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Ophir: defesa da Constituição, dos direitos e das liberdades é dever de todos

quinta-feira, 28 de agosto de 2008 às 10h33

Salvador (BA), 28/08/2008 - "A principal proposta da Ordem dos Advogados do Brasil e dos advogados brasileiros neste momento deve ser esta: despertar a sociedade à realidade de que a defesa da Constituição e, conseqüentemente, dos direitos e liberdades individuais e coletivas é um dever de todos. Mais especialmente, um dever dos advogados, por exercerem um mister que implica na defesa da própria democracia, pois a dignidade da pessoa humana é a força que limita o poder político do Estado, para que prevaleça a cidadania como condição indispensável à plena realização do ser". Com estas afirmações, o diretor do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, concluiu hoje (28) sua palestra na abertura da Conferência Estadual dos Advogados da Bahia, promovida pela Seccional da entidade naquele Estado. Com a presença do presidente da OAB-BA, Saul Quadros, e diversos juristas econvidados, além do diretor da OAB Nacional,a abertura do evento lotou o auditório do Fiesta Convention Center com cerca de 1.100 pessoas.

Centrado no tema da conferência sobre 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos e 20 anos da Constituição da República, Ophir Cavalcante Junior destacou em sua palestra que não se pode comemorar essas datas em toda sua extensão nem falar em democracia plena no País, "sem que tenhamos, ainda, feito respeitar o princípio constitucional da ampla defesa e do devido processo legal". Ele sublinhou que o artigo 5° da Constituição Federal proclama que todos são iguais perante a lei e que não há distinção entre brasileiros e estrangeiros residentes no País, destacando ainda o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Após indagar se o Brasil, passados 20 anos, já conseguiu dar efetividade a esses direitos, o próprio Ophir disse que não se atreveria a responder tal indagação. "Deixo a resposta aos advogados brasileiros que se reunirão, de 11 a 15 de novembro próximo, na XX Conferência Nacional dos Advogados, em Natal (RN)", disse.

A seguir, a íntegra da palestra de Ophir Cavalcante Junior na Conferência Estadual dos Advogados da Bahia:

"A Bahia está em festa, não em razão da do Carnaval ou de qualquer outro evento popular, cultural e religioso, que tão bem caracterizam essa terra.

A festa de que lhes falo é porque os advogados baianos, numa demonstração de unidade, força e profundo compromisso com a democracia brasileira, se reúnem para debater, privilegiando o saber dos próprios advogados locais, problemas ligados aos 60 Anos da Declaração dos Direitos Humanos, os 20 anos da Constituição da República e o papel do Advogado na Construção da Democracia.

E esse compromisso se torna mais efetivo quando vivemos hoje em nosso país um momento em que a Constituição Federal é posta à prova por conta do Estado Policial que se está a viver, onde as liberdades individuais consagradas no art. 5º, da CF, são, diariamente, desrespeitadas; em que em nome da defesa quanto ao crime, tudo é possível. Só para citar alguns exemplos do desrespeito que estamos presenciando podemos destacar : a banalização da prisão temporária e do grampo telefônico; o uso abusivo de algemas; as invasões dos escritórios de advocacia; os mandados coletivos de busca a apreensão; o vazamento de informações; a exposição de suspeitos à mídia com a conversão das investigações em espetáculos, só para citar alguns exemplos.

Para resgatar a força e a autoridade da Constituição Federal a voz que tem se levantado é a da OAB e a dos advogados brasileiros, que diariamente lidam com o drama humano e que sabem que a força da democracia está no respeito à Constituição e no fortalecimento do Poder Judiciário, o que, aliás, tem sido, mais recentemente, uma constante no STF com julgamentos que honram a Justiça Brasileira.

Mas como comemorar os 60 anos da Declaração de Direitos Humanos e os 20 Anos da Constituição Federal, como falar em Democracia Plena, sem que tenhamos, ainda, feito respeitar o princípio constitucional do ampla defesa e do devido processo legal.

