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Britto recebe discurso de juíza Nilza Reis em homenagem a Arx Tourinho

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009 às 18h22

Brasília, 07/01/2009 - O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil pela Bahia, Durval Ramos Neto, encaminhou hoje (07) ao presidente nacional da OAB, Cezar Britto, discurso proferido pela juíza federal Nilza Reis, ex-conselheira estadual da OAB da Bahia, durante inauguração do prédio dos Juizados Especiais Federais de Salvador, cujo nome homenageia a memória do jurista baiano Arx da Costa Tourinho, ex-conselheiro federal da OAB e subprocurador-geral da República. O falecimento de Arx, em acidente automobilístico próximo ao aeroporto de Salvador, dia 06 de janeiro de 2005, causando consternação nos meios jurídicos do País, completou quatro anos ontem. A seguir, a íntegra do discurso da juíza Nilza Reis que homenageia a memória de Arx Tourinho: "Quando, para meu gáudio, fui convocada pelo Dr. Paulo Pimenta, operoso Diretor da Seção Judiciária do Estado da Bahia, a pronunciar estas palavras, a primeira coisa na qual pensei foi que falar de Arx Tourinho é falar de saudade, de um vazio insuportável, porque impossível de ser preenchido.

Buscando reviver alguns momentos vivenciados com Arx Tourinho, não me foi possível passar ao largo do imenso desejo de transformar-me em um instrumento distante da minha natureza humana, única forma, talvez, de impedir o desabrochar das enormes emoções que ameaçam a segurança desta minha fala, notadamente quando lembro da sua figura alegre, solidária, democrata e, sobretudo, destemida.

Creio que todas as pessoas que tiveram o privilégio de ter a sua companhia, ainda que por pouco tempo, identificaram, facilmente, o seu espírito empreendedor, a sua vocação para o mundo do Direito conectado com a vida. Lembrar de Arx Tourinho, aqui imaterializado, faz-me criar asas imaginárias e desejar, ardentemente, voltar ao passado, para vê-lo como soube ser: um brilhante advogado, um abnegado professor universitário, um zeloso Subprocurador-Geral da República, sem esquecer, em meio a tantas atividades - todas desempenhadas com dedicação, mestria e ética -, os vínculos criados com os seus familiares e com os inúmeros amigos, agora despojados de quem, como poucos, era uma pessoa extrema, na fala e nas ações.

Em um dos seus muitos escritos, o jornalista Mario Santayana assinalou que "Todos os direitos do homem podem ser resumidos em um só: o de ser, enquanto a vida durar." E acrescenta:

"A vida de cada um de nós é única e irrepetível aventura. O universo dura, para o ser humano, o seu próprio tempo de vida: é dádiva de uso limitado, realidade que nasce para cada um dos homens e em cada um deles morre."

Refletindo sobre essas afirmações, não acredito na existência de fundamento capaz de me fazer discordar da primeira, uma vez que, mesmo ligada a outras, cada pessoa humana tem um caminho exclusivo. Não posso concordar, entretanto, com a última, porque sei da existência de homens e mulheres que saem da sua própria história e passam a integrar a trajetória de semelhantes em caráter permanente. São aqueles que, como Arx Tourinho, têm como meta a arte da solidariedade e postergam todas as formas de "voracidade animal" (1) que podem conduzir um ser humano a "aniquilar os mais fracos e acumular riqueza e poder"(2). Integrando o rol dos primeiros, Arx Tourinho era intransigente com as pessoas que adotam essa espécie de conduta, pois sabia que elas fazem qualquer coisa para chegar ao topo da montanha ideal voluntariamente construída para as suas vidas, não raras vezes à margem dos sofrimentos e das angústias alheias que, sem qualquer remorso ou problema ético, deixam para traz, esquecidas de que estes aspectos também passam a compor a sua própria trajetória de vida. Intolerante a qualquer forma de submissão, Arx Tourinho amava a liberdade, a democracia e a paz.

Nascido em Salvador, na Rua dos Perdões, hoje Monsenhor Tapitanga, n° 49, em 05 de novembro de 1947, Arx tourinho seguiu o seu caminho largo e iluminado, cursando Direito e, depois, Letras, na Universidade Federal da Bahia. Ao fazer a sua primeira opção, o nosso homenageado encontrou o seu verdadeiro caminho, eis que, inegavelmente, soube ser um grande profissional nas diversas áreas nas quais esteve presente. Respeitado como Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFBa., atuou em diversos órgãos coletivos desta instituição, inclusive no Conselho Universitário, como representante da coletividade, sede maior das suas preocupações e reflexões, buscando preservar, a partir delas, o sagrado direito à rebelião contra todas as formas de servidão, identificadas, em razão de sua argúcia, mesmo quando eram manhosas, dissimuladas ou sub-reptícias.

