Artigo: Reforma de pessoas
Recife, 14/07/2009 - O artigo "Reforma de pessoas" é de autoria do conselheiro federal da OAB, Ricardo Correia, e foi publicado na edição de hoje (14)do Jornal do Commercio de Pernambuco:
"Longe de chegar ao fim, seguramente a Reforma do Judiciário brasileiro é um dos maiores desafios desse Poder, tão ligado umbilicalmente ao exercício e efetivação da cidadania. Reformas na legislação processual são uma constante, sempre visando dar maior agilidade ao tramitar das demandas judiciais, mas a revolução do processo, com a regulamentação de sua informatização e virtualização, poderá colocar o Judiciário nacional vários graus acima de onde hoje se encontra. Não sem razão o Conselho Nacional de Justiça baixou orientação de que todos os Tribunais busquem essa solução, sendo exemplo recente o do Superior Tribunal de Justiça, que resolveu acabar de vez com o processo de papel, tal como conhecemos, e digitalizar todo o acervo que naquela Corte se encontra.
Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Ceará foi o primeiro a se integrar eletronicamente ao STJ, enviando no último dia 25 de junho o primeiro lote de processos por meio eletrônico. Em poucos minutos já estavam eles distribuídos naquela Corte superior para os respectivos relatores. E tudo ecologicamente correto, sem papel, repita-se.
Essa revolução, propiciada pela tecnologia, deve vir acompanhada necessariamente da quebra dos paradigmas do atual modelo de gestão - onde os magistrados não foram preparados para a administração -, sob pena de termos uma legislação processual moderna, um Poder tecnologicamente bem aparelhado, mas ficarmos presos às velhas dificuldades que é gerenciar pessoas.
A fixação de metas de trabalho a serem alcançadas e a permanente capacitação profissional - na linha do que vem fazendo a ESMAPE, destaque-se -, realidade consolidada no setor privado, precisa ser levada com maior amplitude para a administração pública, tanto mais quando no Judiciário ainda precisamos suplantar os constantes desgastes do dia a dia originados de procedimentos pessoais nem sempre compreensíveis, ou ainda de um certo ranço de arbitrariedade por parte de uns poucos.
Aliás, esse relacionamento, fruto da convivência diária dos que fazem a Justiça (advogados, defensores públicos, magistrados, ministério público e demais agentes), precisa igualmente ser trabalhado a tempo e a modo, diante de uma contextualização social que clama por respostas. No Judiciário, de maneira geral, alguns magistrados insistem em dificultar o exercício profissional do advogado, seja se recusando ao atendimento obrigatório, onde não se faz necessário a marcação de hora para tanto - ao contrário do que pensam até mesmo alguns advogados -, seja dispensando tratamento pouco cortês ou criando dificuldades de acesso a autos, obtenção de cópias e expedição de alvarás, para ficar por aqui.
O estabelecimento de critérios objetivos pode, em muitos destes casos, ajudar a dirimir enfrentamentos e desgastes absolutamente desnecessários. Na Justiça do Trabalho, qual o critério para a designação de audiências de 05 em 05 minutos ou em intervalos até mesmo menores, quando sabido ser humanamente impossíveis de acontecerem? Qual a justificativa em submeter o profissional do direito a um desgaste desnecessário, como o caminhar por sobre o fio de uma navalha, onde qualquer segundo pode ser fatal? E se é certo que os atrasos das audiências são uma constante, por que prejudicar a todos, inclusive as partes e testemunhas?
Na Justiça Federal, por outro lado, qual o critério que move alguns magistrados na fixação até mesmo dos honorários de sucumbência? Há critério daqueles que aviltam os honorários nas sentenças, chegando ao absurdo de, ao depois, quando o advogado pretende recebê-los, se recusarem a dar cumprimento às decisões por eles próprios proferidas determinando o arquivamento do pleito por ser valor insignificante, o que não justificaria a movimentação do aparelho judiciário para tanto?
Na Justiça Estadual, com vários problemas comuns às demais, magistrados e serventuários insistem em dificultar o acesso aos autos e a obtenção de simples cópia por parte de advogados e estagiários, tendo a Corregedoria Geral da Justiça de baixar orientação lembrando o dever de urbanidade entre os operadores do direito, e que fatos tais os narrados sejam evitados. Mas é preciso ainda reafirmar que é direito do advogado dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se apenas a ordem de chegada. É o que preceitua o art. 7º, VIII, da Lei 8906/94.
Não sem razão, portanto, por mais que haja a evolução da legislação processual e dos meios tecnológicos, imprescindíveis para um Judiciário ágil, é de afirmar-se que a verdadeira reforma passa pelas pessoas."