O artigo 5o. da C.F. proclama que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Passados quase 20 anos da promulgação da Constituição Federal, será que conseguimos dar efetividade a esses direitos ?

Não me atreverei, neste momento, a responder tal pergunta, deixando a resposta aos advogados brasileiros que se reunirão, em novembro do próximo ano, em Natal, Rio Grande do Norte, a quando da XX Conferência Nacional dos Advogados.

Enquanto esperamos pela resposta que será dada pelos advogados brasileiros, posso testemunhar que muito do que se conseguiu em termos de cidadania nesses quase 20 anos da Constituição teve a participação direta da advocacia e da OAB.

A OAB, ao longo de seus 78 anos de existência, tem sido um instrumento a serviço da cidadania brasileira. Jamais se omitiu nos momentos críticos e decisivos da nossa história republicana. Foi uma das trincheiras mais destemidas na luta contra a ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945. Liderou a luta pela Constituinte de 1946 e dela participou ativamente. Foi também voz decisiva na luta contra a ditadura militar pós-64, assim como na reconstrução democrática.

Esteve na linha de frente da luta pela anistia, pelo fim da censura, pelas eleições presidenciais diretas, pela convocação da Constituinte de 1988. E ontem, como hoje, luta por uma causa permanente: ética na política. Jamais esteve na contramão dos interesses da cidadania. Não esteve antes e não estará agora.

O compromisso da nossa entidade é com a defesa da ordem constitucional do Estado democrático de direito, por isso nos lançamos mais recentemente em uma nova cruzada para dotar a advocacia e, por conseqüência, o cidadão, dos instrumentos legais para que possa, efetivamente, exercer a plena defesa e fazer o devido processo legal, cânone constitucional, através da Lei 11.767/2008, que trata da inviolbilidade dos escritórios de advocacia; na limitação apo uso abusivo das algemas; em uma nova Lei de Abuso de Autoridade; em pedido de edição de Súmula Vinculante garantindo o acesso aos autos; no cancelamento da Súmula Vinculante n. 5 que retira a exigência do advogados em processo administrativo disciplinar; no PL para regulamentar o recebimento de honorários advocatícios, que vem sendo abusivamente aviltado por membros da Mgistratura em todo o país; o PL. que trata das férias dos advogados e, ainda, na PL que cuida da criminalização ao desrespeito às prerrogativas, dentre outros.

A OAB procura, portanto, fazer valer o disposto no art. 133, da Constituição Federal, que determina a essencialidade do advogado à administração da Justiça.

Isso não tem sido fácil, pois o advogado no seu dia-a-dia encontra obstáculos no exercício da profissão, seja porque o empobrecimento é fato, seja porque a morosidade decorrente da estrutura ultrapassada do Poder Judiciário torna este Poder desacreditado, o que tem reflexos diretos na advocacia. É bem verdade que está havendo uma evolução, mas ela ainda é lenta e dependente da figura do Presidente à frente do órgão Judiciário. Não há uma política de gestão continuada, um plano que pense o Judiciário para o futuro, o que precisa ser corrigido.

Efetivamente, a lentidão enervante, o formalismo processual, a estrutura obsoleta e os vícios latentes de alguns auxiliares e operadores do Direito, que contaminam a administração pública da Justiça, desestimulam ou abortam as vocações e acirram a concorrência e condutas nem sempre éticas.

Apesar disso, a advocacia forense representa, ainda hoje, a maior área de atuação do advogado, o que está sendo priorizado pela OAB ao lutar por um processo mais ágil e para que o Judiciário funcione eficazmente, cumprindo o postulado primeiro e fundamental da Justiça, que é o de chegar a todos, independentemente de classe social ou localização geográfica.

De outro lado, o advogado também tem uma função social que é a de assumir o papel de trincheira da resistência civil, ou de pulmão das aspirações nacionais a serem contrastadas com a determinação autocrática dos eventuais detentores do poder. É o transcender da simples banca de advocacia, ou do simples exercício egoístico ou confinado de suas aptidões técnicas e intelectuais em benefício de determinado cliente.