Como Subprocurador-Geral da República, Arx Tourinho emitiu brilhantes pareceres sobre temas complexos e palpitantes, adotando a mesma postura no Instituto dos Advogados da Bahia e para o Centro Acadêmico Ruy Barbosa, da Faculdade de Direito da UFBa, no qual se pôs, também, contra a cobrança de taxas de matrícula nos cursos de graduação e pós-graduação, entendimento consagrado, recentemente, pelo STF através da Súmula n°12.

Na Ordem dos Advogados, da qual foi Presidente, no Estado da Bahia, demonstrou o seu caráter operoso, abrindo novos horizontes para uma instituição de inegável magnitude, oportunidade em que tive o imenso prazer de acompanhar e de participar dos seus projetos e das suas realizações em benefício da classe que tanto soube dignificar, sempre atento para a existência dos profissionais mais necessitados. Ciente desta circunstância, quando comandava a Seccional da OAB/BA, Arx Tourinho a colocou no século XX, conferindo-lhe, inclusive, outras funções sociais, além daquela que lhe é ínsita. Inaugurou livraria, farmácia, prédio para estacionamento, serviço médico e odontológico, e outros serviços e benefícios. Com o auxílio do seu irmão Fernando da Costa Tourinho Neto, foi o responsável pela aquisição do prédio que atualmente abriga a sede própria da OAB/BA, que, em razão dos seus muitos méritos, hoje também exibe o seu nome. Instalou a Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes, sem descurar, todavia, das Sub-Seções, às quais comparecemos, em inúmeras oportunidades, levando conhecimentos novos aos interessados e, especial, a defesa apaixonada que fazia sobre as prerrogativas legalmente instituídas em defesa da classe.

Integrando o Conselho Federal da OAB, juntamente com Arx Tourinho, todos os meses, durante um ano e pouco, pude estar na sua companhia, inicialmente no vôo Salvador Brasília, depois, no retorno, e na própria sede da instituição, onde ingressávamos pela manhã e saiamos à noite. Nessas ocasiões os votos e as intervenções de Arx Tourinho a todos cativava pelo brilhantismo, pela lógica e coerência dos fundamentos utilizados para respaldar as suas convicções, sendo estas usualmente enriquecidas pelo compromisso firmado com a garantia da paz social e com a realização do bem-comum.

As eventuais dificuldades da vida jamais tiveram habilidade para bloquear o caminho luminoso de Arx Tourinho , sobre quem, ao prefaciar a Obra Temas de Direito, nascida do amor dos seus filhos, o Presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato afirmou ser ele uma "Referência moral e intelectual. Era bem mais que um profissional competente e bem-sucedido. Era um guerreiro da justiça, paladino das liberdades cívicas, engajado em movimentos sociais e ardoroso militante dentro de sua profissão."

Ferrenho opositor dos métodos utilizados pelos donos do poder econômico, sempre manifestou o seu inconformismo com o controle descabido da informação, com o ato de manipular e até de silenciar qualquer protesto legítimo. Em diversos artigos doutrinários criticou a edição imoderada das Medidas Provisórias e formulou veemente denúncia sobre o retaliamento da Constituição Federal, em decorrência de diversas alterações, que, na sua compreensão, terminaram acarretando a "desfiguração do espírito do Texto Constitucional de 1988". Falou, então, sobre a Constituição violentada e de Emenda Constitucional promulgada contra o povo.

O povo, no dizer de Arx Tourinho , não era uma abstração necessária e utilizável para a obtenção de adeptos, de eleitores ou de platéia. Não. Nas suas falas e escritos, o povo, tal como acontecia na antiga Grécia e em Roma, não se confundia com a população, pois só poderia ser representado pela parcela formada por quem revelasse interesse pelo bem público. Consciente dessa dimensão, Arx Tourinho desempenhou, com esmero, uma inegável, relevante e permanente função crítica sobre os poderosos, buscando fazer com que os direitos e a cidadania saíssem do papel, ganhassem as ruas e a consciência do povo.

