir nessa crise?
R - O governo federal tem que intervir porque está provado que o Estado do Rio de Janeiro já não tem mais qualquer condição de controlar essa crise e muito menos de solucionar o problema. Quando o vice-governador do Estado, Luiz Paulo Conde, vem com essa bobagem de construir um muro de três metros para cercar a Rocinha, ele demonstra claramente que perdeu a condição de controlar este estado de coisas. Como conseqüência, o governo federal tem que intervir e resolver definitivamente esse problema. Acho que têm que ser usadas verbas federais, que são recursos de todo o Brasil, mas no sentido de resolver em definitivo esse problema. É aparelhando a Polícia, aumentando o seu contingente, sofisticando o seu armamento e treinando a Polícia que será possível combater esse problema Também é preciso fazer um trabalho sério de educação, um amplo trabalho social e erradicar os focos de criminalidade para que acabem os problemas. Não adianta chegar lá agora e remediar a situação. Não adianta colocar o Exército lá na tentativa de resolver um conflito que está instalado há anos. Temos que resolver definitivamente o problema.

P - Está faltando mais educação para o povo?
R - Sim, este é um dos aspectos que contribuiriam para eliminar esse conflito. É preciso conceder educação, melhor saúde, uma série de melhorias precisam ser feitas nas favelas para que se dê um fim a essa crise, que chegou a um ponto incontrolável. Se não se atacar a causa dos problemas desta vez, o governo vai ser obrigado a voltar com o Exército inúmeras vezes. Se se partir meramente para acalmar o conflito, tudo continuará como sempre esteve. Tem que haver um trabalho de segurança pública e social de curto, médio e longo prazo para eliminar essas circunstâncias que denigrem a cidade, o Estado e o País.

P - O desemprego, a violência e essa situação que está ocorrendo no Rio de Janeiro é o retrato do caos social que o Brasil está vivendo?
R - É. Além disso, é um alerta bastante agudo para o governo federal, que foi eleito para reformar este País. Então, está na hora dele partir deste conflito que está instalado para mostrar a que veio e reformar esta situação de desigualdade que existe no Brasil. O desemprego aumenta cada vez mais, a economia não está direcionada para auxiliar nesses conflitos e o resultado é que o Rio de Janeiro, que possui grande descontrole na parte social, virou praticamente um campo de guerra civil, onde existem situações tão bizarras como aquelas que vemos na TV envolvendo árabes e judeus, Estados Unidos e Iraque. É o mesmo quadro, são as mesmas imagens que se vê nesses países. Isso demonstra a grave situação por que passa aquela cidade.

P - Para concluir, é preciso sair do discurso e partir para a prática?
R - Sem dúvida, mas a prática não deve ser a de cortar meramente os efeitos. O Brasil já está cansado de ver as verbas públicas serem revertidas apenas para conter conflitos. Gastar milhões e milhões porque o MST ameaça deflagrar o “Abril Vermelho”, gastar outros milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública para acalmar uma revolta entre dois morros não adianta nada. É realmente jogar dinheiro fora e demonstrar irresponsabilidade do Estado no dirimir dos conflitos sociais. O que é preciso fazer é transformar essa situação do Rio de Janeiro em um laboratório para que o governo dê aquele primeiro passo que a OAB e o povo vêm pedindo, no sentido de deflagrar reformas sociais. É preciso atacar as causas e não os efeitos.

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