A crítica equilibrada e imparcial, porém corajosa, das deformações institucionais e políticas, que o Estado atravessa, constitui dever precípuo do advogado, porque ele lida com o valor supremo ínsito à própria idéia de ser humano (qual seja, o da Justiça), e porque trava, no dia-a-dia, contato com os instrumentos técnicos habitualmente voltados à sua realização (isto é, a lei).

Nesse contexto, o advogado surge como um agente de transformação da sociedade; aquele que intenta projetar sua formação intelectual além dos limites de suas questões estritamente profissionais; o que se convence de que a luta pela Democracia, liberdade e diminuição das desigualdades deve ser travada como dado imprescindível até mesmo para o cumprimento dos compromissos profissionais fundamentais que nosso Estatuto e nosso Código de Ética consignam.

Denunciar, exigir, pressionar, conscientizar deve ser sempre o nosso papel. Chamar atenção às diversas formas de violência que se pratica contra todos nós, desde a falta de segurança até as inúmeras modalidades de ilícitos penais e econômicos que, na medida em que favorece seus autores, na outra ponta repercute com violência no patrimônio de milhares de pessoas que, dificilmente, se indenizarão dos prejuízos sofridos.

Essa dimensão do trabalho do advogado é legítima e legal; ganhou fôro de constitucionalidade ao ser previsto na Constituição Federal sua essencialidade à administração da Justiça e, através da OAB, como guardiã do estado democrático de direito, da ordem jurídica e da justiça social. Exerce ela, portanto, uma função pública ligada à defesa dos interesses da coletividade e não somente dos advogados.

Restabelecidas as liberdades fundamentais, o mais importante, agora, não é identificar vilões, mas eleger sim metas a conquistar. Mais complexo que denunciar é auxiliar na construção de uma democracia verdadeira. A conquista da estabilidade jurídica e dos direitos sociais implica mobilização bem mais sofisticada. Não se trata de iniciativas de conteúdo emocional, mas sim de mobilização constante, de modo a conscientizar parcela cada vez maior de cidadãos para a necessidade de exercitar deveres e direitos.

É esse tipo de consciência, de compromisso, que todos nós devemos ter a todo o tempo, mesmo quando e se o país atingir a integral normalidade institucional em que a ordem jurídica se revele, aparentemente, sem eficácia.

Não cremos em idéias totalitárias de que se possa atingir uma sociedade plena de felicidade, pois na Alemanha nazista havia Direito. Havia Direito sob o fascismo. Havia Direito na União Soviética. O Direito Internacional é invocado para justificar invasões das potências em territórios de outros Estados. Também em nome do Direito aconteceu o golpe militar de 64 no Brasil. Entretanto, em nenhuma dessas situações se pode prescindir da atuação do advogado, justamente porque falta a essas estruturas normativas a acepção de justiça. Nesse sentido assinalamos outra função social do advogado : o advogado construtor de uma sociedade justa.

O advogado ao prestar seu compromisso perante nossa instituição assume a bandeira de lutar pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica, pelo Estado democrático de direito, pela justiça social. São cânones da nossa lei.

Por outro lado, o advogado deve estar consciente de que o seu papel social que vai muito além dos restritos interesses individuais. Sabe ele que a lei da selva é lei, que a lei do mais forte é lei, e que nem por isso merecem o prestígio de sua atuação convergente. Abre-se, exatamente em razão dessa consciência crítica, do repensamento das estruturas sociais, um papel, para o advogado que o torna indene de qualquer processo de envelhecimento e de extinção ao curso da História da humanidade.