Aprendemos, a duras penas, que a vida é tão frágil e, muitas vezes, tão curta, mas, seguramente, será sempre uma passagem. Não temos a consciência permanente desta realidade, até porque seria penoso viver lembrando, continuamente, da nossa finitude temporal. É necessário, todavia, ao menos de vez em quando, recordarmos da nossa natureza transitória, para não perdermos as chances da alegria, da felicidade. E assim viveu Arx Tourinho , sempre com um sorriso largo, aberto à vida, certo como é que a profundidade e a força dos seus conhecimentos não impediram a manifestação da leveza da sua presença, que era desejada por todos e em qualquer lugar. Na sua viagem em direção a um extraordinário e, lamentavelmente, curto destino, nunca conferiu importância aos retrocessos e aos temores vivenciados no país; jamais deixou medrar, em si, a desesperança, ainda quando esta estivesse presente na mente, na alma e nos dias dos seus compatriotas. Arx também sabia ser a esperança!

A sua personalidade emergia, assim, desse conjunto de qualidades inigualáveis que não podem ser fixadas em nossa memória apenas como simples recordações. Elas sempre estarão em nossas vidas, como exemplo, integrando, fortemente, os nossos sentimentos.

Defensor inquebrantável da liberdade de expressão e opinião como um direito inerente à essência humana, Arx Tourinho encontrou ressonância em Leonardo Boff, pois este também reconhece que a liberdade manifestada através da fala "não é apenas um meio de comunicação. É a maneira como o ser humano pensa, ordena o mundo e constrói continuamente a realidade". E, parecendo repetir palavras tantas vezes pronunciadas pelo homenageado, esse autor assinala, com percuciência:

"Não é sem razão que quando se instalam ditaduras e sistemas de forte controle religioso a primeira medida tomada visa a silenciar as pessoas e a tolher-lhe a palavra. Tal violência as mata como pessoas, embora as deixe vivas fisicamente". (3)

A linguagem e as formas de expressão de Arx Tourinho , contudo, superavam as palavras. Indo muito mais além, rompiam as fronteiras convencionais, revelando-se por intermédio dos seus gestos tão peculiares e dotados de habilidade para mostrar a todos a sua forte e simples personalidade: o paletó dependurado sobre um dos ombros, mostrando a camisa de seda pura, acompanhada de um sorriso largo e paralelo à evocação dos nomes das pessoas que encontrava; as expressões de sua face transmitindo uma alegria contagiante pelo sucesso alheio ou a sua flagrante intolerância com a corrupção, o autoritarismo, a tirania e a incompreensão de alguns seres humanos.

Ninguém pode duvidar dos méritos de Arx Tourinho , nem mesmo quando discordasse ou discorde das suas ideologias. Ele não foi um espectador nem um paradigma solitário. Foi um ativo protagonista dos fatos individuais, coletivos e sociais da sua época, sempre contribuindo para a melhoria das condições de vida dos seus semelhantes. Nunca silenciou quando deveria falar. Se havia alguém oprimido, discriminado ou com a liberdade ameaçada, surgia em sua defesa, postergando as infinitas vantagens do silêncio, tão simpáticas àqueles que são destituídos de coragem e optam pela covardia da acomodação em benefício próprio.

Quantas vezes o ser humano esquece que o seu coração está aflito em decorrência de inúmeras situações de indignação? E desta seguramente Arx Tourinho entendia bem. A indignação pela prática da injustiça, pela malversação do dinheiro público, pelas restrições indevidas, ilegais e ilegítimas à liberdade humana, pela falta de ética na política marcava presença em seus sólidos e proveitosos dias, em prol de outros cujos rostos sequer conhecia. Era o seu modo de ser: buscar, incessantemente, a melhoria da qualidade de vida das pessoas mais humildes. Muitas delas estarão aqui, nesta Casa, perseguindo o acesso à Justiça, uma instituição que dele mereceu inúmeras críticas e, quando possível, significativos elogios.

