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Cezar Britto diz que polícia ainda é submetida a uma lógica autoritária

domingo, 21 de junho de 2009 às 11h29

Aracaju (SE), 21/06/2009 - "A polícia brasileira, em seu conjunto, é despreparada, ainda submetida a uma lógica autoritária. O cidadão não a vê como uma aliada, sobretudo os habitantes das periferias, submetidos à truculência e à tirania policial, por desconhecimento de seus mais elementares direitos de cidadania. Sabemos que, nas delegacias da periferia e do interior, a tortura ainda é praticada e é o instrumento de "investigação" predominante". Quem faz esta afirmação é o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto que se manifesta ainda contra o instituto do terceiro mandato, a PEC do Calote e a ampliação do número de cadeiras para vereadores em todo o país.

A seguir os principais trechos da entrevista ao Jornal da Cidade, de Aracaju:

Jornal da Cidade - Por que a OAB é contra um terceiro mandato para o presidente Lula, se a prática já está em toda a América Latina?

Cezar Britto - Não se trata de fulanizar a questão. Não é o presidente Lula que está em pauta, mas os princípios republicanos da alternância no poder e da igualdade de concorrência. Como disse o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, se se admitissse a legitimidade do terceiro mandato, seria preciso admitir a do quarto, a do quinto, e assim sucessivamente. Teríamos presidentes monarcas. O que distingue a república da monarquia, entre outras coisas, é a temporariedade dos mandatos, de modo a permitir a alternância, que impede o surgimento de castas. Felizmente, a Câmara dos Deputados acaba de colocar uma pá de cal nessa proposta, reconhecendo-a inconstitucional.

JC - A Ordem é favorável à preservação de uma reeleição, como está definido em lei hoje, ou defende um único mandato de cinco ou seis anos?

CB - A Ordem se opôs ao princípio da reeleição desde que a discussão surgiu, no governo FHC. Achamos mais salutar para a democracia um mandato de cinco anos, sem reeleição. Um segundo mandato, sim, mas não consecutivo, como era no passado. Num país como o Brasil, ainda atrasado politicamente, o uso da máquina é uma tentação a que dificilmente os governantes resistem.

JC - O que a Ordem fará para evitar a aprovação da PEC do Calote, aquela que trata dos precatórios?

CB - A OAB continuará a denunciar a lógica do calote, expressa naquela PEC. Já fizemos uma passeata em Brasília, reunindo advogados, magistrados e cidadãos. Mais de três cidadãos dela participaram. A PEC do Calote, como ficou conhecida, consagra um princípio imoral, que é o de que dívidas podem ou não ser pagas, dependendo do critério do devedor, e em bases que ele estabelece unilateralmente. Relativiza um compromisso sagrado, numa via de mão única, já que os débitos do cidadão com o Estado não estão submetidos ao mesmo critério. São cobrados implacavelmente, por meio de penhoras e de outros procedimentos, sem levar em conta suas dificuldades econômicas. Por que, quando o Estado é o devedor, é diferente? A OAB continuará a se opor, empenhando-se junto aos parlamentares e às tribunas a seu alcance para denunciar essa aberração.

JC - O aparelho policial brasileiro é violento?

CB - A polícia brasileira, em seu conjunto, é despreparada, ainda submetida a uma lógica autoritária. O cidadão não a vê como uma aliada sua, sobretudo os habitantes das periferias, submetidos à truculência e à tirania policial, por desconhecimento de seus mais elementares direitos de cidadania. Sabemos que, nas delegacias da periferia e do interior, a tortura ainda é praticada e é o instrumento de "investigação" predominante. Precisamos de uma nova mentalidade em nossa polícia, em que o policial tenha noções de cidadania, conheça seus deveres e direitos - e os deveres e direitos do cidadão, de quem é servidor, não opressor. Precisamos de uma polícia cidadã, em que o policial conheça pelo menos o capítulo dos direitos e garantias individuais da Constituição.

JC - O clima de violência nas ruas do Brasil é idêntico ao de uma guerra, como dizem os sociólogos e políticos? O que fazer para acabar com essa situação?

CB - A criminalidade urbana é hoje, sem dúvida, um dado concreto da realidade brasileira, agravado pela expansão do narcotráfico, que, em cidades como o Rio de Janeiro, chegou ao ponto de se apoderar de algumas áreas da cidade, tornando-as impenetráveis ao próprio poder público. No meio rural, a violência se manifesta na luta pela posse da terra, com a ação de milícias e forte repressão aos movimentos sociais. Falar em guerra civil é um certo exagero, mas com certeza temos um quadro de tensão preocupante, a exigir medidas não apenas policiais, mas sobretudo sociais. Na raiz dessas tensões, urbanas e rurais, há o fenômeno da exclusão social, que reclama um projeto mais efetivo por parte do poder público e da sociedade civil organizada.

JC - Como a Ordem vê as manifestações de vereadores para aumentar o número deles nas câmaras municipais?

CB - A OAB se opõe ao aumento do número de vereadores e lamenta que o Senado o tenha aprovado. Os problemas e dificuldades dos municípios brasileiros não decorrem do número de vereadores nas câmaras, mas de distorções no sistema tributário centralista e na má gestão dos recursos públicos. E esses problemas exigem uma cidadania mais ativa e vigilante na defesa de seus interesses para que possam ser equacionados.

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