É imaginável cogitar-se da estrutura de futuras sociedades em que os pleitos sejam discutidos pela mera inserção, em uma fabulosa máquina eletrônica pensante, dos dados do problema e das hipóteses de possível solução, tornando dispensável toda a trama que hoje funciona como ambiência da solução dos litígios. É pensável também cogitar-se da edição, simplesmente mecânica, de processos compositivos dos litígios sociais ou preventivos do seu deflagrar. Todavia, essa mesma sociedade tão fantasticamente desenvolvida sob a perspectiva da técnica será, para que mereça este nome, composta de seres humanos? O que significa dizer, de entes falíveis, capazes de grandezas e mesquinharias, capazes em maior ou menor número, mais profunda ou mais suavemente, de perpetrar injustiças ou de procurar verter em benefício de seus próprios interesses os dados que compõem o jogo social.

É evidente que não, pois enquanto o homem for homem, enquanto o homem for apenas um ser que busca a perfeição, caberá supremamente à figura do advogado encarnar o poderoso fator social de recondução dos processos coletivos às pautas e balizas que tornam digna e justificável a sobrevivência do indivíduo na coletividade.

Meus caros colegas, principalmente aqueles que estão no início de suas carreiras e aqueles que, brevemente, a iniciarão, advogar é técnica, é arte, é coragem, é sacerdócio, é ousadia, é compromisso social, é lutar para que o homem viva com dignidade e grandeza.

Exercer a advocacia no seu cotidiano é dar efetividade não só ao artigo 133, da Constituição Federal, que nos reconhece como essenciais à administração da Justiça, mas a todo o arcabouço jurídico constitucional fundado na defesa das liberdades individuais e coletivas e é, justamente, isso que nos ata umbilicalmente à cidadania.

Advirto, no entanto, que essa ligação perene entre a advocacia e a cidadania só continuará firme se o advogado for respeitado no exercício de sua profissão, podendo, graças às prerrogativas profissionais, ter liberdade e independência em seu mister de modo a fazer valer o princípio programático de nosso Estatuto que estabelece a igualdade entre a força real daquele que decide e a hipótese de resultado do que postula.

E a expressão dessa liberdade e independência está insculpida no art. 31, § 1º do nosso Estatuto : NENHUM RECEIO DE DESAGRADA A MAGISTRADO OU A QUALQUER AUTORIDADE, NEM DE INCORRER EM IMPOPULARIDADE, DEVE DETER O ADVOGADO NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO.

Para encerrar, recorro à lição simples, mas profundamente rica, de Miguel Reale, de que "o mundo da cultura é solidário, e o direito, como permanente composição de forças em equilíbrio instável, reflete, no mais alto grau e da maneira mais direta, a funcionalidade complementar ou co-implicante dos atos e das obras do homem".

Faço isso para destacar um dever essencial que temos como advogados : situarmo-nos no sistema integral das forças de nosso tempo, sem perda da visão harmonizadora do conjunto, fora da qual os fatos singulares perdem o significado autêntico. Nossa época tem sede de concretitude, anseia por soluções integralizadoras, que não mutilem os homens e as coisas.

Dentro dessa compreensão concreta e total, segundo Miguel Reale, as leis, ou de maneira mais ampla, as normas jurídicas, deixam de valer em si e por si, como se fossem figuras geométricas, abstratas e frias, para serem, antes, consideradas instrumentos plásticos de vida, e, mais precisamente ainda, "momentos de vida", a tal ponto que entre a "norma" e a "situação normada" não se cavem abismos, mas coexistam ambos os termos na unidade dialética de um único processo.

E deve ser esta a proposta da OAB e dos advogados: despertar a sociedade à realidade de que a defesa da Constituição e conseqüentemente dos direitos e liberdades individuais e coletivos é um dever de todos, mais especialmente dos advogados por exercerem um mister que implica na defesa da própria democracia, pois a dignidade da pessoa humana é a força que limita o poder político do Estado para que prevaleça a cidadania como condição indispensável à plena realização do ser. É, no dizer de Bobbio, "a vitória do cidadão sobre o poder."

Com essas palavras saúdo os valorosos, destemidos e competentes advogados baianos, que têm contribuído na luta diária pela afirmação dos direitos da sociedade, demonstrando que a disposição constitucional sobre a advocacia não é mera retórica, mas realidade no Estado da Bahia.

Uma salva de palmas a advocacia baiana!".

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