Arx Tourinho ganhou distinção pela sua voz firme, independente e, portanto, alheia a qualquer compromisso com os poderosos. O seu destaque foi a intensidade da sua personalidade, a generosidade do seu caráter, a grandeza do seu talento na vida pessoal e no exercício profissional, a sua coragem na defesa da cidadania, fazendo emergir, assim, os traços que o transformaram em um líder e uma influência para a sua geração. E, fazendo uma adaptação de palavras escritas em uma das lindas paredes do Museu Ricardo Brennand, na cidade de Recife (4), fica em mim a certeza de que Arx Tourinho foi, sem dúvida, uma pessoa substantiva. Mas, como afirma o texto antes referido, ele conseguiu superar esta condição, porque saiu de si mesmo, eliminou voluntariamente os seus próprios limites para ingressar no mundo dos outros e, assim, incorporar inúmeros destinos em seu modo de ser. Ao fazê-lo, moldou e concretizou, através do seu comportamento coerente e iluminado pelos seus fortes princípios éticos, um sentido para a sua geração. Não conseguiu apenas liderar e influenciar. Não era simplesmente uma pessoa substantiva. Era muito mais. Era, essencialmente, um ser humano qualificante. Com a sua profícua atuação na Advocacia, no Magistério Superior e no Ministério Público Federal, com as suas palavras e atitudes, conferiu uma identidade própria e um lugar de destaque à sua geração para que não se perdesse na anônima trajetória da história. As pessoas substantivas são a excelência da geração, as qualificantes são agentes de mudança. Por isto, inegavelmente, Arx Tourinho fazia parte desses dois grupos, porque era leal, ético e comprometido com a cidadania, fazendo com que, com as suas inigualáveis características pessoais, não foi somente uma estrada, mas, acima de tudo, uma direção.

A sua morte prematura deixou um vazio insuperável para todos aqueles que tiveram o privilégio de constatar as inúmeras dimensões do seu modo peculiar de ser e de viver, o respeito que de todos merecia em razão da sua retidão de caráter, da sua coragem de enfrentar, sem destemor, as pessoas dotadas de vocação para submeter os iguais à tirania, provocando o intolerável surgimento dos "vassalos da sociedade civilizada."

E, assim, vivenciando uma saudade que nunca poderia encontrar a sua forma de expressão na fragilidade das palavras, creio que todos nós preferimos reter Arx Tourinho conosco, mantendo viva, em nossas mentes e em nossos sentimentos, a sua forte presença, cuja beleza decorre do fato de ter sido moldada na originalidade da coerência entre as suas idéias e as suas ações, ambas vivenciadas, com uma seriedade quase religiosa, com base nos mais elevados princípios éticos, permitindo-lhe angariar, por esforço e mérito próprios, a admiração do mundo jurídico, que hoje ficará consubstanciada na concessão do seu nome a este prédio do Juizado Especial Federal.

E, aqui, ao final, cabe repetir as palavras dedicadas pelo próprio Arx Tourinho a um outro grande advogado baiano, o Dr. Jayme Guimarães, quando, em razão do seu óbito, afirmou que "a morte está, em verdade, acima de todos nós, fugindo da ciência e zombando dos homens, destruindo a matéria, absorvendo a seiva da vida e aniquilando o corpo, mas sem conseguir elidir o espírito, apagar o abstrato ou desmaiar o símbolo humano" da sua vítima. E buscando inspiração no prefácio da obra autobiográfica Minha Formação, de Joaquim Nabuco, concluiu formulando uma reflexão, agora renovada:

"Esta manhã, casais de borboletas brancas, douradas, azuis, passam inúmeras vezes contra o fundo de bambus e samambaias às montanha. É um prazer para mim vê-las voar, não o seria, porém, apanhá-las, pregá-las em um quadro...Eu não quisera guardar delas senão a impressão viva, o frêmito de alegria da natureza, quando elas cruzam o ar, agitando as flores.Em uma coleção, é certo, eu as teria sempre diante da vista, mortas, porém, como uma poeira conservada junta pelas cores da vida....O modo único para mim de guardar essas borboletas eternamente as mesmas, seria fixar o seu vôo instantâneo pela minha nota íntima..."

E assim é que devemos recordar Arx Tourinho.

1 e 2 - Expressões utilizadas pelo jornalista Mario Santayana, in Direitos Humanos, Conquistas e Desafios, 2ª edição, Letraviva, 1999.

3 - Leonardo Boff, obra citada anteriormente, pp. 249/255

4 - Texto adaptado de uma mensagem que me foi cedida por um amigo e que, segundo informações obtidas no Museu Ricardo Brennand, foi dedicado à arquiteta Janete Costa pelo então Diretor da Faculdade de Direito de Recife, Dr. Joaquim Falcão.

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